Há mais de uma semana crescem as manifestações dos trabalhadores do setor público em defesa de seus salários, benefícios e de seus direitos de representação sindical.A luta em Wisconsin está rapidamente se tornando uma luta nacional, uma espécie de “Praça Tahrir” americana, um ponto de referência para os trabalhadores que se encontram sob ataque em todo o país.
Manifestações contra cortes semelhantes se espalharam até Ohio e Indiana, dois estados americanos onde os sindicatos são tradicionalmente fortes. Dezenas, senão centenas, de atos de solidariedade ocorreram em todo o país. Em um desenvolvimento que parecia impensável há duas semanas, os sindicatos de Wisconsin estão agora preparando uma greve geral estadual caso o projeto de lei do governador Walker seja aprovado pela Câmara de Deputados do estado. Embora essa luta esteja apenas começando e ainda esteja longe de terminar, ela marca um importante giro da situação nos EUA: a luta de classes está de volta!
Os trabalhadores de Wisconsin também receberam a solidariedade de um lugar onde a greve de massas dos trabalhadores recentemente levou à derrubada de um líder impopular: o Egito. Na segunda-feira, Kamal Abbas, do Centro Egípcio para os Sindicatos e Trabalhadores do Setor de Serviços, participante da greve de 1989 dos trabalhadores da Helwan Steel [Siderúrgica Egípcia] que foi brutalmente reprimida pelo hoje defunto regime de Hosni Mubarak, escreveu:
“Queremos que vocês saibam que nós estamos com vocês. Permaneçam firmes e não desistam. Não abram mão de seus justos direitos. A vitória sempre pertence ao povo que permanece firme e que exige seus direitos... Agora é a vez dos trabalhadores americanos. Nós vos saudamos, trabalhadores americanos! Vocês serão vitoriosos. A vitória pertence a todos os povos do mundo que lutam contra a exploração e por seus legítimos direitos”.
Os acontecimentos revolucionários no Oriente Médio claramente tiveram um grande impacto na consciência dos trabalhadores e da juventude em todo o mundo. O sistema capitalista conecta todos os países ao mercado mundial, mas também cria uma classe trabalhadora mundial que compartilha os mesmos interesses. As vitórias dos trabalhadores de um país servem de inspiração para os trabalhadores de todo lugar. A lição mais importante a ser tirada das revoluções tunisiana e egípcia é a de que a ação de massas, com a classe trabalhadora liderando o movimento, é o único caminho a ser seguido. Esse é o caminho a ser seguido aqui também!
Na quinta-feira, 3.800 sindicalizados e seus apoiadores encheram o prédio do Poder Legislativo de Ohio, em Columbus, enquanto iniciava-se a audiência sobre uma lei que, se passasse, privaria todos os trabalhadores de seus direitos de negociação coletiva. Seguindo o exemplo de Wisconsin, é possível que outras lutas dos trabalhadores do setor público irrompam em Indiana, New Jersey, Missouri e Iowa nas próximas semanas. Um apelo foi feito para um dia nacional de ação em defesa do setor público para o dia 2 de março, que certamente será adotado em todo o país.
A legislatura em Indiana deve iniciar as discussões de uma lei que privaria os professores de seus direitos sindicais. O governador Christie, de New Jersey há semanas está dizendo aos trabalhadores do setor público que eles têm de “encarar a realidade” e se preparar para os cortes. Os republicanos de Iowa disseram que os contratos de negociação coletiva do estado com os sindicatos do setor público são “caros demais”. O estado de Missouri, que tem um governador Democrata, pode ver em breve a convocação de um referendo sobre a lei do “direito ao trabalho”, que, se aprovada, significará que tanto os trabalhadores do setor público quanto do setor privado que possuem organizações sindicais em seus locais de trabalho não serão mais obrigados a pagar as cotas, tirando a base econômica dos sindicatos, o que debilitaria sua capacidade de lutar contra os patrões.
Por enquanto, a massa que se encontra na porta do prédio do Capitólio, em Madison, Wisconsin, aumentou de 40 mil, na sexta-feira, para 60 mil ou mais, no sábado. Apesar de ser essa a maior manifestação da classe trabalhadora nos EUA em décadas, Walker e os Republicanos recusaram-se a voltar atrás e continuam a pressionar para quebrar os sindicatos dos servidores públicos. Na terça-feira, 21 de fevereiro, a Federação Central do Trabalho do Sul (SCFL), a organização de cúpula dos sindicatos do sul de Wisconsin, votou pela preparação de uma greve geral se a câmara legislativa do estado aprovar o projeto de lei de Walker. Apresentamos a seguir as resoluções aprovadas:
“Moção 1: a SCFL aprova uma greve geral, possivelmente para o dia em que Walker assinar sua lei de emenda ao orçamento, e pede ao Comitê de Organização para começar imediatamente a instruir os filiados e membros sobre a organização e funções de uma greve geral.”
“Moção 2: a SCFL registra sua oposição a todas as disposições contidas na lei de emenda ao orçamento de Walker, incluindo, mas não se limitando, às restrições aos direitos de negociação coletiva e redução de salários, benefícios, pensões, fundos para a educação pública, mudanças nos programas de assistência médica e politização das agências governamentais do estado.”
As manifestações de massa em Wisconsin são uma inspiração para milhões de trabalhadores em sua luta contra o bombardeio de cortes. Sem os milhares e milhões de trabalhadores de pé gritando “basta!” as coisas nunca mudarão. Mas, por mais importantes que sejam essas mobilizações, elas são apenas uma parte da questão. A experiência da luta de classes nos EUA e em todo o mundo mostra que não é suficiente para as massas de trabalhadores e jovens sair às ruas; também é necessário que o movimento tenha uma direção que esteja disposta a lutar contra os patrões e seus representantes políticos “sem lhes dar trégua”.
O apelo da SCFL para uma greve geral é um gigantesco passo à frente. Walker está obstinadamente decidido a quebrar os sindicatos dos servidores públicos e não a trabalhar com eles, e uma greve geral é a única forma de derrotar “Hosni” Walker. Uma vitória em Wisconsin daria o tom para outras lutas do setor público que se preparam para eclodir por todo o país.
O Papel dos Democratas
Contudo, deve-se deixar claro que o apelo para uma greve geral não foi feito pela direção dos sindicatos como reconhecimento da força do movimento, e sim como último recurso. Na sexta-feira, no dia anterior ao anúncio da SCFL da preparação de uma greve geral, os dirigentes de dois dos maiores sindicatos do setor público, Mary Bell, do Conselho da Associação de Educação de Wisconsin (WEAC, da sigla em inglês), e Marty Beil, da Federação Americana dos Empregados dos Municípios, Condados e Estado (AFSCME, da sigla em inglês) anunciaram que eles estavam dispostos a aceitar todas as demandas de Walker de corte de salários e benefícios (totalizando 30 milhões de dólares), se ele retirasse, unicamente, sua exigência de acabar com as negociações coletivas. Como manda o figurino, e plenamente apoiado pelo Tea Party dos bilionários Irmãos Koch, Walker rejeitou a oferta.
Beil, da AFSCME, disse posteriormente que sua posição “não era um compromisso”, mas uma posição inicial de barganha do sindicato. Com dezenas de milhares de trabalhadores e apoiadores cercando o Capitólio, por que barganhar concessões de início? Com reuniões, marchas e outros eventos ocorrendo todos os dias, Beil e Bell, em vez de se disporem a barganhar, deveriam ter organizado uma reunião massiva de trabalhadores e apoiadores para discutir os termos a apresentar a Walker, e indicado o caminho a seguir, incluindo a preparação de uma greve geral estadual. Pelo contrário, sua concessão carregada de “compromissos” foi apresentada sem consultar seriamente os milhares de trabalhadores que seriam afetados.
Infelizmente, as concessões de Beil e Bell revelam que, se o setor público for chamado à greve geral, não se pode contar com essa direção para conduzir a luta até o fim. É, portanto, absolutamente necessário que os grevistas tenham controle total, direto e democrático da luta. A SCFL deve convocar urgentemente uma assembleia pública de massas com os trabalhadores dos setores público e privado de Madison, os estudantes e os apoiadores da comunidade, para começar a planejar a forma como a greve geral será conduzida, bem como lançar um apelo para a formação e articulação de comitês de ação em cada fábrica, local de trabalho e escolas, conectados centralmente e liderados por representantes democraticamente eleitos.
A direção sindical encontra-se sob pressão tremenda, não somente de baixo, a partir dos milhares de filiados no Capitólio, que estão prontos para a luta e que estão empurrando a liderança para a frente; mas também de cima, particularmente do Comitê Nacional Democrático (DNC, da sigla em inglês), que enviou dezenas de seus membros e executivos a Madison. Sua intervenção está sendo apoiada pela mídia, com Obama falando contra o ataque de Walker aos sindicatos. A linha de Beil e Bell é a mesma linha dos Democratas na câmara legislativa do estado, que retornaram após quatro dias de boicote para apresentar emendas à lei que assegurariam os cortes de salários e benefícios de Walker, mas manteriam o direito de acordo coletivo.
Nem os Democratas nem os Republicanos representam a classe trabalhadora: eles representam os interesses dos grandes bancos, das empresas constituintes da lista Fortune 500 e dos mais ricos da sociedade americana. Diferentemente da classe trabalhadora em muitos países, os trabalhadores dos EUA não têm um Partido trabalhista de massa que possa representar nossos interesses de classe. Em tal situação, os dois partidos, que representam os interesses da minúscula minoria da sociedade, têm de se apoiar na vasta maioria da população para manter o seu status quo. Tanto os Democratas quanto os Republicanos empregam diferentes formas de populismo para conseguir isso, com os Republicanos se amparando em igrejas retrógadas, no Tea Party etc. e os Democratas se amparando, acima de tudo, nos sindicatos como apoio, não visando o interesse dos sindicatos, mas visando seus próprios interesses.
Os dois partidos, enquanto representantes da mesma classe capitalista, defendem essa minúscula minoria de diversas formas. Os Republicanos estão usando a crise orçamentária como cobertura para atacar diretamente os sindicatos, esperando enfraquecê-los tanto no setor público quanto no setor privado. Por outro lado, os Democratas aparecem como “defensores” dos sindicatos para conseguirem um “compromisso” centrista. Os Democratas gostariam não apenas de liderar o movimento em Madison, mas preferencialmente de usá-lo para seus próprios interesses. As propostas dos Republicanos e dos Democratas na câmara de deputados do estado têm uma coisa em comum: cortes. A crise do sistema exige isso. A diferença é que os Democratas estão buscando uma maneira indireta de realizar os cortes.
Tem sido essa a sua estratégia por décadas, como se viu mais recentemente nos bailouts [operações de salvamento financeiro de emergência] à indústria automobilística, em que a administração Obama ofereceu à GM e à Chrysler um pacote de resgate financeiro, apoiado no anterior presidente do UAW [United Auto Workers – sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística], Ron Gettlefinger, para em troca forçar concessões sobre a adesão. Mas esse velho relacionamento entre os sindicatos e os Democratas está encontrando crescentes dificuldades para se manter, como fica evidenciado no desdobramento dos acontecimentos em Wisconsin, com a SCFL sendo forçada a chamar uma greve geral.
Que os ricos paguem pela crise!
Por todo o país, os políticos Republicanos e a mídia têm uivado contra os trabalhadores do setor público, apontando os seus salários e benefícios como a causa dos déficits orçamentários do Estado. Depois de quase 4 anos de recessão e de uma “recuperação do desemprego” com milhões de desempregados, isso não engana mais as pessoas. Em vez disso, justificadamente enraiveceu ainda mais a classe trabalhadora. Um cartaz que um manifestante segurava, dizia: “Atacando a classe trabalhadora não se cria empregos!”. Isso é um insulto somado à injúria do deslocamento econômico, da incerteza e da miséria da ampla maioria desde que a “Grande Recessão” começou em 2008. Um artigo publicado pela Bloomberg Online, sobre a primeira manifestação no interior da Câmara Legislativa de Ohio, ofereceu um vislumbre do que muitos trabalhadores do setor público pensam dos ataques dos Republicanos:
“Joe Rugola, o antigo presidente da AFL-CIO de Ohio, que também é diretor-executivo da Associação dos Empregados das Escolas Públicas de Ohio, disse que ele representa os condutores de ônibus e zeladores de prédios que ganham cerca de 24 mil dólares ao ano. ‘Eu ainda estou procurando por essa classe privilegiada de trabalhadores’, disse Rugola em uma entrevista enquanto esperava para discursar. ‘Isso é apenas uma parte de um ataque nacional contra a classe trabalhadora’.”
Quase todos os estados nos EUA ou estão em déficit ou logo estarão. Os governadores e as câmaras legislativas dos estados estão apresentando a situação como um “caso encerrado”. Eles dizem que a única escolha é entre demissões e cortes de salários ou enormes concessões. Mas os líderes dos sindicatos do setor público não seriam bons “advogados” dos trabalhadores se simplesmente aceitassem os argumentos do lado oposto (mesmo se chamam por manifestações e até mesmo greves)! Os líderes sindicais têm de dar uma resposta às mentiras do Big Business.
A crise orçamentária é resultado de uma economia enfraquecida, dos gigantescos gastos militares, da imensa redução de impostos e aumento dos favores oferecidos às grandes corporações e aos ricos, e não dos salários e benefícios dos trabalhadores públicos. Durante os últimos 30 anos houve uma transferência colossal da divisão da renda nacional nos EUA, da classe trabalhadora para a classe capitalista. Em 2010, um estudo da Universidade de Duke revelou que 84% da riqueza da nação é controlada pelos 20% mais ricos da população. De 1979 a 2005, depois de descontados os impostos, a riqueza de 1% da população mais rica aumentou 175%. Entre 1998 e 2009, 57% de todas as corporações dos EUA não pagaram quaisquer impostos federais por pelo menos 1 ano. Ao mesmo tempo, os governos estaduais e municipais têm estado por anos seguidos monitorando uma espiral ascendente de incentivos fiscais e isenções para atrair essas mesmas grandes corporações a se instalarem em suas áreas, as quais, assim que o fazem, logo procedem para despedir trabalhadores e encerrar as operações, assim que as isenções e os outros incentivos acabam. Ao mesmo tempo, não se ajustam os níveis de salários dos trabalhadores à inflação média anual desde 1975!
A despeito dos lucros crescentes e das grandes reservas monetárias das maiores corporações durante a recente “recuperação”, esses mesmos capitalistas não estão investindo e criando empregos, pelo contrário, estão pressionando para obter uma maior produtividade de um contingente menor de trabalhadores. Essas corporações têm mais de dois trilhões de dólares em fundos e ativos, mas ainda se recusam a investir. Bibliotecários, professores e bombeiros não causam crises econômicas – a crise é resultado dos problemas inerentes ao sistema capitalista. Se os líderes sindicais quiserem abordar as causas centrais da luta do setor público, não podem ignorar este fato.
Existem recursos para a manutenção dos empregos dos trabalhadores do setor público, de seus salários e benefícios, e para continuar a prover mais serviços públicos necessários. Também há recursos para prover salários e condições dignas para os trabalhadores do setor privado. Existem recursos suficientes para prover empregos para os milhões de desempregados, para proporcionar educação gratuita e de qualidade para os que estudam e que serão amanhã trabalhadores. O problema é que os dois principais partidos estão firmemente unidos aos grandes bancos e corporações e se recusam a agir contra a riqueza e os privilégios de um punhado de capitalistas – os 1% do topo –, que são os que realmente mandam na sociedade americana. O movimento dos trabalhadores sempre lutará com uma das mãos amarradas nas costas enquanto os líderes dos sindicatos continuarem a apoiar o Partido Democrata, que se encontra tão ligado aos grandes bancos e corporações quanto os Republicanos.
Em síntese: os capitalistas, não os trabalhadores, são os culpados pela crise. Em vez de apoiar os Democratas e de esperar por melhores dias, os sindicatos devem romper com os Democratas e formar um partido dos trabalhadores. Em vez de brigar pelas migalhas que caem da mesa dos 1% mais ricos da sociedade, um Partido dos Trabalhadores exigiria que os ricos pagassem pela crise. Um Partido dos Trabalhadores seria capaz de lutar no Congresso e nas câmaras legislativas estaduais, ao lado dos sindicatos nas ruas e nos locais de trabalho, por um programa massivo de obras públicas, para construir escolas, universidades, reparar a infra-estrutura envelhecida do país, o que poderia proporcionar milhões de empregos. Por último, mas não menos importante, esses empregos estariam todos sindicalizados e teriam salários dignos.
O custo de um programa dessa envergadura não seria conseguido por meio de impostos mais altos ou da redução de serviços públicos para a classe trabalhadora, mas poderia ser arcado pelo 1% do topo da sociedade: os grandes bancos e as 500 companhias da lista Fortune, e não somente na forma de impostos mais elevados sobre eles, mas também através da instituição de uma política de “livro aberto” para tornar pública as finanças dos bancos e das corporações. Logo muito da riqueza colossal que foi desviada para essa minoria às custas da esmagadora maioria poderia ser colocada em mãos públicas, para ser democraticamente administrada em benefício de todos. Essa é uma luta crítica para o movimento dos trabalhadores, tanto do setor público quanto do privado. A vitória dos trabalhadores do setor público fortalecerá os sindicatos do setor privado, enquanto que a derrota dos trabalhadores do setor público enfraquecerá sua posição.
- Um ataque contra um é um ataque contra todos! Total solidariedade aos servidores públicos de Wisconsin!
- Nenhuma concessão! Por uma greve geral de um dia em Wisconsin para barrar os cortes!
- Romper com os partidos do Big Business! Por um Partido dos Trabalhadores baseado nos sindicatos!
St. Louis, 24 de fevereiro de 2011.