“Atenção”, anuncia a principal manchete da revista The Economist. “É apenas uma questão de tempo antes que a próxima recessão golpeie. O mundo rico não está preparado”. A foto de capa diz tudo: um cavaleiro da classe dominante, vestindo brilhante armadura e olhando para trás em direção à fera vencida da crise financeira, não se dá conta de que está caminhando direto para as mandíbulas salivantes de um monstro ainda maior – e desta vez sem nenhum tipo de arma a sua disposição.
The Telegraph – porta-voz de confiança para os Tories, o partido tradicional dos ricos na Grã-Bretanha – fez eco a tais advertências um par de semanas antes. “As autoridades mundiais ficaram sem munição... não têm nenhuma margem de erro enquanto a economia vacila” (The Telegraph, 24 de maio de 2015).
O jornal burguês prossegue citando Stephen King do HSBC, o banco multinacional gigante, que compara a economia global ao Titanic – um barco gigantesco à deriva rumo ao desastre. Ao contrário do famoso barco que afundou em 1912, “A economia mundial”, assevera King, “está navegando através do oceano sem nenhum bote salva-vidas para uso no caso de uma emergência”.
Em síntese, os capitalistas e seus representantes políticos e econômicos, em suas tentativas de arrematar a crise de 2008, já usaram todas as armas de seu arsenal necessárias para combater uma nova vaga da crise, “visto que as taxas de juros já estão zeradas na maioria do mundo desenvolvido, os níveis da dívida estão em seus máximos históricos ou próximas disto, e há pouca margem para estímulos fiscais”.
Operando no vazio
“As autoridades normalmente são capazes de repor sua munição desde que a recuperação ganhe fôlego”, continua The Telegraph. “Desta vez enfrentam o desconforto de baixo crescimento crônico... Quanto mais tempo esta situação se prolongar, maiores os riscos de que os seis anos de recuperação global se pulverizem. Enquanto as expansões não morrem de velhice, tornam-se mais vulneráveis a todo tipo de patologias”.
Nos EUA, que continua a ser o principal motor da economia global, “Cada uma das últimas quatro recuperações tem sido mais fraca do que as anteriores”.
O sistema capitalista, então, nas palavras da própria imprensa burguesa, é um doente terminal. Breves vislumbres de crescimento – frequentemente saudadas como sinais de uma recuperação muito esperada – não são mais que os espasmos de um paciente moribundo. O principal temor da classe dominante agora, portanto, é que o capitalismo, longe de retornar à normalidade depois da crise de 2008, entrou em uma “nova normalidade”: uma época de “estagnação secular” e de “recessão permanente”, em que as taxas de crescimento dos anos anteriores nunca serão vistas novamente. Baixas taxas de crescimento, austeridade permanente e declínio dos níveis de vida: são estas as características definidoras do próximo período. No passado, os capitalistas esperavam que a economia mundial fosse impulsionada através das economias emergentes dos “BRICS” e de outros lugares, as quais – enquanto os países capitalistas avançados estagnavam e paralisavam – eram responsáveis pelo pouco crescimento global que existia. Mas agora também estão surgindo temores sobre a China, o anterior garoto-propaganda da economia capitalista. “Isto importa enormemente”, declara categoricamente The Telegraph. “Andrew Roberts de RBS diz que a China foi responsável por 85% de todo o crescimento global em 2012, e por 30% em 2014. Este indicador é provável que caia a 24% este ano. ‘Se há uma só estatística que o mundo necessita saber neste momento, é esta’, disse ele”. Portanto, da mesma forma que nos países capitalistas avançados, a China, na tentativa de impedir e evitar uma crise, apenas pavimentou o caminho para uma crise mais profunda no futuro. Os métodos Keynesianos de estímulo, alimentados pelo gasto e dívida públicos, criaram uma bolha de crédito que não pode mais ser controlada. Este é o resultado de qualquer tentativa de se resolver as contradições do capitalismo através de métodos burocráticos de cima para baixo: o investimento – ainda realizado dentro dos limites do capitalismo, da propriedade privada e da produção para o lucro – é canalizado para becos sem saída, o que leva ao aumento da dívida do governo local, a bolhas de preços dos ativos e a uma exacerbação do excesso de capacidade – isto é, superprodução – tanto em termos nacionais quanto internacionais. Mas, neste mundo altamente interconectado de capitalismo globalizado, o problema não termina aí. “Os efeitos estão sendo sentidos por toda a Ásia”, explica The Telegraph. “Rússia, Brasil, Argentina e Venezuela estão todos contraindo acentuadamente, vítimas da rebaixa dos produtos básicos impulsionada pela China. Para ampliar