A Corrente Marxista Internacional (CMI) esteve comemorando no ano passado o centenário de fundação, de março de 1919, da Terceira Internacional (Comunista). Em particular, celebramos o compromisso e as extraordinárias lições de seus primeiros quatro congressos. Mas, apenas alguns anos depois de entrar no cenário da história, a Comintern¹ sofreu um declínio repentino, dramático e irreversível. O que aconteceu? Como todo aquele potencial foi desperdiçado e se transformou em seu oposto?
[Source]
A Comintern surgiu das cinzas da Segunda Internacional (Socialista), forjada no fogo da Revolução Russa. Dentro de um ano de sua fundação, era a mais poderosa organização internacional proletária já criada. Os capitalistas de todo o globo foram notificados e tremeram ante a perspectiva de uma revolução comunista mundial.
Como em todos os principais processos sociais, a ascensão e a queda da Terceira Internacional só podem ser entendidas como parte de um processo, de um confronto entre forças vivas – e o resultado não foi de todo predeterminado. A degeneração nacionalista, burocrática, que ocorreu na URSS depois da morte de Lenin se refletiu na Comintern – e esses processos se retroalimentaram entre si.
Não se tratava apenas de más ideias, decisões ou líderes, mas de um colossal antagonismo de forças de classe colidindo em escalas nacional e mundial. Apesar dos esforços heroicos de Trotsky e da Oposição de Esquerda para organizar a reação política à degeneração da Revolução Russa e sua expressão internacional, mesmo a enorme autoridade de Trotsky não conseguiu conter a maré baixa da história.
Então, o que aconteceu entre o Quarto Congresso, realizado no final de 1922, e a dissolução final da Comintern em maio de 1943?
O que é o zinovievismo?
Depois de realizar congressos anuais em meio a uma guerra civil brutal e cerco imperialista, apenas mais três congressos foram realizados nos vinte anos posteriores: o Quinto, em 1924; o Sexto, em 1928; e o Sétimo, em 1935. Isso, por si só, fala muito sobre as mudanças que ocorreram. Esse é um período longo e trágico que inclui as revoluções derrotadas alemã, chinesa e espanhola, a ascensão de Hitler, a eclosão da 2ª Guerra Mundial, o assassinato de Trotsky e muito mais.
Embora devamos sempre adaptar nossas táticas às condições concretas, não há necessidade de se reinventar a roda. A maior parte das respostas às questões que confrontamos hoje pode ser encontrada na experiência do passado – tanto a positiva quanto a negativa. De fato, frequentemente não há melhor maneira de se aprender do que através dos erros dos outros. “Como não construir uma internacional revolucionária saudável” pode ser, portanto, o título mais adequado para este artigo.
Uma boa quantidade de antecedentes, de contextos e história será necessária se quisermos entender o declínio e colapso da Comintern, um processo que começou sob Zinoviev e foi completado por Stalin. O papel de Zinoviev em lançar as bases para o estrangulamento stalinista da Comintern é uma das peças essenciais desse quebra-cabeças. A compreensão da essência do zinovievismo é, portanto, crucial se quisermos maximizar as lições que podemos aprender a partir dessa experiência.
Em primeiro lugar, devemos entender que o zinovievismo não é um insulto vazio, mas descreve um método particular – um método muito ruim.
O zinovievismo é quando você procura atalhos artificiais para resolver problemas políticos e organizacionais, adotando medidas administrativas em vez de explicar pacientemente. É quando você usa ameaças, intimidação, suspensões e expulsões para impor obediência política cega e subserviência. É quando o prestígio pessoal e a lealdade a um indivíduo ou a uma camarilha tomam precedência sobre os princípios políticos e organizacionais. É quando você emite comandos a partir de cima “em nome” deste ou daquele órgão – como se isso lhe desse autoridade automática.
Em resumo, zinovievismo é quando você trata as diferenças políticas recorrendo a métodos organizacionais. Como tal, é diametralmente oposto ao bolchevismo genuíno – exatamente o oposto de como Lenin e Trotsky construíram a Comintern em primeiro lugar.
E embora Stalin tenha utilizado e aperfeiçoado os métodos zinovievistas, nós geralmente reservamos o termo “stalinismo” para descrever o fenômeno mais amplo dos Estados degenerados ou deformados dos trabalhadores, embora, em alguns casos, seja inteiramente correto também se referir aos métodos organizacionais “stalinistas”.
Os primeiros anos da Comintern
A Comintern foi formada por forças extremamente cruas e politicamente imaturas, cuja maioria veio de antigas organizações reformistas e anarquistas. A maioria delas tinha tendências sectárias, de extrema-esquerda, e não entendia o marxismo ou as táticas e estratégias da luta de classes.
Esses indivíduos refletiam um estágio anterior e obsoleto do desenvolvimento político e organizacional da classe trabalhadora. Operavam amplamente no domínio do pragmatismo cru e das abstrações gerais e não tinham ideia de como aplicar a dialética aos acontecimentos tumultuosos e contraditórios do período pós-Primeira Guerra Mundial. Eram enérgicos e bem intencionados, mas simplesmente não estavam à altura da tarefa – e lhes foi negado o luxo do tempo para aprender com seus erros e se desenvolverem.
Para dizer a verdade, quando a Comintern foi fundada, não havia bolcheviques reais fora da Rússia e da Bulgária. Mas Lenin e Trotsky tiveram que trabalhar com o que tinham. Eles fizeram um esforço para ganhar os melhores indivíduos e grupos de todo o mundo para o marxismo e bolchevismo revolucionário. Mesmo na Rússia, embora houvesse muitos quadros revolucionários dedicados, havia poucos marxistas genuínos, pessoas com uma compreensão profunda da teoria. A rigor, embora indivíduos como Bukharin fossem algumas vezes incluídos na lista restrita, apenas Lenin e Trotsky realmente se qualificavam como teóricos.
Acima de tudo, Lenin e Trotsky tiveram que combater a “doença infantil” do ultra-esquerdismo. No entanto, eles se engajaram nesse combate com argumentos políticos, com resoluções, “explicando pacientemente” com o objetivo de educar e elevar o nível dos camaradas. O método era usar os erros do ultra-esquerdismo para ajudar no aprendizado das pessoas. Eles ofereceram críticas afiadas, mas construtivas, críticas camaradas, em vez de insultos, humilhações e ordens do alto.
A única autoridade que uma liderança política pode ter é a autoridade moral e política. Esta não pode ser imposta artificialmente ou burocraticamente a partir de cima. Deve ser ganha com o tempo e continuamente recuperada. Um genuíno líder revolucionário não exige e não pode exigir autoridade baseada em posições ou títulos como “liberado”, “camarada dirigente”, “membro do Comitê Central” ou “membro do Comitê Executivo Internacional (IEC, na sigla em inglês)” ou do “Secretariado Internacional” (IS, na sigla em inglês)”. Os camaradas devem ser inspirados politicamente para fazer sacrifícios e para tomar decisões democráticas coletivamente – mesmo se estiverem do lado perdedor de uma votação.
No entanto, manter uma discussão adequada e ter a oportunidade de convencer politicamente a um oponente levam tempo. Se a liderança tem um baixo nível político ou uma baixa autoridade, ou se perde a paciência, pode procurar atalhos e recorrer a medidas organizacionais em vez de argumentos políticos. Esta é uma ladeira escorregadia para o desastre. Lenin advertiu uma vez a Zinoviev e Bukharin: “Se vocês querem obediência, encontrarão tolos obedientes”. E os maiores tolos são aqueles que pensam que podem construir algo saudável e duradouro com base nesses métodos.
Outra lição vital da experiência da Comintern é que, quando irrompe uma situação revolucionária, é tarde demais para se construir uma liderança revolucionária. O “segredo” do êxito da Revolução de Outubro não foi somente a existência de uma liderança revolucionária à altura da tarefa de conquistar e manter o poder, mas também por ela ter sido construída antes do início da revolução.
Existem muitos exemplos de zinovievismo na história de nosso movimento. Stalin é o exemplo clássico, naturalmente, embora ele tenha operado em um nível extremo em que ele realmente detinha o poder do Estado e os opositores não eram apenas intimidados ou removidos de suas posições burocraticamente – mas fisicamente exterminados.
Há também aqueles como James P. Cannon do Socialist Workers Party (SWP) dos EUA, que utilizou de forma infame esses métodos contra Ted Grant e os camaradas da Workers’ International League (WIL) durante o episódio da chamada “Conferência de Unidade” na Grã-Bretanha em 1938, nas vésperas da fundação da Quarta Internacional. E, nos tempos mais modernos, vimos pessoas como Gerry Healy e Peter Taaffe usar esses métodos – com o naufrágio de suas organizações como resultado inevitável.
Quem foi Grigori Zinoviev?
Grigori Zinoviev, nascido Hirsch Apfelbaum, em 23 de setembro de 1883, era filho de agricultores judeus no que hoje é a Ucrânia. Ele tinha a mesma idade de Kamenev; quatro anos mais novo do que Trotsky; cinco anos mais novo do que Stalin; e 13 anos mais novo do que Lenin.
Ele se juntou ao Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR) em 1901 com a idade de 18 anos e esteve com os bolcheviques desde a cisão com os mencheviques em 1903. Foi eleito para o Comitê Central do POSDR em 1907, com a idade de 24 anos. Passou os primeiros anos da Primeira Guerra Mundial no exílio na Suíça e retornou com Lenin para a Rússia no famoso trem blindado.
Zinoviev foi o “discípulo mais próximo” de Lenin na década anterior a 1917, um membro do Comitê Central no exterior, ao qual Trotsky se referia como o “centro espiritual” do partido. O próprio Lenin creditou Zinoviev como coautor de seu panfleto “Socialismo e Guerra”, escrito no Verão de 1915, uma exposição clássica da posição Bolchevique sobre a Primeira Guerra Mundial. Zinoviev também escreveu uma série de artigos sobre a história da guerra e da luta de classes, publicados em uma coleção de escritos com Lenin em 1916. Lenin frequentemente colaborou com outras pessoas para ajudá-las a se desenvolver – embora as principais ideias viessem dele. Esse também foi o caso com o pequeno livro de Stalin sobre a Questão Nacional.
Lenin claramente via Zinoviev como um camarada jovem promissor. Como lugar-tenente de Lenin, ele desempenhou um importante papel na organização da Conferência de Zimmerwald, o que o colocou em contato com muitos da esquerda antiguerra de todo o mundo. Isso o posicionou para desempenhar um importante papel de liderança na Comintern como o principal organizador dos primeiros congressos. Ele redigiu muitos dos documentos da Comintern e até fez o discurso de abertura do Segundo Congresso.
Ele era, segundo todos os relatos, um maravilhoso orador no campo da agitação. Trotsky o considerava “um orador de força extraordinária”. Como ele próprio coloca: “Sua voz de tenor alto te surpreenderia a princípio, mas depois te seduziria com sua música única. Zinoviev era um agitador nato. Ele sabia como se contagiar com o humor das massas, excitar-se com suas emoções e encontrar para seus pensamentos e sentimentos uma expressão um tanto tediosa, talvez, mas muito emocionante”.
No entanto, Trotsky também apontou que o caráter de Zinoviev era fraco – algo evidente, de forma repetida, em muitas de suas ideias, decisões e ações. Sua tendência a vacilar e recuar nas manobras organizacionais pode ser atribuída à necessidade de compensar sua principal fraqueza – uma compreensão política incompleta e desequilibrada do marxismo, junto a uma profunda falta de confiança na classe trabalhadora.
Talvez o fato mais infame seja que Zinoviev e Kamenev votaram contra a insurreição de Outubro de 1917, perderam o voto e depois publicaram um artigo contra ela na imprensa burguesa. Lenin queria expulsá-los do partido por essa séria quebra da disciplina – não por discordar politicamente, mas porque eles literalmente puseram as vidas de seus camaradas e o destino da revolução em risco por sua deslealdade organizacional e política. No entanto, os acontecimentos estavam se movendo com tanta rapidez que esse incidente foi logo enterrado na agitação generalizada daqueles dias.
Então, apenas dias depois da tomada vitoriosa do poder, Zinoviev e Kamenev mais uma vez mostraram seu verdadeiro caráter. Sob pressão dos sindicatos ferroviários de direita e dos partidos pequeno-burgueses, Zinoviev estava entre aqueles que concordaram que seria melhor remover Lenin e Trotsky do governo para formar uma coalizão conciliadora com os mencheviques e Socialistas Revolucionários (SR) – partidos que eram “socialistas” no nome, mas oponentes de vida e morte da revolução socialista, na prática. Novamente, ao extremo de perder uma votação crucial, Zinoviev e Kamenev renunciaram ao Comitê Central. Dessa vez, Lenin chamou-os de “desertores” por se aliarem aos pequeno-burgueses e, em última análise, aos inimigos burgueses da revolução.
Mas Lenin sempre tentou tirar o melhor de todos e sabia que Zinoviev tinha alguns talentos. Apesar de suas falhas e indecisões, ele ainda era um bolchevique experimentado e estes últimos eram poucos. Como resultado, Zinoviev foi readmitido no partido e reeleito ao Comitê Central no Sétimo Congresso do Partido, em março de 1918, e encarregado do trabalho em Petrogrado. Ele também era um dos sete membros originais do Politburo. E, nos Congressos do Partido de 1923 e 1924, ele apresentou os informes do CC, discursos normalmente proferidos por Lenin, que estava gravemente doente naquele tempo.
Armado com as ideias de Lenin, Zinoviev era um orador e defensor incomparável do bolchevismo. Como exemplo, ele foi magistral em seu debate em Halle, na Alemanha, contra o menchevique Martov, onde argumentou que o USPD se filiaria ao KPD e à Terceira Internacional. Depois disso, Zinoviev se tornou conhecido como “o homem de Halle” – e, segundo alguns relatos, ganhou ainda mais influência do que Lenin ou Trotsky entre os trabalhadores alemães.
Como Trotsky explicou: “Em comícios do partido ele era capaz de conquistar, convencer, enfeitiçar, sempre que vinha com a ideia política preparada… Armado com uma fórmula estratégica preparada contendo a essência de uma questão, Zinoviev habilmente e de forma astuta a complementava com exclamações frescas, protestos, demandas, recém recolhidas por ele na rua, na fábrica ou no quartel. Nesses momentos, ele era um mecanismo ideal de transmissão entre Lenin e as massas – algumas vezes, entre as massas e Lenin”.
No entanto, como já vimos, Zinoviev estava profundamente comprometido, mas perdia a coragem sob a pressão de grandes acontecimentos. Anos mais tarde, quando ofereceu breves esboços dos principais bolcheviques em seu Testamento, Lenin sublinhou o “incidente de Outubro”, descrito acima, e anotou que a conduta de Zinoviev e Kamenev não era “acidental”.
Como outro exemplo, durante a defesa de Petrogrado contra o general Branco Yudenich em 1918, Zinoviev mais uma vez veio abaixo sob a pressão. Como Trotsky explicou em Minha Vida: “Em Petrogrado, encontrei os líderes em estado de extrema desmoralização. Tudo estava resvalando. As tropas estavam recuando e se dividindo em unidades separadas. Os oficiais de comando olhavam para os comunistas, os comunistas para Zinoviev, e Zinoviev era o próprio centro da confusão total. Sverdlov me disse: ‘Zinoviev é o próprio pânico’. E Sverdlov conhecia os homens. Em períodos favoráveis, quando, na frase de Lenin, ‘não havia nada a temer’, Zinoviev se alçava facilmente ao sétimo céu. Mas, quando as coisas iam mal, ele normalmente se estirava em um sofá – literalmente, não metaforicamente – e suspirava. Desde 1917, tive muitas oportunidades de me convencer que Zinoviev não tinha humor intermediário: era o sétimo céu ou o sofá. Dessa vez, encontrei-o no sofá”.
E, é claro, os vacilos e indecisão de Zinoviev durante as semanas críticas da Revolução Alemã de 1923 foram outro trágico ponto de inflexão na história que destaca – no sentido negativo – o papel do indivíduo na história.
Todas essas eram verdades incômodas que Trotsky lembrou a todos em sua obra de 1924, Lições de Outubro, na qual ele procurava corrigir o perigoso curso da União Soviética e da Comintern. Como era de esperar, isso o converteu em inimigo mortal de Zinoviev.
Também sem surpresa, Trotsky não sentia senão desprezo pelas vacilações, soberba e falta de convicção decisiva de Zinoviev. A chave é esta: Zinoviev não era um teórico – mas se considerava como tal e era considerado assim por muitos outros. Um nível político fundamentalmente baixo combinado à ambição, ciúme e excelentes habilidades oratórias é uma combinação perigosa – e algo que Trotsky não podia tolerar.
Como ele explicou: “Sendo meramente um agitador, e nem um teórico nem um estrategista revolucionário, Zinoviev, quando não era restringido pela disciplina externa, facilmente deslizava no caminho da demagogia… Ou seja, ele mostrava uma tendência a sacrificar interesses duradouros ao êxito do momento”.
Os mencheviques chamavam ironicamente Zinoviev de “sombra de Lenin”. Victor Serge apontou Zinoviev como “o maior erro de Lenin”. Antes de qualquer coisa, isso reflete a desmoralização pequeno-burguesa de Serge quando escreveu essas linhas. No entanto, há um elemento de verdade nisso. Como colocou o próprio Lenin, “ele [Zinoviev] reproduz meus defeitos”.
Mas, para grande crédito de Lenin, ele sempre tentou tirar o melhor de todos, sempre procurou encontrar o melhor “cavalo para o percurso”. Ele era paciente, mas firme e era propenso a dar às pessoas uma segunda ou até mesmo terceira chance. Em nove de cada dez vezes, isso dava resultados positivos. Alguém disse uma vez: “Se você quer saber como é um homem, dê uma boa olhada em como ele trata aos seus subordinados – não aos seus iguais”. A diferença entre como Lenin tratava seus “subordinados” e a forma como Zinoviev, Stalin ou Taaffe tratavam as pessoas é altamente instrutiva.
Não há dúvida que Zinoviev era altamente inteligente, dedicado à revolução mundial e muito trabalhador – mas isso não é suficiente. É o método de Lenin que devemos aprender, e Zinoviev nunca o aprendeu, apesar dos longos anos trabalhando lado a lado com ele. Acima de tudo, ele nunca entendeu a dialética, o que explica seus constantes zig-zags e cambalhotas de 180 graus.
No entanto, deixado por conta própria, sem a orientação política de Lenin, a debilidade de Zinoviev rapidamente ficava exposta em tudo o que estivesse fora de seu alcance. Para compensar isso, ele recorria a bravatas, intimidações e autoritarismo. Foi exatamente isso o que aconteceu a James Cannon depois da morte de Trotsky, e a Peter Taaffe antes mesmo de expulsar Ted Grant e Alan Woods da CWI.
Cannon e Taaffe também eram agitadores e defensores efetivos das ideias produzidas por outros – mas não eram teóricos ou estrategistas revolucionários – apesar de terem grandes ilusões de que eram. