A revolução egípcia, que veio logo após o levante na Tunísia, provocou ondas em todo o mundo árabe. Todos os estrategistas sérios do capital discutem o ‘efeito dominó’ dos acontecimentos no Egito. Mas nenhum deles pôde prever nada do que está acontecendo. Apenas uma semana antes de Ben Ali se ver obrigado a fugir com o rabo entre as pernas, a revista britânica The Economist negou a possibilidade de que Ben Ali fosse derrubado e, inclusive, que seu regime fosse abalado. Em seguida, depois que Ben Ali foi deposto, a mesma revista agravou o erro, ao procurar tranqüilizar seus leitores, afirmando que a revolução da Tunísia não se espalharia a países como o Egito, porque este era “diferente”, naturalmente. Poucos dias depois o Egito explodiu.
As potências imperialistas, particularmente os EUA, pensavam que tinham a situação sob controle e que os regimes sob seu patrocínio eram estáveis. Um comentário interessante que deixa evidente o pensamento da burguesia apareceu em um artigo do Financial Times em 28 de janeiro deste ano. A citação seguinte revela como a burguesia via a situação não há muito tempo: “Antes de 2007, a evolução da economia mundial parecia tão tranqüila e previsível que o período foi, às vezes, chamado de a era da ‘grande moderação’.”.
Esse período tão idílico, contudo, se rompeu de repente pela crise de 2008. E os acontecimentos no Oriente Médio surgiram como uma descarga elétrica ainda maior. O artigo citado continua: “... Os investidores agora vivem em um mundo cada vez mais imprevisível, tanto no sentido econômico quanto no político. Ou, para usarmos o jargão do mercado, o que o Oriente Médio está mostrando é o poder das ‘caudas gordas’ [fat tails, em inglês] (são acontecimentos que pareciam tão pouco prováveis de ocorrer que, em geral, eram ignorados até que, de repente, nos golpearam vingativamente)”. O artigo cita Simon Williams, analista do banco HSBC do Oriente Médio, desta forma: “O que aconteceu na Tunísia tomou a todos de surpresa. Obrigou-nos a todos a voltar a reexaminar as velhas convicções [com respeito à região]”.
O problema com os chamados “experts” burgueses é que não detectaram o que estava acontecendo nas camadas inferiores da sociedade, ou seja, no seio de milhões de trabalhadores oprimidos e de pobres. Isso se deve a que, confortavelmente instalados em suas torres de marfim, costumam ignorar essas camadas. E, como uma aparente calma pode durar décadas, começaram a pensar que as coisas sempre seriam assim. Isso revela que não enxergam um palmo à frente do nariz.
A presciência do marxismo
O marxismo, contudo, devido ao fato de oferecer uma “visão abrangente da história” e ao fato de levar em consideração todas as contradições e como estas impactam a situação no tempo histórico, foi a ferramenta que nos permitiu entender perfeitamente o que estava acontecendo. Compare-se o vazio das citações anteriores com a citação seguinte: “A reacionária monarquia saudita está agora por um fio. Esta quadrilha corrupta é cada vez mais impopular e está tratando de se aferrar ao poder...” (Oriente Médio, Annapolis e o problema palestino: mais conversa fiada, de Alan Woods, 6 de dezembro de 2007 – leia em inglês). Notem a data: 2007!
Comparemos também aquelas mesmas citações vazias ao artigo publicado em 7 de abril de 2008, Egito, 6 de abril: um ensaio geral dos grandes acontecimentos do futuro, escrito por Jean Duval e Fred Weston (leia em inglês), do qual citamos: “O regime de Mubarak enfrenta sua crise mais grave. O mais significativo é que os trabalhadores perderam o medo do regime. (...) Todas as condições estão amadurecendo para a revolução”.
Mais recentemente, em outubro, explicamos que: “As tensões no Egito estão chegando ao ponto de ebulição. (...) A revolução está se desenvolvendo já próximo à superfície” (Egito, iminente tempestade, escrito por Hamid Alizadeh e Frederik Ohsten em 28 de outubro de 2010 – leia em inglês).
Fomos capazes de escrever tudo isso muito antes que começasse a agitação revolucionária atual porque compreendíamos os impactos que estavam provocando décadas de opressão, agravadas pela crise econômica e pela polarização social crescente. Mas, quando colocávamos as perspectivas da revolução no Oriente Médio, retrucava-nos uma cacofonia ensurdecedora de cinismo e ceticismo, que negava que a revolução fosse possível. Agora, a revolução entrou em erupção na Tunísia, no Egito e está se espalhando ao Iêmen, à Jordânia e a muitos outros países árabes.
Os imperialistas do Ocidente estão lutando desesperadamente para recuperar o tempo perdido. A resposta do imperialismo dos EUA e de seus aliados da Europa Ocidental foi a de pedir a Mubarak moderação e que preparasse a transição a um regime mais democrático. Fazem isso por medo de que a revolução se espalhe de um país a outro, até que todos os regimes apodrecidos e despóticos do Oriente Médio e da África do Norte sejam derrubados. Essa possibilidade, agora sim, eles conseguem enxergar!
Contudo, nem todos os “lideres” mundiais estão pressionando em favor da moderação e da transição a um regime mais democrático. Há outra face, mais hedionda, nessa história toda! No caso de que o Egito – o país-chave no mundo árabe – siga o mesmo caminho da Tunísia e que Mubarak seja finalmente expulso, isso teria impacto ainda maior que os acontecimentos que levaram à queda de Ben Ali na Tunísia. Depois do Egito, países como a Jordânia, o Iêmen, a Argélia etc., poderiam enfrentar, todos eles, levantamentos revolucionários. Isso ameaçaria diretamente poderosos interesses materiais na região.
Dessa forma, enquanto Obama apela para a “transição”, atrás das cortinas podemos estar seguros de que outros governantes árabes estão alentando Mubarak a resistir. Se fosse capaz de conter a maré, ainda haveria esperanças para estes líderes despóticos. A classe dominante israelense também não deseja ver uma revolução à sua porta. Apesar de se orgulharem de ser a “única democracia” do Oriente Médio, parece que não se agradam de ver derrubadas as ditaduras que a rodeiam.
Esses líderes têm boas razões para estar preocupados. As mesmas condições que existem na Tunísia e no Egito também existem em todos os países árabes. E, sob estas condições, a expansão da revolução de um país árabe a outro também se vê facilitada pelo fato de que todos eles falam a mesma língua (sem esquecer as diversas minorias que existem nestes países e que também estão participando no movimento), de que há uma herança cultural comum, há uma religião comum (pelo menos para 90% da população), há continuidade territorial (apesar das fronteiras artificiais traçadas pelo colonialismo), há a percepção de que todos têm os mesmos problemas, bem como há a resistência à dominação capitalista e imperialista. Tudo isso criou uma poderosa força na mente das massas. E as mesmas causas provocam os mesmos efeitos. Toda a região está grávida de revolução.
O ritmo de desenvolvimento dos acontecimentos no Oriente Médio e na África do Norte, em parte, depende do que acontecer nos próximos dias e semanas. Se o atual movimento não derrubar Mubarak no curto prazo, isso pode atrasar o processo. No caso de ser derrubado em breve, isso, por sua vez, permitirá acelerar o processo em outros lugares. Como o resultado será decidido pela luta de forças vivas, não é possível dizer com antecedência quão rápido ou quão lento será isso, mas a direção do processo é muito clara. Cedo ou tarde, Mubarak terá que ir embora e um novo período será aberto, em que a luta de classes no Egito se elevará a um patamar superior. Disso, não há escapatória; e terá impactos em toda a região.
O breve esquema da situação que apresentamos a seguir é uma indicação das repercussões que a revolução egípcia, depois da Tunísia, já está provocando.
Jordânia
A Jordânia é um dos principais candidatos a seguir o caminho do Egito. Os protestos por conta da pobreza crescente, do aumento dos preços dos alimentos, do desemprego e da corrupção estão ocorrendo há semanas. O desemprego é oficialmente de 14% e isso em um país com 6 milhões de habitantes. Cerca de 70% da população é de jovens menores de 30 anos de idade e 25% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Milhares de pessoas na Jordânia estiveram nas ruas protestando, exigindo a renúncia do primeiro-ministro e a redução dos preços. Este é o resultado da crise econômica em curso. A Jordânia tem um déficit recorde de 2 bilhões de dólares este ano. A inflação aumentou para 6,1%.
Numa tentativa de apaziguar as massas, o rei Abdullah II prometeu algumas “reformas”, especialmente uma lei eleitoral bastante polêmica. O primeiro-ministro também anunciou 550 milhões de dólares em novos subsídios para o combustível e produtos básicos, como o arroz, o açúcar, a carne e o gás de cozinha. Também anunciou um aumento salarial para os empregados públicos e para o pessoal da segurança.
Mas tudo isto foi em vão. Isso explica porque no primeiro dia de fevereiro o rei Abdullah II anunciou que ia despedir Samir Rifai, o primeiro-ministro, e, com ele, todo o gabinete, para substituí-lo por Maruf Bakhit, a quem deu a tarefa de formar um novo governo que “tome medidas concretas práticas e rápidas para colocar em marcha verdadeiras reformas políticas”. O rei está prometendo um programa imediato de reformas democráticas, enquanto trata desesperadamente de bloquear o crescente movimento de protesto e, assim, evitar um cenário do tipo egípcio. Bakhit, contudo, não é fundamentalmente diferente do primeiro-ministro demitido. Ele é conhecido por ter supervisionado as eleições locais e parlamentares de 2007, a última vez em que esteve no governo, quando ocorreram fraudes eleitorais flagrantes.
Os ativistas, na manifestação de sexta-feira, dia 4 de fevereiro, em Amã, nas imediações do gabinete do primeiro-ministro, gritavam “Abaixo o governo!”, demonstrando que não aceitarão nenhuma medida superficial. O fato de não serem satisfeitas as demandas da população poderia colocar em risco a própria sobrevivência da monarquia e levar à derrubada do regime.
Iêmen
A pobreza generalizada no Iêmen, com 45% da população vivendo com menos de dois dólares ao dia, está na raiz do movimento de protesto atual. As últimas notícias do Iêmen informam que, na quinta-feira, 3 de fevereiro, mais de 20 mil pessoas – a maior manifestação até o momento – marcharam pelas ruas de Sanaa, exigindo que o presidente Ali Abdullah Saleh fosse embora.
Da mesma forma que no Egito, os manifestantes contra-revolucionários pró-Saleh entraram em choque com o imenso protesto anti-Saleh, fato que levou a alguns enfrentamentos físicos, sendo este último dissolvido pela polícia. Na cidade de Aden, no sul, foi utilizado gás lacrimogêneo e munição real para dissolver os manifestantes. Sem dúvida, isso terá o mesmo resultado que no Egito: o de fortalecer a determinação do movimento revolucionário.
Na quarta-feira, 2 de fevereiro, o presidente Ali Abdullah Saleh havia anunciado que não mais se apresentaria como candidato nas eleições de 2013 e acrescentou que seu filho também não. Mais uma vez, isto é muito semelhante ao que Ben Ali tinha anunciado antes de ser derrubado e parece quase uma réplica do comportamento de Mubarak no Egito. Está tratando ele de apaziguar as massas com a promessa de ir embora, mas isso é apenas um ardil para tirar as massas das ruas, com a finalidade de recuperar o controle da situação.
Ele também anunciou aumentos salariais e reduções de impostos, a criação de um fundo para proporcionar postos de trabalho para os graduados das universidades, a extensão da cobertura de seguridade social e a isenção do pagamento dos estudantes universitários do restante dos direitos de matrícula para o curso acadêmico, bem como pediu para que seja reduzido o custo do título de graduação.
Todas essas medidas são claramente manobras para deter o avanço do movimento de protesto, evitando que se converta num movimento como o da Tunísia e do Egito. Contudo, os manifestantes indicaram que isso não é suficiente. As mais de 20 mil pessoas nas ruas, na quinta-feira, cantavam: “O povo quer uma mudança de regime”, “Não à corrupção, não à ditadura” e “Mudar o regime e fora o presidente”.
Argélia
A Argélia viveu movimentos de protesto contra o crescente custo dos alimentos básicos no final de dezembro ao mesmo tempo em que os protestos explodiam na Tunísia. Em 30 de dezembro, informou-se que pelo menos 53 pessoas ficaram feridas e outras 29 foram detidas quando a polícia reprimiu os protestos contra as más condições de moradia em um bairro de Argel, a capital. O nível de determinação de lutar dos manifestantes pode se comprovar no fato de que das 53 pessoas feridas, segundo consta, 52 eram membros das forças de segurança.
Os protestos explodiram novamente no início de janeiro devido ao aumento dos preços dos alimentos e à falta de trabalho. O regime respondeu com uma combinação de repressão (aos 5 dias de protestos nas ruas, que deixaram 5 mortos e mais de 800 feridos) e cortes nos preços (com a redução dos preços do petróleo, do açúcar e de outras necessidades básicas, e a compra de um milhão de toneladas de trigo para a constituição de reservas). O regime também prometeu que as subvenções aos alimentos básicos, como a farinha, continuariam.
Dessa forma, esperavam apaziguar as massas e deter o crescimento revolucionário que começava a se desenvolver. Mas os problemas subjacentes que levaram à revolta não foram resolvidos. O desemprego, em especial entre os jovens, que constituem a metade da população, continua alto. De acordo com o governo, este se situa em torno de 10%, mas os dados mais fiáveis o colocam próximo a 25%.
A ira continuou fermentando sob a superfície, na espera, prestes a entrar em erupção a qualquer momento. Em 22 de janeiro, por exemplo, várias pessoas ficaram feridas quando foram atacadas pela polícia durante uma manifestação pró-democracia na Argélia, contra uma lei que proíbe reuniões públicas. Centenas desafiaram a proibição e saíram às ruas somente para enfrentar as forças policiais fortemente armadas.
Em 1º de fevereiro, milhares atenderam à convocatória de uma manifestação emitida pela Coordenação Local dos Estudantes (CLE, Coordination locale des étudiants) da Universidade de Tizi Ouzou. De acordo com os organizadores, 15 mil participaram na ação de protesto. É significativo que alguns dos manifestantes portassem a bandeira da Tunísia, um claro indício de seu desejo de ver um movimento similar na Argélia que possa derrubar o odiado regime de Bouteflika. Um dos slogans era “Bout-Ali dégage!”, um jogo de palavras pejorativo que mistura os nomes de Bouteflika e Ben Ali.
Em 3 de fevereiro, o presidente Bouteflika anunciou que o estado de emergência do país seria eliminado em futuro “muito próximo”. O estado de emergência vigora desde 1992, inicialmente estabelecido para “lutar contra o terrorismo”. Quando fez este anúncio, Bouteflika, segundo consta, pediu ao seu gabinete que adotasse políticas que criassem postos de trabalho e também anunciou que a televisão e a rádio nacionais deviam emitir as opiniões de todos os partidos políticos.
Até agora, tudo isso continua sendo apenas promessas. São meras palavras destinadas a apaziguar o movimento de protesto, para fazer crer que a “reforma democrática” está a caminho. Não se deu nenhuma data para se dar fim ao estado de exceção. E, quanto aos postos de trabalho, como os mesmos vão ser criados no clima econômico atual, é um mistério.
Um novo dia de luta está previsto para 12 de fevereiro. Esses protestos em curso indicam que o povo da Argélia está inquieto e que pode se movimentar novamente, seguindo o exemplo de seus vizinhos da Tunísia.
Marrocos
Centenas de estudantes se manifestaram na cidade marroquina de Fez no domingo, 30 de janeiro, em um protesto contra os aumentos de preços e contra o a piora das condições sociais (ver vídeo). Os manifestantes entoaram palavras de ordem que vinculam o destino do rei Mohamed VI ao de Ben Ali. Isso veio depois de um protesto anterior na cidade de Tetuan, em 20 de janeiro, organizada pelo Comitê Local Contra o Aumento dos Preços e Contra os Ataques aos Serviços Públicos, com a participação da Liga Comunista de Ação (seção marroquina da Corrente Marxista Internacional – CMI). O ato em Tetuan, que atraiu 300 pessoas, também foi convocado em solidariedade à revolução na Tunísia (ver vídeo).
Nos últimos dias, a imprensa espanhola publicou informes de que o exército e as unidades anti-distúrbios das forças de segurança tinham sido trasladados desde o Saara até as principais cidades de Marrocos, em previsão a distúrbios importantes. O governo marroquino negou essas informações, mas fica claro que está muito preocupado com a possibilidade de que a revolução se estenda a seu próprio país. Um “Dia de Ira”, convocado pelo “Movimento por Liberdade e Democracia Já” foi anunciado para 20 de fevereiro, que também poderia se converter no centro de coordenação dos protestos em todo o país.
E, da mesma forma como o The Economist tratava de acalmar os nervos de seus leitores, afirmando que o Egito “era diferente” e não poderia seguir o mesmo caminho da Tunísia, a Ministra de Assuntos Exteriores da Espanha, Trinidad Jiménez, declarou recentemente: “Creio sinceramente que a situação na Tunísia e no Egito é claramente diferente à de Marrocos”, a razão apresentada é que Marrocos já empreendeu o caminho da “abertura democrática”. Sem dúvida, o governo espanhol não está nem um pouco interessado que a revolução venha a explodir exatamente do outro lado do Estreito de Gibraltar!
Contudo, alguém muito mais próximo ao rei de Marrocos, seu primo-irmão, o príncipe Moulay Hicham, tem opinião muito diferente. Numa entrevista ao jornal espanhol El País, disse que “Marrocos provavelmente não será exceção... Quase todos os sistemas autoritários ver-se-ão afetados pela grande onda de protestos”.
A Faixa de Gaza e a Cisjordânia
Do outro lado da fronteira oriental do Egito, na Faixa de Gaza, onde o reacionário Hamas tem o controle, o movimento do povo egípcio está impactando os palestinos. Alguns supostos marxistas no passado haviam retratado Hamas como, de alguma forma, uma força progressista que mereceria o apoio da esquerda. De fato, é uma força totalmente reacionária que somente preencheu um vácuo devido à natureza corrupta da direção da OLP, que governa a Autoridade Palestina.
O Hamas trata de se apresentar como “revolucionário” e “antiimperialista”. Se fosse o caso, então, haveria de se esperar que se pronunciassem em apoio à revolução que se desenvolve no Egito. Ao contrário! Na semana passada, a polícia do Hamas reprimiu uma pequena manifestação na cidade de Gaza em apoio ao movimento revolucionário do Egito, prendendo várias mulheres.
O Hamas está tão preocupado com os acontecimentos revolucionários do Egito quanto o governo de Israel. Forças adicionais de segurança foram colocadas na fronteira entre o Egito e Gaza, e não do lado egípcio, mas do lado palestino! O fato é que Hamas não quer que o movimento do Egito se espalhe à Faixa de Gaza. Se há alguém que ainda acha que o que está acontecendo no Egito é um levantamento islâmico, basta ver a reação do Hamas para se convencer definitivamente do contrário.
O Hamas tem razão para temer o contágio do Egito. Uma indicação do estado de ânimo local é o fato de que vários milhares de palestinos que vivem na Faixa de Gaza se uniram a um grupo virtual no Facebook que convocou um protesto contra o governo do Hamas para sexta-feira, dia 4 de fevereiro. Essa é a resposta a todos aqueles céticos que somente vêem em Gaza a reação islâmica. A verdadeira voz dos palestinos que habitam essa pequena faixa de terra está se elevando.
Algo semelhante está sendo organizado na Cisjordânia. Os líderes palestinos na Cisjordânia, na verdade, reconhecem o fato de que os protestos da Tunísia e do Egito poderiam se espalhar aos territórios palestinos. E a polícia tem uma preocupação similar à do Hamas. Este vídeo, "Um dia de solidariedade com Revolução egípcia", em Ramallah, Palestina, de 5 de fevereiro de 2011, mostra a polícia da Autoridade Palestina atacando uma manifestação em solidariedade ao levantamento do Egito, em Ramallah, na Cisjordânia.
Todos eles têm razão de temer que o protesto pudesse explodir na Cisjordânia. Não esqueçamos que somente muito recentemente foram vazados documentos palestinos que revelaram a conspiração secreta entre os dirigentes da Autoridade Palestina da OLP e o Estado de Israel, inclusive para arranjarem entre eles o assassinato de um combatente palestino.
Por medo aos distúrbios e para tratar de destruir qualquer movimento de protesto, o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Salam Fayyad, acaba de anunciar as eleições municipais em futuro próximo, e também já se fala de uma eleição geral. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, se considera próximo a Mubarak e a queda deste último causaria ainda mais danos à sua reputação de corrupto entre o povo palestino.
Todas as condições estão em gestação nos territórios palestinos para outra Intifada, desta vez em uma escala muito maior e como parte de um movimento de todos os árabes, e não mais como um levantamento isolado. Não esqueçamos que a Intifada teve um impacto muito maior na sociedade israelense que décadas de terrorismo individual. Os lançamentos de alguns foguetes que açoitaram os bairros populares em Israel, ou os atentados suicidas que mataram homens, mulheres e crianças inocentes de Israel, nos ônibus ou nos supermercados, absolutamente não fazem o menor arranhão na máquina do Estado sionista. De fato, essas ações apenas serviram para fortalecer o Estado sionista, à medida que impulsionam toda a população a apoiar seu governo, ao se sentir ameaçada como povo.
Além disso, o fato de que todos os regimes árabes sejam ditaduras despóticas, que sempre exploraram a questão da Palestina em seu benefício, culpando Israel pelos sofrimentos do povo árabe, também tem sido habilmente manipulado pela elite sionista para pintar uma imagem de Israel como um país rodeado de Estados que o querem destruir. Um movimento revolucionário dos trabalhadores e dos jovens árabes, em algum momento, sem dúvida, terá um impacto positivo nas massas trabalhadoras de Israel.
Síria
A Síria foi considerada durante muito tempo um “Estado perigoso”, por seu passado pró-soviético e sua economia nacionalizada. Contudo, sob al-Assad, o regime foi de alguma forma abrindo sua economia para permitir que se desenvolva a “economia de mercado”. Dessa forma, temos um regime com todas as armadilhas do passado em termos de um aparato estatal repressivo, mas, agora, com a adição dos impactos de uma abertura ao capitalismo, que conduz a uma crescente polarização social, com um crescimento desigual onde a riqueza se acumula nas mãos da elite e a pobreza nas camadas inferiores da sociedade.
Al-Assad, o ditador da Síria, à luz das revoluções na Tunísia e no Egito, admitiu que os governantes árabes têm que fazer mais esforços para dar espaço às crescentes aspirações políticas e econômicas da população da região. Ele tem a intenção de impulsionar as reformas políticas este ano, incluindo eleições municipais, embora tenha assinalado que a estabilidade e a economia estão em plano mais alto de sua lista de prioridades que a reforma política. De fato, também anunciou algumas concessões econômicas de menor importância, numa tentativa de se antecipar a qualquer tentativa de que as pessoas fossem às ruas em protesto. O governo anunciou subvenções e ajudas para os pobres. Aos professores foram concedidos empréstimos sem juros para a compra de computadores portáteis, enquanto que alguns funcionários públicos foram acusados de corrupção na cidade de Alepo. Recentemente, 2 milhões de trabalhadores estatais receberam um aumento salarial de 17%.
O que al-Assad quer dizer quando diz que sua prioridade é a estabilidade e a economia é que ele pensa que, ao conseguir algum tipo de melhoria econômica, poderia manter o controle do poder. Contudo, agora, o desemprego na Síria oficialmente se situa em 10%, mas algumas pessoas pensam que pode ser bem mais elevado, algo em torno de 25%.
Os problemas sociais crescentes estão contribuindo para a fermentação de um espírito de revolta entre os jovens do país. Usando o limitado acesso à internet permitido pelo regime, foram criadas várias páginas no Facebook, com o objetivo de organizar protestos nas mesmas linhas que iniciaram o movimento na Tunísia e no Egito. Houve uma convocatória de protestos para a sexta-feira e o sábado (4 e 5 de fevereiro), mas não conseguiu atrair nenhum manifestante. Como disse um ativista anônimo: “Ainda é cedo para nós. Temos tempo. As ruas, claramente, ainda não estão preparadas”.
O regime sírio é um dos mais brutais da região, quando se trata de se opor à dissidência. Há informes de que as forças de segurança sírias dissolveram violentamente uma vigília em Damasco em apoio à sublevação do Egito na quarta-feira da semana passada. A internet também é muito vigiada. Contas do Facebook, por exemplo, foram oficialmente bloqueados desde novembro de 2007, embora muitos jovens sírios consigam se esquivar do bloqueio utilizando servidores Proxy.
Combinou-se este aparato repressivo com concessões de caráter econômico a fim de bloquear qualquer tentativa de desencadear um movimento como o do Egito. Vale à pena assinalar, contudo, que, embora o regime ainda não enfrente o mesmo nível de protestos de outros lugares, tomou a medida preventiva de aumentar o número de sites e serviços de chat bloqueados à disposição dos usuários de internet no país. Tudo isso indica que a Síria enfrenta um mal-estar crescente e, dado o caráter extremamente brutal do regime, este mal-estar poderia entrar em erupção de forma inesperada e de maneira massiva em algum momento.
Sudão
Pouco depois da queda de Ben Ali na Tunísia, as forças de segurança do Sudão prenderam o dirigente da oposição, Hassan al-Turabi. Isso aconteceu pouco depois do partido de al-Turabi convocar uma “revolução popular” se o governo sudanês não revertesse os aumentos de preços.
“Este país já conheceu levantamentos populares antes”, disse Turabi numa entrevista à agência de notícias AFP. “O que aconteceu na Tunísia é uma inspiração. É provável que isto aconteça no Sudão... Se não for assim, então haverá uma grande quantidade de derramamento de sangue. O país inteiro está armado. Nas cidades será um levantamento popular, mas em Darfur e em Kordofan também eles têm armas”.
A partir daí, o movimento entrou em erupção no país, com os estudantes nas ruas na semana passada. Na segunda-feira (31 de janeiro) um estudante, Mohammed Abdulrahman, da Universidade de Ahlia, morreu depois de ser golpeado pela polícia. Isso levou o regime a fechar muitas universidades e a enviar um grande contingente de forças policiais a todos os campi. Na Faculdade de Medicina da Universidade de Khartum, a polícia tentou cercar uns 300 estudantes ao saírem do campus, mas finalmente eles conseguiram passar gritando: “Revolução contra a ditadura!”.
O regime tentou silenciar todos os meios de comunicação que informassem sobre os protestos estudantis por medo ao seu efeito contagioso. De fato, nas últimas semanas, o Sudão testemunhou um mal-estar generalizado, enquanto o país afunda na crise econômica com uma inflação crescente que afeta os preços dos produtos básicos. Para piorar as coisas, o governo reduziu as subvenções aos produtos derivados do petróleo e do açúcar, um produto-chave no Sudão. Claramente, o Sudão também se encontra em ebulição.
Arábia Saudita
A Arábia Saudita é um dos países-chave na região, uma vez que é o maior exportador mundial de petróleo. Os imperialistas estão muito preocupados com a possibilidade deste “regime amistoso” cair, colocando, assim, em risco o abastecimento constante de petróleo, tão essencial para o funcionamento da economia mundial.
A taxa oficial de desemprego se situa em 10% e a inflação está subindo. Os analistas ocidentais e sauditas confortam-se a si mesmos com o fato de que a Arábia Saudita tem uma imensa riqueza petrolífera e que pode usar isto para acalmar a ira e a frustração. Pode aumentar os subsídios aos alimentos, por exemplo, sem demasiada dificuldade. A Arábia Saudita aprovou um orçamento recorde em dezembro e planeja gastar 400 bilhões de dólares em 5 anos até 2013, para melhorar a infra-estrutura. Não há partidos políticos, nem sindicatos. Os protestos e as greves são ilegais. Mesmo não havendo organizações estudantis, nem sindicatos, nem partidos políticos, o governo saudita vê com inquietação o que acontece na Tunísia e no Egito. Esses países também eram considerados como estáveis e imunes à revolução.
Em 31 de janeiro, o Banq Saudi Fransi publicou um documento: “Chamada à atenção: o contágio do Egito ameaça, mas é manejável”. John Sfakianakis, economista-chefe do Banq Saudi Fransi, explicou que: “Os sauditas têm os meios para manter as subvenções, mas não estão isolados do que está acontecendo no Egito... É uma chamada de atenção para todos na região. Têm que levar em conta que o desemprego e a criação de emprego devem ser prioridades na Arábia Saudita”.
O Financial Times de 5 de fevereiro publicou um interessante comentário sobre o dilema enfrentado pela administração Obama na Arábia Saudita: “[o governo dos EUA] deve estar se fazendo, por sua vez, a grande pergunta: e se a Arábia Saudita, o maior exportador mundial de petróleo, mas, também, uma terra onde a população jovem não experimentou os benefícios da riqueza petrolífera, fosse sacudida por distúrbios semelhantes?”.
No mês passado, de fato, 200 professores organizaram protestos em frente ao Ministério da Educação exigindo vagas no serviço público. Tais protestos estão em curso já há algum tempo. O último foi na sexta-feira, quando os manifestantes se reuniram em Jeddah para protestar contra a má infra-estrutura e foram detidos. Os manifestantes, aparentemente, protestaram durante uns 15 minutos depois das orações da sexta-feira na principal rua de Jeddah antes que as autoridades dissolvessem o protesto e prendessem os participantes.
Esses pequenos protestos estão acontecendo e são uma indicação de um mal-estar mais profundo sentido na maior parte da população. O próprio Sfakianakis, antes citado, assinala que: “Já não podemos dar por segura a estabilidade no Oriente Médio... As pessoas no Oriente Médio já não são pacientes e nem se calam mais. Depois da Tunísia, pensávamos que nada disto iria se passar no Egito, mas vejam o que aconteceu”.
O que os analistas burgueses não entendem é que não é somente a pobreza o que leva à revolução. É um fator importante, mas não o único. O Egito tem muitos pobres, mas não é o país mais pobre do mundo. O que provoca agitação revolucionária é a passagem de um período a outro; os vai-e-vens da conjuntura econômica e o desmantelamento das reformas concedidas no passado podem desatar poderosos movimentos.
Há, também, outro fator. A riqueza nesses países se concentra em poucas mãos. Todos esses países experimentaram crescimento econômico significativo. O Egito, por exemplo, desde 2003 cresceu a uma taxa média anual de 5,5%. Mas esse crescimento não foi distribuído por igual. Assim que temos um exército de pobres frente à pequena elite dos muito ricos. Isso, por si só, pode desencadear acontecimentos revolucionários.
E também está presente o crescente ódio em relação a esses regimes corruptos e opressivos. Não é por casualidade que muitas mulheres tenham participado nos movimentos recentes na Arábia Saudita. Tudo isso poderia desencadear um poderoso movimento, mesmo em regimes que parecem estáveis como o da Arábia Saudita.
Implicações para o imperialismo
Essa súbita explosão da revolução no mundo árabe tem sérias implicações para o imperialismo. Na década de 1960, muitos dos países árabes guinaram à esquerda. Um bom exemplo disto foi a Síria, cuja economia foi modelada de acordo com a economia da União Soviética. Mas mesmo que o processo em seu conjunto não tenha chegado a este nível, regimes como o de Gamal Abdel Nasser, no Egito, estavam se movendo na mesma direção. Grande parte da economia foi nacionalizada e isso permitiu o desenvolvimento de medidas de bem-estar em saúde, educação, subsídios aos alimentos etc., o que proporcionou uma vida melhor para as massas. Até hoje, Nasser é lembrado com carinho por muitos egípcios. Também foi muito respeitado em todos os países árabes, já que era visto como alguém que se levantou contra o imperialismo.
Contudo, a partir do final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o processo começou a ser rebobinado. No Egito, o regime sob Sadat, o sucessor de Nasser, começou a se mover novamente sob a esfera de influência do imperialismo dos EUA. Sobre essa base, as privatizações estiveram na ordem do dia. E, no âmbito internacional, o Egito, da situação de inimigo de Israel, passou à assinatura de um acordo de paz que foi mantido desde então. A Jordânia também assinou tal acordo. Na Tunísia, quando Ben Ali chegou ao poder, 80% da economia estava sob controle estatal. Depois de 23 anos, Ben Ali conseguiu desmantelar tudo isso, com a privatização de áreas inteiras da economia e, com isso, destruiu muitas das reformas do passado. Panorama semelhante podia ser visto no conjunto do Oriente Médio.
Esse processo evoluiu durante 30 anos. E, agora, vemos os resultados: a revolução em toda a região. Mubarak no Egito e o rei Abdullah na Jordânia são considerados os principais aliados dos EUA Essa relação agradável, estável, agora está em risco devido ao movimento revolucionário das massas. O problema é que pouco podem fazer para evitar isto. Eles criaram as condições para a revolução e agora devem sofrer as conseqüências.
Londres, 7 de fevereiro de 2011.