Seguimos aqui com a segunda parte de uma série de textos sobre as lições dos marxistas nas lutas de ocupação de fábricas.
Em 01 de novembro de 2002 os operários da CIPLA e INTERFIBRA inauguravam um momento da luta de classes no Brasil ocupando a CIPLA e a INTERFIBRA, em Joinville, sc. da salvação dos empregos em duas fábricas que estavam fechando, quebradas, ao estabelecimento do controle operário sobre a produção, a luta pela estatização até a intervenção federal em 31/05/2007, preparada “em segredo de justiça” e executada por mais de 150 homens da polícia federal armados até os dentes com fuzis, metralhadoras, bombas, carros de combate, etc., um largo aprendizado se desenvolveu, não só entre os operários envolvidos, mas entre aqueles militantes e ativistas marxistas que organizaram estas lutas. 35 fábricas chegaram a estar sob ocupação no Brasil entre 2002 e 2005.
Em todas estas ocupações, os militantes da esquerda marxista desempenharam um papel ativo tendo de fato um papel dirigente na quase totalidade dos casos. E isso foi possível porque se apoiava na análise concreta da crise econômica que varria o mundo e o Brasil assim como na compreensão de que a luta proletária que toma a forma de ocupação de fábricas, no regime capitalista onde a propriedade privada dos meios de produção é sagrada, é parte do processo da revolução e inseparável dele. Sem um avanço da revolução é impossível manter as ocupações como atividade revolucionária por muito tempo. Ou a burguesia esmaga violentamente os que “ousaram”, ou a ação de bloqueio dos aparelhos contrarrevolucionários e as pressões do mercado levam à acomodação, ao desânimo. Muitos ativistas se desmoralizam, outros se adaptam ao mercado (a lei do valor é implacável!) para “tocar a vida” sendo tragados pela administração da fábrica. Outros resistem e se desenvolvem sobre a base da experiência, da reflexão e da análise das perspectivas da economia, da política e do movimento operário, para poder continuar o único trabalho que realmente importa: a construção da organização marxista revolucionária internacional e suas seções nacionais.
Iniciamos aqui a publicação de uma série de textos sobre as lições tiradas pelos marxistas nestas lutas de ocupação de fábricas. Novos e velhos problemas aparecem e reaparecem, questões teóricas e políticas reaparecem e também necessitam de desenvolvimento.
Serge Goulart, o autor destes textos foi coordenador do conselho de fábrica da CIPLA e INTERFIBRA, depois coordenador do Movimento das Fábricas Ocupadas e Coordenador dos diversos Encontros Latino Americanos e Pan-Americanos realizados pelos movimentos de ocupação de fábricas no Brasil, Venezuela, Bolívia, argentina, Paraguai, Uruguai, e outros. Serge Goulart é dirigente da Esquerda Marxista e da Corrente Marxista Internacional (CMI) e membro da Direção Nacional do PT.
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Cada vez mais a luta vai se tornando uma luta política
Mas, nas duas fábricas todo mundo sabe que as batalhas decisivas ainda não foram travadas. Todo mundo tem consciência de que a batalha decisiva não será com a PM e nem com os Juízes. Será uma batalha política com o governo federal para que ele assuma as empresas e salve os 1000 postos de trabalho. E isto vai depender de muita, muita, mobilização. Uma vitória neste sentido ensinaria o caminho para toda a classe operária brasileira confrontada com a quebra e destruição do parque fabril em uma escala brutal. Além de colocar de forma prática o que os versos da Internacional cantam em todo o mundo “Pertence a terra aos produtores. Ó parasita deixa o mundo! O parasita que te nutres, Do nosso sangue a gotejar”.
Em 13 de dezembro, uma semana antes, um Ato Público em Defesa dos 1.000 Empregos haviareunido milhares de manifestantes na praça central de Joinville. Um Ato que teve a participação de representantes da Câmara de Vereadores, dos parlamentares do PT, sindicalistas, da Juventude Revolução e Associações de bairro. O Ato relançou a campanha de assinaturas na Carta ao Lula ao mesmo tempo em que aprovou o envio de um telegrama ao Lula pedindo que receba uma delegação dos trabalhadores para entregar a Carta e discutir a questão.
Em janeiro de 2003, começa a batalha pela audiência com Lula. Ela passa por uma audiência com o agora empossado governador Luís Henrique da Silveira, uma audiência com o prefeito de Joinville, etc.
Junto com isso outra tentativa será feita de realizar a unidade com os sindicatos ligados à CUT na cidade (Mecânicos, Metalúrgicos e Eletricitários, que são alguns dos principais). Estes sindicatos se recusam a participar de qualquer atividade, desde o início da greve. Alegam, falsa e absurdamente, que “não vão participar de nada junto com um sindicato complicado como este dos plásticos e que não é filiado à CUT". O que querem dizer com isso?
A diretoria dos plásticos era dirigida há tempos por uma gangue que desfiliou o sindicato da CUT e pilhou o sindicato. Acontece que esta gangue foi expulsa por uma articulação interna de outros diretores no fim de 2001. Estes diretores passarama dirigir o sindicato e desde a greve estão “apoiando”, pelo menos formalmente, o movimento na Cipla e Interfibra. Então os sindicalistas de Joinville ligados à Articulação Sindical não aceitam que algo esteja acontecendo no movimento sindical de Joinville fora de seu controle. Isto nunca aconteceu antes. Mas, tem a ver também como fato de que estes sindicalistas tem uma orientação política em que fazem acordos com os patrões para implementação de tudo o que a patronal exige em termos de flexibilização e demissão de operários. Assim, desapareceram do movimento dos trabalhadores da Cipla e Interfibra e estão profundamente incomodados com o que se passa. Em diversas ocasiões foram flagrados caluniando os dirigentes da Cipla e Interfibra e explicando que a reivindicação de estatização é “coisa de loucos e irresponsáveis”. Estes são os sindicatos que vão, em janeiro de 2004, apoiar a demissão de 1.190 metalúrgicos na empresa Buscar com a desculpa esfarrapada de assim “salvar os 2.000 que restam”. São eles os mesmos que, em maio de 2003, vão se retirar do Congresso Estadual da CUT SC porque não aceitam que o congresso tenha aprovado a luta contra a Reforma da Previdência e, em seu grupo, a Articulação Sindical, não tenham conseguido definir um metalúrgico como candidato a presidente da CUT SC (a Articulação Sindical é majoritária na CUT SC).
Mas, a batalha que os trabalhadores da Cipla e Interfibra levam pela unidade é tão evidente e sua luta tão justa que estes sindicalistas se isolam. A direção da CUT SC garante a unidade participando ativamente e impulsionando, politica e materialmente, as atividades da luta para salvar os 1.000 empregos.
ALGUNS DADOS PARA UM BALANÇO DE 18 MESES
Em 1/11/02 quando os trabalhadores assumiram o controle da Cipla ela estava em direção ao fechamento. Decorridos dezoito meses houve uma virada na situação dos trabalhadores, mesmo que isto de forma alguma afaste a ameaça de fechamento.
Após meses de trabalho para desvendar a real situação da empresa, com a tarefa dificultada permanentemente pelos ex-proprietários que evidentemente temiam o alcance de uma auditoria, em fevereiro de 2003, chega-se ao tamanho mais exato possível da dívida da empresa. São R$ 485.000.000,00 (485 milhões de reais), sendo que deste total 75% é com o governo federal, 12% com o governo estadual, cerca de 1% com o governo municipal, 7% com fornecedores, 5% com ações e débitos trabalhistas como salários, 13º salário, férias, etc. É um verdadeiro caos que atinge fortemente o próprio funcionamento da fábrica.
Mas, com a negociação feita com a saída da Volvo os trabalhadores retomam a produção da linha de material de consumo, cuja produção estava quase desativada e não passavam de R$ 50.000,00, em outubro de 2002. Em julho de 2003 ela responde já por cerca de 35% do faturamento global. Em fevereiro de 2004 este setor significa 50% do total do faturamento da Cipla.
A seguir vários quadros de importantes modificações da situação da Cipla desde que os trabalhadores assumiram o controle.
1. Faturamento da Cipla
- Novembro de 2002: R$ 981.000,00
- Julho de 2003: R$ 1.850.000,00
- Março de 2004: R$ 2.478.000,00
2. Salários em dia desde janeiro de 2003
Passados os primeiros 60 dias tenebrosos para recuperar e reorganizar toda a empresa, os trabalhadores passaram a receber o salário integral dentro do mês. Afastou-se assim o tempo em que se recebia R$30,00 por semana e os salários se acumulavam atrasados. Dívidas e prazos com fornecedores foram renegociados, prazos rediscutidos com os compradores e os agiotas afastados definitivamente.
3. Redução dos Acidentes de Trabalho. Uma grande vitória!
- Janeiro a Novembro de 2002: 69 acidentes (14 com abertura de CAT e 55 sem CAT).
- Janeiro a Dezembro de 2003: 33 acidentes (cinco com abertura de CAT e 28 acidentes sem CAT).
4. Redução de Jornada Sem Redução de Salários:40 Horas Semanais e Sábado Livre!
Esta foi uma decisão tomada na Assembleia Geral dos trabalhadores da Cipla no dia 9 de abril de 2003. Os trabalhadores tiveram redução da jornada de 44 para 40 horas semanais de trabalho, sem redução de salários. Para possibilitar isto uma reordenação do funcionamento da fábrica foi feita contando com a criatividade e o conhecimento de seu funcionamento que os trabalhadores detêm e é adormecido sob a bota do patrão como forma de resistência passiva. Só a reorganização dos três turnos da fábrica permitiu economizar o valor de R$ 1,2 milhão por ano comenergia elétrica.
5. Reajuste na DATA-BASE-Abril 2003
- Na Cipla e Interfibra, a partir de 1º de Abril de 2003, implementa-se uma reposição salarial de 18,5%, ou seja, 100% do INPC (inflação dos últimos 12 meses) no Acordo Coletivo de Trabalho.
- Enquanto isso o Sindicato fechava Acordo com as empresas de material plástico com apenas 17% de reajuste. E três meses depois este reajuste era confiscado nestas outras empresas com a assinatura pelo Sindicato de redução de até 20% dos salários com redução de jornada.
Aqui surge uma questão chave num momento de controle dos trabalhadores sobre uma empresa. A questão é que os trabalhadores controlam as finanças da fábrica e “não precisam” do sindicato para ter aumento salarial. A tendência natural, e é o que tem acontecido com a formação de cooperativas ou com a dita Auto-Gestão, é que os trabalhadores se desliguem ou não mais participem do seu sindicato. Enfim, surge com a violência da realidade a pergunta “Operário ou operário-patrão?”.
Neste momento a posição da Comissão de Transição foi inequívoca e aprovada pelas assembleias que discutiram a questão: Todos somos trabalhadores e pretendemos continuar sendo. Queremos carteira assinada, todos os direitos e salários dignos. Não pretendemos nos iludir com a falsa hipótese de que seremos todos patrões e ricos proprietários de uma grande empresa. A situação atual das empresas, a inexistência de crédito e de capital de giro, o mercado controlado pelas multinacionais e pelos bancos, a guerra comercial que se trava em todo o mundo, a crise econômica, impede qualquer trabalhador que tenha bom senso de entrar na via dos sonhos de riqueza individual transformando-se em um operário-patrão. Além de tudo a situação particular da Cipla e Interfibra coloca permanentemente o perigo de que muito rapidamente, de uma semana para outra, os seus trabalhadores possam estar nas filas de emprego em qualquer lugar de Joinville ou do Brasil. Estas são, aliás, as razões que levaram estes trabalhadores a decidir que sua luta era centrada e dirigida ao governo federal exigindo a estatização das empresas. O fato de serLula, do PT, que acabava de ser eleito, só amplificava esta orientação e dava um tremendo impulso no ânimo de luta dos trabalhadores. Afinal, ele fora eleito prometendo criar 10 milhões de novos empregos. Não podia começar perdendo mais 1.000. Para os operários trata-se, corretamente, de exigir do governo federal que cumpra com suas responsabilidades com os que o elegeram.
Nas assembleias os trabalhadores reafirmaram que são trabalhadores parte da categoria dos plásticos e parte da classe trabalhadora e por isso precisam hoje e sempre de um sindicato unido e independente defendendo as reivindicações e lutas. Decidiram, portanto, que participariam em massa das assembleias e atividades sindicais junto com todos os outros trabalhadores plásticos. E que, fundamental, só receberiam o índice de reajuste que toda a categoria definisse em assembleia no sindicato.
Esta foi uma decisão de princípio, fundamental, pois reafirmou a unidade de classe e uma das bases políticas principais que permite e justifica a luta pela estatização e não a criação de cooperativas ou de empresas de Auto-Gestão.
Em 2004, mais um passo a frente é dado. É repassado aos trabalhadores apenas aquilo que foi efetivamente conquistado durante a campanha salarial para toda a categoria dos trabalhadores plásticos. Assim, para os trabalhadores da Cipla e da Interfibra, não basta participar das assembleias e definir os índices de reivindicação de reajuste, mas é preciso participar de todas as atividades sindicais junto com o restante da categoria para arrancar um melhorreajuste. Evidentemente isto não foi uma discussão simples, pois muitos preferiam o caminho fácil de decidir o seu próprio reajuste ignorando as dificuldades e as dores dos seus irmãos de classe. Mas, cada questão nova é um novo aprendizado e um aprofundamento e solidificação da orientação fundamental: nem patrão, nem operário-patrão. Trabalhadores lutando pela estatização para salvar todos os 1.000 empregos com carteira assinada e todos os direitos.
6. Estagiários são todos efetivados com carteira assinada e com salários compatíveis com a função.
Eram cerca de 70 os jovens que trabalhavam como “Estagiários” na Cipla. Trabalhavam como profissionais, mas sem carteiraassinada, sem direito a férias, 13º salário, FGTS e qualquer outra garantia, a título de "estágio". Produtos diretos da desregulamentação da era FHC hoje são trabalhadores de pleno direito com salários compatíveis com a função.
8. Zeladoras conquistam piso salarial da categoria
O Sindicato assinou nos últimos anos, inclusive em 2003, um Acordo Coletivo que permite às empresas contratar o pessoal de limpeza e zeladoria por salários abaixo do piso da categoria dos plásticos. A Cipla e a Interfibra acabaram com isso e as trabalhadoras tiveram seus salários reclassificados conquistando o piso salarial dos trabalhadores das indústrias do material plástico.
8. Redução das peças refugadas na produção
- Até 1/11/02 o refugo chegava a 35% do total produzido e as peças defeituosas eram novamente moídas para utilização posterior.
- Em julho de 2003 o refugo já baixou para 9,8% do total produzido e a meta que se busca é de chegar a 4%. Isto significa uma enorme economia.
10. O 13º Salário
- Os trabalhadoresnão receberam o 13º de 2001 e nem o de 2002.
- Em 2003 os trabalhadores já começam a receber o 13º de 2003 a partir de início de setembro.
OBS.: Os dados da Interfibra são semelhantes aos da Cipla, só que seu faturamento é menor. Seu principal comprador é a Petrobrás com quem se consegue retomar os negócios depois de discussões com a direção da estatal e com sindicalistas petroleiros. As conquistas são as mesmas da Cipla.
VITÓRIAS ADMINISTRATIVAS E POLÍTICAS
Não é preciso dizer que o fantasma do desemprego continua a rondar os trabalhadores da CIPLA e da INTERIFBRA e agora da FLASKÔ. O fardo de uma dívida de R$ 700 milhões sobre as três empresas só faz agravar a situação. O que mantém estas empresas funcionando é a determinação destes trabalhadores de salvar seus postos de trabalho e assim ajudar a salvar Joinville e o Brasil da miséria e da crise. Esta luta se apoia na mobilização dos 1.070 trabalhadores assim como num impressionante sentimento de solidariedade de classe que recebido de todo o Brasil. É este sentimento que explica que as fábricas ocupadas tenham conseguido:
Diminuiu a parcela patronal no financiamento da previdência social, diretamente, via a diminuição da contribuição patronal para a folha
Aumentou o número – demasiadamente – da fraude tributária resultante da transformação de empregados em “terceirizados” via “cooperativas de trabalho”, empresas individuais ou de sociedade limitada de prestação de serviço e outros. Com binado com a “fusão” da secretaria da receita previdenciária com a secretaria da receita federal, isto levou a uma fraude difícil de ser estimada, haja visto a diminuição drástica da fiscalização previdenciária. Entretanto, somente o decaimento do prazo de prescrição dos débitos já fiscalizados e lançados de 10 anos para 5 anos com esta fusão, tem uma “anistia” estimada em 500 bilhões de reais!
70.000 assinaturas na Carta ao Lula pedindo a estatização das duas fábricas para salvar os 1.000 empregos.
R$ 85 mil reais em contribuições, rifas, doações, etc. para bancar de forma independente uma delegação de 350 trabalhadores para ir à uma AUDIÊNCIA com Lula em Brasília, em 11/06/03.
Ser recebidos e tomar a palavra nos Congressos Estaduais da CUT de Santa Catarina, do Paraná e de Minas Gerais. E, finalmente, falar para os 3.000 delegados do 8º Congresso Nacional da CUT, em São Paulo.
Visitar a Ford, em SBC, e após discussão com a Comissão de Fábrica receber deles uma carta dirigida a Lula apoiando a luta dos trabalhadores das fábricas ocupadas.
Cartas de apoio do prefeito de Joinville dirigida a Lula.
Apoio do Governo do Estado e da Assembleia Legislativa.
E, mais importante, ser recebidos em audiência com o Presidente da República, em 11 de junho de 2003, no Palácio da Alvorada (neste momento o Palácio do Planalto estava cercado por mais de 40 mil servidores federais em greve contra a Reforma da Previdência). Nesta audiência, Lula constituiu um Grupo de Trabalho, com cinco Ministérios (Desenvolvimento e Indústria, Fazenda, Trabalho, Previdência e BNDS), declarando seu desacordo com a estatização, mas comprometendo-se a encontrar uma solução para salvar os 1.000 empregos.
De conjunto, esta é uma situação que nenhuma outra empresa em vias de quebrar pode apresentar. A Cipla e aInterfibra viraram uma questão nacional. Ela não pode mais ser simplesmente liquidada e desaparecer sem barulho. Os trabalhadores determinados a defender seus empregos e com uma orientação justa fizeram a diferença.
A tendência à generalização das ocupações
Há imensas possibilidades à frente, mas também tudo pode acabar abruptamente. Enfim, esta luta faz parte do processo tumultuoso que vivemos de destruição do parque fabril brasileiro. Situação que a Argentina já vive há algum tempo com centenas de empresas abandonadas por seus proprietários e no qual o Brasilagora ingressa plenamente. E que deve se aprofundar nos próximos meses e anos se continuam a vigorar os Acordos com o FMI e a implantação da ALCA. A Cipla e a Interfibra, em especial, não teriam a menor condição de sobrevivência com a entrada em vigor da ALCA frente às atuais concorrentes norte-americanas, gigantes mundiais em setores chaves da produção das duas empresas, mas que ainda enfrentam a barreira da aduana brasileira. Graves questões se colocam para os trabalhadores no próximo período. Ainda mais com a política de submissão ao FMI aplicada por Lula. A questão do emprego vai tomar um lugar imenso, sendo que já é a principal preocupação dos trabalhadores. E com o aumento da quebra, abandono, insolvência de fábricas, as questões hoje colocadas para a Cipla vão se generalizar.
Em 12 de junho, voltando da audiência com Lula, em Brasília, os 350 trabalhadores de Joinville desviam um pouco sua rota e ajudam os 70 trabalhadores da Flaskô, também empresa de plástico do Grupo HB, localizada em Sumaré, SP, a tomar o controle administrativo e financeiro desta empresa. Com a ocupação da Flaskô a luta passa a ser, então, pela salvação de 1070 empregos.
Em dezembro de 2003 os 70 operários da indústria de sabão JB Costa, de Recife, Pernambuco, e os 143 operários da Flakepet, de Itapevi, São Paulo, tomando conhecimento da ocupação da Cipla, Interfibra e Flaskô, entram em greve e ocupam as duas fábricas integrando a Coordenação. Ainda em Recife os metalúrgicos da Esquadrimetal tentam tomar a fábrica fechada e coloca-la em funcionamento com a ajuda dos trabalhadores da JB Costa, do Sindicato dos Químicos de Recife e do Sinpro de Pernambuco, mas o Sindicato dos Metalúrgicos, orientado para cooperativas, desmonta a luta e os trabalhadores tem que buscar na justiça o que puderem receber dos direitos trabalhistas.
Em março de 2004, a fábrica de cozinhas Oly entra em greve, emHortolândia, São Paulo. Incentivados pelos sindicalistas que conheciam a ocupação da Cipla, Interfibra e Flaskô, os trabalhadores ocupam a fábrica e procuram o Conselho de fábrica da Flaskô que os integra na Coordenação das Fábricas Ocupadas.
Já em fim de março de 2004 é a vez de entrar neste movimento a fábrica de botões Diamantina, de Curitiba, no Paraná. Entram em greve e ocupam a fábrica as 14:00 horas. Às 16:00 horas a Cipla recebe o comunicado emitido pela da CUT do PR pedindo ajuda e se coloca a disposição para ajudar.
Na J B Costa e na Flakepet os patrões conseguem ordens judiciais de reintegração de posse e desalojam os trabalhadores com força policial. Na Flakepet uma verdadeira operação de guerra é armada com centenas de PMs armados até os dentes. Na Diamantina, no Paraná, a reintegração de posse não pode ser cumprida porque sob pressão dos trabalhadores, do sindicato e da CUT, o governador Roberto Requião, do PMDB,recusa disponilizar soldados alegando falta de efetivos para combater os criminosos. Ele já havia feito isso com uma ocupação de terra do MST.
Hoje as empresas ocupadas são dirigidas por Conselhos de Fábrica e se articulam na Coordenação dos Conselhos das Fábricas Ocupadas e em Luta, constituído em 16 de fevereiro de 2004 em reunião na sede nacional da CUT, em SP. A Flakepet mantem seu Conselho eleito que coordena a luta pela reconquista dos postos de trabalho e mantem uma vigília na frente da fábrica para impedir que desapareçam as máquinas. O mesmo faz a J B Costa, em Recife. Enquanto isso, em ambos os casos, se amplia o trabalho dirigido ao governo federal e a pressão sobre os patrões para que se chegue a uma solução favorável aos trabalhadores salvando os empregos.
A primeira batalha pela estatização de uma fábrica quebrada
Uma experiência com a política da dita “Economia Solidária” e com a orientação de luta pela estatização, foi realizada, em 1997, pelo Sindicato dos Vidreiros de São Paulo com a Firenze, fábrica de vidro manual. O sindicato adotou uma posição justa de se recusar a apoiar e participar da formação de uma Cooperativa, mas não conseguiu impedir a formação pelos trabalhadores de uma Cooperativa, impulsionada e sustentada pela ANTEAG – Associação Nacional de Empresas de Auto Gestão.
O Sindicato manteve uma posição de não se envolver na destruição de sua própria classe organizando uma cooperativa, mas ela acaba sendo constituída pela Anteag junto com uma parte dos operários. Isto foi o resultado da fragilidade política do sindicato que não elaborou uma orientação política que permitisse a continuidade do combate para salvar todos os empregos, a orientação da luta pela estatização. Mesmo se esta orientação foi levantada por alguns militantes ela não conseguiu se transformar em força material movendo e organizando o sindicato e os trabalhadores neste sentido. O resultado foi ademissão de cerca dois terços dos trabalhadores vidreiros da Firenze e a transformação dos restantes em trabalhadores desregulamentados ou operários-patrões.
Apesar das dificuldades e da situação política que se vivia na época, foi justo levantar a luta pela estatização. Mas, esta perspectiva, que sob pressão foi sendo abandonada pelo caminho, numa situação política ainda não madura, colocou a luta num ponto morto até que a iniciativa passou para as mãos dos cooperativistas da ANTEAG. Evidente que a situação política era outra, pois com a eleição de Lula se abre uma situação revolucionária no país, que vai ser a base da ocupação e sobrevivência da Cipla e das outras fábricas ocupadas por mais de um ano. O Sindicato dos Vidreiros foi preservado, não tendose integrado à destruição da classe operária. Mas aquela luta não foi transformada em um ponto de apoio para o combate geral da classe trabalhadora em sua luta contra o governo e o capital.
Hoje, com o PT tendo sido levado pelas massas trabalhadoras ao governo federal, é obrigatório combater pelos postos de trabalho da Cipla, Interfibra e Flaskô, e outras,com o apoio da experiência da Firenze, de 1997, e levar em conta todas as suas consequências. O aceleramento da situação exige, entretanto, uma clarificação sobre as várias propostas de “saída”para a situação de quebra e tomada destas empresas.
FIM da 2ª Parte