Séculos de investigações e pesquisas científicas serviram para impulsionar a sociedade à frente e para melhorar a vida de milhões de pessoas. Esta força do método científico e sua capacidade de descobrir e inovar foi tão grande que criou um sentimento místico e envolvente de infalibilidade científica. Mas, da mesma forma que em todas as outras áreas da sociedade, a senilidade e decadência do capitalismo agora se refletem também na questão da ciência, e muitas pessoas estão começando a se preocupar com a fiabilidade da pesquisa.
Marxismo e materialismo
A visão Marxista do mundo se baseia em uma perspectiva filosófica materialista, na qual se entende que é o mundo material que é real e primário, enquanto que nossa consciência e idéias são um reflexo desta realidade material.
Quando esta visão se aplica à história e à sociedade, se chega à teoria Marxista do materialismo histórico, que afirma que é o ser social que determina a consciência social. Em outras palavras, devido às interações sociais que os homens e as mulheres são obrigados a experimentar em suas vidas cotidianas, se desenvolvem as tradições sociais, a cultura, as idéias, a moral e a consciência de classe. Como descreve Marx:
“(...) na produção social da sua vida, os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência”.
Não é, contudo, apenas as idéias da sociedade que têm a forma das condições materiais de que dispõe uma determinada sociedade. A concepção materialista da história e da sociedade explica como, de forma definitiva, todos os indivíduos, instituições e estruturas que vemos também estão limitados, em última análise, pelas relações sociais e forças produtivas da sociedade. Nem os grandes indivíduos, nem a grandeza da humanidade como um todo, em qualquer campo da vida, podem ir além das limitações impostas pelas condições materiais disponíveis na sociedade – tal é o caso da ciência, da tecnologia e da indústria.
Foi a partir desta compreensão que Marx e Engels criticaram seus predecessores socialistas – os “Socialistas Utópicos” – para os quais uma sociedade socialista era a-histórica, isto é, independente das condições materiais históricas. Para os utópicos, tudo o que se necessitava era a genialidade individual de se conceber uma sociedade perfeita para que ela acontecesse, como comentou Engels:
“Se até agora a verdadeira razão e a verdadeira justiça não governaram o mundo é simplesmente porque ninguém soube penetrar devidamente nelas. Faltava o homem genial, que agora se ergue ante a humanidade com a verdade, por fim descoberta. O fato de que esse homem tenha aparecido agora, e não antes, o fato de que a verdade tenha sido por fim descoberta agora, e não antes, não é, segundo eles, um acontecimento inevitável, imposto pela concatenação do desenvolvimento histórico, e sim porque o simples acaso assim o quis. Poderia ter aparecido quinhentos anos antes, poupando assim à humanidade quinhentos anos de erros, de lutas e de sofrimentos”.
Da mesma forma, foi com uma compreensão materialista do socialismo que, tanto Trotsky – na análise dos fenômenos do estalinismo e da burocracia na União Soviética – quanto Marx antes dele, explicaram como uma sociedade socialista somente poderia ser construída sobre condições materiais de superabundância; sobre certo nível do desenvolvimento das forças produtivas que poderia atender as necessidades de todos, ao mesmo tempo em que permitiria o tempo necessário para que as massas de homens e mulheres se envolvessem na gestão e planejamento democráticos da sociedade. Como observou Marx:
“O desenvolvimento das forças produtivas é a premissa prática absolutamente necessária [do Comunismo], porque sem ele a escassez se generaliza e, com a escassez, a luta pela existência recomeça, o que significa que toda a velha bosta deve voltar”.
Desta forma – com este método materialista – os Marxistas entendem como as condições materiais, principalmente no sentido das forças produtivas, em última instância, determinam todas as diferentes formas e estruturas na sociedade; da religião e da moralidade à lei e ao estado; da cultura e da tradição à família e às relações entre os sexos; e muito mais.