a metáfora do Titanic de King, afigura-se que, com todas as ferramentas tradicionais de política fiscal e monetária esgotadas, a burguesia navega em águas desconhecidas. O resultado é a crescente dependência em relação aos métodos não testados de Flexibilização Quantitativa (QE, em sua sigla em inglês), cujos impactos são desconhecidos para os próprios capitalistas que os implementam. O terrível fantasma da incerteza espreita a terra. Enquanto a QE manteve uma nova recessão encurralada nos EUA e no Reino Unido, só o fez exportando a crise, com dinheiro barato vazando para o exterior e inflando bolhas de ativos em outros lugares. O efeito doméstico, enquanto isto, foi o de enfraquecer as moedas daqueles que aprovaram programas de QE, ajudando a impulsionar as exportações. Essencialmente, se converteu em mais uma nova forma econômica de “empobrecer o vizinho”. A estabilização temporária para alguns apenas serviu para criar mais instabilidade para o sistema como um todo. Ao mesmo tempo, como um viciado em drogas cujos desejos crescem à cada dose aplicada, os capitalistas estão constatando que cada nova injeção de dinheiro QE ou estímulo do governo, alimentados pela dívida, tem menos efeito do que a última. A lei dos rendimentos decrescentes se impõe com a mesma força tanto dentro do capitalismo quanto dentro do corpo do viciado. Nas próprias palavras de The Telegraph: “a ‘doce corrida’ da Flexibilização Quantitativa pode desaparecer”. Ou, como o próprio Marx colocou em O Manifesto Comunista, a classe dominante sempre pode sair de uma crise, mas somente “pavimentando o caminho para crises ainda mais extensas e mais destrutivas, e reduzindo os meios para evitá-las”. A lista de opções disponíveis para a classe dominante está encolhendo rapidamente. Mas tempos desesperados requerem medidas desesperadas. Enquanto os motores da economia mundial vacilam e param, o que antes era impensável se torna pensável. Apesar das ocasionais bravatas e da arrogância demonstrada pelos representantes políticos da classe capitalista, os comentaristas burgueses mais sérios podem ver os riscos iminentes dentro da economia global. De fato, mesmo o normalmente arrogante David Cameron revelou uma disposição incomum de previsão no final do ano passado, falando sobre as “luzes de advertência piscando no painel de comando da economia global”. Na verdade, a faísca que acenderá as chamas da crise pode vir mais cedo do que o esperado, com a ameaça de contágio pairando sobre a Europa enquanto se desdobram os últimos desenvolvimentos da saga grega. Como The Economist procurou lembrar aos seus leitores esta semana: Contudo, a questão não é que os países capitalistas avançados estejam simplesmente mal preparados para a próxima recessão; na realidade, eles em nenhum momento se recuperaram da última. Os acadêmicos, comentaristas e representantes políticos burgueses, incapazes de explicar a verdadeira causa da última crise, são igualmente incapazes de resolver o problema que a economia mundial enfrenta. De fato, como pode um médico esperar curar um paciente quando nem mesmo é capaz de diagnosticar corretamente a enfermidade? Como os marxistas explicaram em outras ocasiões, a crise de 2008 não foi meramente produto de uma crise financeira ou bancária, e sim a expressão de uma crise orgânica do capitalismo – um ponto de inflexão qualitativo no sistema depois de décadas de contradições se acumulando umas sobre as outras. Em última instância, apesar de anos de esforço para resolver o problema, nenhuma dessas contradições fundamentais na economia mundial foi resolvida pela ação dos capitalistas. No fundo se encontra a enorme contradição da superprodução dentro da economia global, cujos sintomas podem ser vistos de forma crescente em todos os cantos: desde a vasta acumulação de dinheiro ocioso pelas grandes empresas em todo o mundo, aos extraordinários baixos níveis de utilização da capacidade nos países capitalistas avançados, e à acumulação da dívida pública e privada em todos os países. Sem um mapa e uma bússola, a classe dominante vem tropeçando empiricamente de uma etapa da crise à outra, apenas chutando constantemente a lata pela estrada e adiando o inevitável Dia do Julgamento Final. De fato, o atual impasse e ponto morto, entre a Grécia e a Troika – do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia – é um claro lembrete de que, apesar de tudo, nada foi resolvido; e, o que é mais importante, que nada será ou pode ser resolvido dentro das fronteiras do capitalismo. “Socialismo ou barbárie” – são estas as únicas opções que a sociedade enfrenta. Nunca antes o aforismo revolucionário de Rosa Luxemburgo foi mais correto.A China
Águas desconhecidas
Iceberg à frente