Esta relação entre a “superestrutura” de uma sociedade e a base econômica das relações sociais e das forças produtivas não é, contudo, mecânica. Na história, vemos uma grande variedade de formas e estruturas (e indivíduos) mesmo dentro de um modo de produção comum. Em última análise, contudo, nenhum deles pode ir mais longe do que permitem as condições materiais e as relações sociais.
Para dar um exemplo: dentro do capitalismo há uma grande variedade de estados-nação, cada um deles com suas próprias leis particulares e estruturas estatais. Cada um deles surgiu em sua própria forma original por causa da história e cultura particular dessa determinada nação. No entanto, todos estes sistemas legais e aparelhos estatais, em última instância, têm uma coisa em comum: a proteção da propriedade privada – uma relação econômica e social.
Em certos momentos da história, as forças produtivas superam as relações sociais e as contradições emergem por toda a sociedade. Torna-se claro de um campo a outro que a sociedade está se detendo, não por nossas capacidades técnicas, mas pela própria forma como a sociedade se organiza. Tais contradições, como explicou Marx, inauguram a “época da revolução social”.
“Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes ou – o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se transformam em grilhões das mesmas. Ocorre, então, uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento econômico se revoluciona, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superestrutura” (Marx, Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política).
Ciência e Sociedade
Para muitas pessoas, o papel da ciência na sociedade é sacrossanto e inquestionável. Graças às grandes realizações do método científico a partir do século XVI, através do Iluminismo em diante, os cientistas ganharam uma posição reverenciada na sociedade de caráter quase religioso. Os homens e mulheres mais instruídos envolvidos com a ciência são praticamente endeusados – apresentados como seres oniscientes e onipotentes que vivem em um reino celestial além do nosso, meros mortais.
Estes indivíduos – e as instituições da Ciência como um todo – são considerados infalíveis e objetivos, não influenciados pela politicagem e pelas pressões sociais que sucumbem e preocupam o restante de nós, seres imperfeitos. Neste sentido, os resultados da ciência moderna são muito freqüentemente apresentados como fatos estabelecidos e inquestionáveis – como a Verdade – livres de qualquer preconceito ou dúvida.
Naturalmente, os métodos da ciência atualmente representam um salto qualitativo à frente a partir das crenças supersticiosas e religiosas que refrearam a sociedade Ocidental durante a Idade das Trevas e os tempos Medievais, e que ainda hoje encontram eco entre os conservadores religiosos que predicam sobre o “design inteligente”. Mas imaginar que o campo da ciência atual é imune às várias condições, processos e acontecimentos que ocorrem na sociedade em geral, é cair em um idealismo que não é muito diferente da posição sagrada e inviolável defendida pelos místicos e sacerdotes de épocas anteriores.
Basta dar uma olhada atrás na história para se ver como os métodos e a validez da ciência não podem ser dissociados das relações sociais, das condições materiais e dos processos em torno da sociedade. Por exemplo, foi somente nas origens da sociedade de classe que a ciência – no sentido do desenvolvimento de uma compreensão sistemática dos fenômenos da natureza – pôde dar o primeiro salto qualitativo à frente. Com o desenvolvimento da sociedade de classe, pela primeira vez na história, pôde haver uma divisão do trabalho entre trabalho intelectual e manual, liberando uma pequena minoria da população das tarefas imediatas de produção, e permitindo-lhe tempo para estudar e encontrar um sentido para seu entorno.
Este foi um passo extremamente progressista para o ser humano, proporcionando um enorme impulso ao desenvolvimento do conhecimento, que, por sua vez, pavimentou o caminho para o desenvolvimento das forças produtivas – isto é, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia; nossa capacidade de manipular as forças naturais e fazê-las trabalhar a nosso favor.
Esse grande passo à frente – esta divisão do trabalho para criar uma elite privilegiada de pensadores – somente foi possível, no entanto, mediante um desenvolvimento prévio das forças produtivas; pois é somente quando a sociedade se torna, primeiro, capaz de produzir um excedente que a possibilidade de manter essa minoria privilegiada pode se realizar. Vemos, portanto, como até mesmo as próprias origens da ciência e da filosofia eram dependentes das condições materiais e não apenas das mentes dos homens.
Da mesma forma, pode-se ver como o progresso e os avanços realizados pela ciência nos tempos modernos, a partir do século XVI em diante, coincidiram com o início do desenvolvimento do capitalismo e a emergência de uma nova classe – a da burguesia – que foi capaz de proporcionar uma base independente a partir do poder da aristocracia feudal, que estava envolvida com a igreja e todo o seu entorno de absurdos místicos, religiosos e supersticiosos.
Os grandes pensadores do Iluminismo, com sua insistência na Razão e seu desprezo pelo misticismo de antigamente, eram um produto desta burguesia emergente e das revoluções que eles semearam. Mas até mesmo esses grandes indivíduos e suas ideias não puderam ir além do que as relações sociais permitiram, como observou Engels em sua grande obra: “Do Socialismo Utópico ao Científico”:
“Os grandes homens que, na França, iluminaram os cérebros para a revolução que se havia de desencadear, adotaram uma atitude resolutamente revolucionária. Não reconheciam autoridade exterior de nenhuma espécie. A religião, a concepção da natureza, a sociedade, a ordem estatal: tudo eles submetiam à crítica mais impiedosa; tudo quanto existia devia justificar os títulos de sua existência ante o foro da razão, ou renunciar a continuar existindo. A tudo se aplicava como único tribunal a razão pensante. Era a época em que, segundo Hegel, "o mundo girava sobre a cabeça", primeiro no sentido de que a cabeça humana e os princípios estabelecidos por sua especulação reclamavam o direito de ser acatados como base de todos os atos humanos e toda relação social, e logo também, no sentido mais amplo de que a realidade que não se ajustava a essas conclusões se via subvertida, de fato, desde os alicerces até ao teto. Todas as formas anteriores de sociedade e de Estado, todas as leis tradicionais, foram atiradas no monturo como irracionais; até então o mundo se deixara governar por puros preconceitos; todo o passado não merecia senão comiseração e desprezo, Só agora despontava a aurora, o reino da razão; daqui por diante a superstição, a injustiça, o privilégio e a opressão seriam substituídos pela verdade eterna, pela eterna justiça, pela igualdade baseada na natureza e pelos direitos Inalienáveis do homem.
“Já sabemos, hoje, que esse império da razão não era mais que o império idealizado pela burguesia; que a justiça eterna tomou corpo na justiça burguesa; que a igualdade se reduziu à igualdade burguesa em face da lei; que como um dos direitos mais essenciais do homem foi proclamada a propriedade burguesa; e que o Estado da razão, o "contrato social" de Rousseau, pisou e somente podia pisar o terreno da realidade, convertido na república democrática burguesa. Os grandes pensadores do século XVIII, como todos os seus Predecessores, não podiam romper as fronteiras que sua própria época lhes impunha” (ênfase nossa).
Através da história, portanto, vemos como os desenvolvimentos na ciência – como acontece com todas as ideias na sociedade – sempre estiveram associados ao desenvolvimento das forças produtivas, com saltos qualitativos à frente se sucedendo na base das mudanças fundamentais nas relações sociais.
O progresso da ciência não é uma marcha linear para o alto, mas é um processo dialético de longos períodos de mudança quantitativa seguidos pelo avanço qualitativo. Tais saltos, por sua vez, estão intimamente ligados às mudanças revolucionárias mais amplas que ocorrem e que transformam radicalmente a sociedade e, com ela, também, todas as velhas ideias e tradições.
As barreiras da propriedade privada e do lucro
Conquanto tenha sido o desenvolvimento da sociedade de classe – e mais tarde a emergência do capitalismo – que deu, no passado, à ciência um enorme impulso à frente, hoje podemos ver que essas mesmas forças que anteriormente levaram ao progresso estão agora puxando a sociedade para trás e se tornaram uma enorme barreira para o desenvolvimento da ciência – e das forças produtivas em geral.
Em particular, o sistema capitalista, com sua base na propriedade privada e na produção para o lucro, tornou-se um gigantesco entrave ao desenvolvimento de todas as áreas da sociedade, incluída a ciência. Sob o capitalismo, as próprias ideias se tornaram propriedade privada – “direitos de propriedade intelectual” – e esta propriedade privada sobre o conhecimento tem sufocado, por seu lado, as possibilidades de avanço na investigação. Em vez da colaboração entre os melhores cientistas, utilizando todos os recursos intelectuais e científicos disponíveis à humanidade para resolver os problemas da sociedade, a investigação é dividida em nome da concorrência; o fruto deste trabalho – o desenvolvimento de novos métodos e tecnologias – é, em seguida, apropriado privadamente para o bem do lucro.
Em última análise, contudo, todo conhecimento científico é produzido socialmente – como resultado histórico de gerações de avanços. Todos os avanços na ciência requerem o conhecimento prévio acumulado durante séculos de trabalho árduo, e, no entanto, sob o capitalismo, a atitude de o “vencedor leva tudo” prevalece e este conhecimento social se torna propriedade privada. Na existência de direitos de propriedade intelectual, portanto, vemos a natureza parasitária do capitalismo, que se apropria privadamente dos produtos do trabalho social.
Pode-se supor que esta concorrência, com sua ineficiência e desperdício devido à duplicação de esforços, poderia ser consignado ao setor privado. Certamente a pesquisa no setor público, conduzida em universidades publicamente financiadas, estaria livre desta concorrência e ineficiência. Infelizmente, este não é o caso; em vez disso, vemos como as leis da concorrência capitalista se refletem até mesmo no interior das instituições públicas.
Tomemos, como exemplo, o caso da pesquisa científica nas universidades britânicas. Grande parte do financiamento para esta pesquisa vem de financiamento público – ou seja, dos impostos e taxas estudantis. Dada a crise do capitalismo e os resultados do programa de austeridade da Coalizão liderada pelos Tory, este financiamento está sendo cortado. É cada vez mais comum, portanto, a universidade ficar dependente de um grande negócio para as fontes privadas de financiamento, e é muito fácil de se ver como isto influencia a pesquisa em nome do lucro.
Acompanhando este papel cada vez mais influente do grande negócio na pesquisa universitária, pode-se ver as leis do capitalismo se expressando dentro do financiamento público dos projetos de pesquisa. Devido à austeridade, as universidades – e os acadêmicos dentro delas – estão brigando por uma crescentemente assustadora piscina de financiamento e recursos. Para garantir a manutenção de seus departamentos e de seus empregos, os acadêmicos e suas equipes de pesquisa devem justificar sua existência e provar sua superioridade produzindo novas pesquisas de ponta, e devem fazer isto antes que pesquisas similares das equipes das universidades rivais cheguem lá primeiro. Esta competição entre universidades em torno dos cada vez mais reduzidos financiamentos faz com que as universidades e seus pesquisadores, em vez de colaborar entre si compartilhando informações, métodos e resultados, corram uns contra os outros para chegar à linha de chegada em primeiro lugar.
Da mesma forma, muitas vezes se vê nas instituições científicas com financiamento público como – mais uma vez, para justificar sua existência – os acadêmicos se esforçam para abrir um espaço para si mesmos e se entrincheiram firmemente se alguém desafiar sua posição. Em vez de se abrirem para novas teorias ou, por exemplo, assumirem um ponto de vista equilibrado sobre os tópicos científicos que têm claramente um elemento social e político – tais como as tecnologias necessárias para evitar a mudança climática – os acadêmicos com demasiada frequência vão ao extremo de defenderem seu próprio campo de pesquisa contra todos os outros, dessa forma defendendo seu acesso ao financiamento e, em última análise, seu próprio sustento. Pode-se ver um desses exemplos no campo da cosmologia, onde consagrados professores da teoria física, apesar das óbvias falhas e deficiências nos modelos padrão, frequentemente podem de forma rápida se converterem em histéricos à menção de qualquer nova teoria que desafie – e dessa forma ameace – sua própria posição.
Assim, vemos como o capitalismo, dada a criação de condições de escassez através da crise, abre espaço para a competição até mesmo dentro da esfera pública, bloqueando dessa forma as possibilidades e o potencial da pesquisa científica em todos os campos. Mais uma vez voltamos à afirmação de Marx de que quando “a pobreza é generalizada... a luta pela existência recomeça, o que significa que toda a velha bosta deve voltar”.
A contradição, como seria de esperar, é que esta escassez sob o capitalismo é completamente artificial. A situação real é a de pobreza em meio à abundância. Apesar da afirmação insistente da necessidade de austeridade pelos apologistas do capitalismo, existe uma enorme quantidade de riqueza dentro da sociedade – mas esta fica nas mãos de uma pequena minoria de exploradores, com 85 bilionários possuindo mais riquezas do que a metade da população mundial junta.
Para piorar as coisas, as maiores empresas, que – como todos os capitalistas – somente investem para o lucro, estão sentadas em montanhas de dinheiro: cerca de 750 bilhões de libras no Reino Unido, dois trilhões de dólares nos EUA e dois trilhões de euros na Europa, que elas não investem, apesar das claras necessidades de postos de trabalho, escolas, hospitais, moradias e infraestrutura, devido ao enorme “excesso de capacidade” – isto é, à superprodução – que existe em escala mundial. Tal riqueza supera o montante gasto a cada ano em pesquisa e desenvolvimento (estimado entre 1-1,4 trilhões de dólares), que, se fosse posto sob a propriedade social e sob um plano democrático de produção, poderia ser usado para dar um gigantesco impulso à pesquisa científica e ao conhecimento humano.
Ciência nociva
A decadência senil do capitalismo se expressa também em termos da própria qualidade da pesquisa científica. Novamente se adverte que o avanço da ciência não se realiza linearmente. Novos conhecimentos não caem do céu como o maná do paraíso, mas requerem condições materiais adequadas. O significado concreto disto na atual época de crise capitalista aguda se revela nas crescentes preocupações sobre a confiabilidade da pesquisa, uma vez que os cientistas se excedem nas normas aceitas em face da escassez e da competição. Os deuses da Ciência se revelam como meros mortais – frágeis e vulneráveis às pressões mais amplas na sociedade. A máscara caiu e o verniz de infalibilidade e onisciência que cobre a Ciência se evapora rapidamente. Tudo o que é sólido se esfuma no ar.
The Economist (em 19 de outubro de 2013) expressa esta preocupação sobre a degradação da ciência em um editorial intitulado “Como a ciência vai mal”:
“Os cientistas modernos estão ficando demasiado confiados e não verificam com suficiência – em detrimento do conjunto da ciência e da humanidade.
“Muitos dos achados que preenchem o éter acadêmico são resultado de experimentos fajutos ou de análises de baixa qualidade... Um autêntico cientista da computação ficaria aflito com o fato de que três quartas partes dos relatórios em seu subcampo são disparates...
“(...) A ciência ainda mantém – às vezes, de forma confusa – enorme respeito. Mas seu status privilegiado se encontra na capacidade de estar correto na maior parte do tempo e de corrigir seus erros quando faz as coisas errado... As falsas trilhas estabelecidas pela pesquisa de má qualidade são uma barreira imperdoável à compreensão”.
O artigo explica algumas das causas por trás desta ciência nociva. De forma especial, The Economist cita o problema da concorrência na ciência que faz com que, dada a escassez de postos acadêmicos e de recursos, os principais cientistas tomem atalhos, o que, por sua vez, leva a equívocos:
“A pressão por ‘publicar ou perecer’ passou a governar a vida acadêmica. A competição por empregos é feroz... Todos os anos seis doutorados recém formados competem por cada posto acadêmico. Hoje em dia, a confirmação (a reprodução dos resultados de outras pessoas) não ajuda a avançar na carreira de pesquisador. E sem confirmação, os resultados duvidosos vivem induzindo aos erros.
“O carreirismo também encoraja o exagero e o furto da cereja dos resultados... à medida em que mais equipes de pesquisa em todo o mundo trabalham sobre uma mesma questão, reduzem-se as probabilidades de que pelo menos um caia na honesta confusão entre o doce sinal de uma verdadeira descoberta e uma aberração que produza ruído estatístico”.
Depois, no artigo principal sobre o mesmo tema, The Economist comenta:
“Há um monte de erros em muitos dos trabalhos científicos que estão sendo publicados, escritos e influenciando mais do que se poderia normalmente supor, ou se gostaria de pensar.
“Vários fatores contribuem para o problema. Os erros estatísticos são generalizados. Os revisores que avaliam os trabalhos antes que as revistas se comprometam a publicá-los estão em situação pior na identificação de erros do que eles próprios ou outros possam imaginar. A pressão profissional, a competição e a ambição empurram os cientistas a publicar mais rápido do que seria prudente. Uma estrutura carreirista que põe grande ênfase na publicação copiosa de trabalhos exacerba todos estes problemas”.
Em outro momento, o artigo registra o exemplo de um acadêmico da prestigiosa Universidade de Harvard que experimentou o processo de avaliação por especialistas, submetendo um relatório sobre biologia a 304 revistas científicas que estava completamente cheio de erros em termos de análise e conclusões. Apesar destes erros flagrantes, o relatório foi aceito para publicação em 157 das revistas – uma taxa de aprovação de mais de 50%!
Ademais, The Economist cita fraudes conscientes – novamente, devidas à natureza competitiva da academia – como sendo outra importante fonte potencial de erros na pesquisa: “Somente 2% dos entrevistados [das pesquisas realizadas junto aos acadêmicos] admitiram que falsificam ou fabricam dados, mas 28% dos entrevistados afirmaram conhecer colegas que se dedicam a práticas de investigação questionáveis”.
Junto ao questionamento e preocupações com relação à qualidade e confiabilidade da pesquisa, o artigo de The Economist também levanta o problema da competição em relação à “propriedade intelectual”, e da forma como ela – longe de melhorar e fazer avançar a ciência – está na verdade freando o potencial de crescimento de nossa compreensão do mundo:
“Parte do código utilizado para analisar dados ou executar modelos pode ser o resultado de anos de trabalho e, portanto, de preciosa propriedade intelectual que dá aos seus possuidores uma vantagem em pesquisas futuras. Embora a maioria dos cientistas concorde em princípio que a informação deveria ser abertamente disponibilizada, existe um genuíno desacordo sobre o software”.
Todos estes fatores, portanto, estão freando a ciência – e, dessa forma, a sociedade em geral – impedindo avanços reais em descobertas e no conhecimento humano: a concorrência entre acadêmicos rivais; a luta pela escassa – e cada vez menor – quantidade de recursos e financiamento; a propriedade privada das ideias através da “propriedade intelectual”; e a pressão da academia sobre os cientistas para produzirem em quantidade em vez de produzirem com qualidade. Tudo isto, no fundo, é produto do capitalismo, que, através da anarquia do mercado, da propriedade privada sobre os meios de produção e da lógica da produção para o lucro, cria crises, escassez e concorrência em todas as áreas da sociedade.
Implicações políticas
Está claro, portanto, que a instituição e o método da ciência não são imunes à crise geral do sistema capitalista, que se reflete em todos os âmbitos da vida. Na maioria dos casos, os erros resultantes de tais pesquisas equivocadas não serão pessoalmente daninhos. Mas, como o artigo de The Economist observa de passagem, às vezes uma pesquisa defeituosa pode ter implicações políticas.
O artigo de The Economist destaca o caso dos economistas de Harvard Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, que chegou às manchetes em 2013 quando se descobriu – a partir das tentativas de um estudante de pós-graduação de replicar seus resultados – que seu influente trabalho “Crescimento em Tempo de Dívida” continha erros como resultado de defeitos em seus cálculos. Este infame trabalho, escrito originalmente por Reinhart e Rogoff em 2010, analisou os dados históricos da dívida pública e do crescimento econômico, concluindo que altas dívidas nacionais levavam a um baixo crescimento. Em consequência, “Crescimento em Tempo de Dívida” foi frequentemente citado pelos políticos que buscavam uma justificativa acadêmica para a austeridade.
Foram os erros de Reinhart e Rogoff um caso de descuido acidental ou de fraude consciente e politicamente motivada? O mundo nunca saberá. Não que isto faça alguma diferença, pois as políticas dos políticos burgueses não são determinadas pelas conclusões acadêmicas tipo “torre de marfim”, mas pelas necessidades do sistema capitalista. Os representantes políticos do capital não necessitam de nenhum justificação para seu programa de austeridade, além do conhecimento – imposto a eles pela mão invisível do mercado – que não têm outra alternativa sob o capitalismo.
Não é a mente dos acadêmicos que modela o mundo, mas o mundo do capitalismo que modela a consciência dos acadêmicos. Como Marx e Engels explicaram em A Ideologia Alemã:
“As ideias da classe dominante são em cada época as ideias dominantes, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade, é, ao mesmo tempo, sua força intelectual dominante. A classe que tem os meios materiais de produção a sua disposição, tem o controle, ao mesmo tempo, sobre os meios de produção intelectual, de forma que, através disso, falando de modo geral, as ideias dos que não dispõem de meios de produção intelectual estão submetidas a ela. As ideias dominantes não são nada mais que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes apreendidas como ideias”.
Os cientistas, apesar de seus conhecimentos, são simplesmente humanos, sujeitos às mesmas pressões sociais que os demais humanos. A despeito de todos os apelos à “objetividade”, está claro que a Ciência não é mais imune à política e à economia – isto é, às forças de classe – do que qualquer outra área da vida. A busca da Verdade pode ser realizada com as melhores intenções de imparcialidade, mas os fatos não são selecionados por eles mesmos.
De fato, a separação entre trabalho intelectual e manual na sociedade, que frequentemente exclui os da academia da exploração imediata experimentada pelos outros trabalhadores, significa que os acadêmicos estão ainda mais vulneráveis de absorver inconscientemente as ideias dominantes na sociedade – ideias que, como Marx explicou, são as ideias da classe dominante; ideias que aspiram justificar a existência das atuais relações sociais. Sob o capitalismo, isto significa justificar a existência da propriedade privada e da exploração econômica.
Com a profunda crise do capitalismo, contudo, até mesmo esses indivíduos ilustrados dentro dos santificados muros da academia não estão protegidos dos impactos e efeitos da austeridade. Por esta razão vemos conferencistas e professores entrando em ação grevista na Grã-Bretanha, resistindo aos ataques as suas pensões, salários e condições de vida. Essa ação coletiva – de sindicalização e retrocesso trabalhista – demonstra a proletarização que ocorre na sociedade, já que a crise se apodera de cada vez mais amplas camadas da população, incluindo aquelas que uma dia se pensaram como de “classe média”. Como Marx e Engels profeticamente afirmaram em O Manifesto Comunista:
“A burguesia despojou de sua auréola todas as profissões até então reputadas como veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Converteu o médico, o advogado, o sacerdote, o poeta, o homem de ciência, em seus servidores assalariados”.
Está claro que o capitalismo teve o seu dia e deve agora sair do palco da história. Os limites da propriedade privada e da produção para o lucro se transformaram em gigantescos obstáculos para o desenvolvimento da ciência e da sociedade como um todo. Somente com a transformação socialista da sociedade, envolvendo um plano de produção democrático e racional, poderemos utilizar o enorme potencial humano e material que atualmente se encontra ocioso e desperdiçado sob o capitalismo.
Com esta revolução na sociedade virá uma revolução na ciência também, que pavimentará o caminho para avanços inimagináveis na tecnologia e no conhecimento. Do ponto de vista das futuras gerações, nosso atual conhecimento social parecerá limitado e incompleto como aquele dos Antigos Gregos nos parece hoje. Mas esta é a música do futuro; a tarefa atual é lutar para mudar a sociedade ao longo de linhas socialistas, na Grã-Bretanha e internacionalmente.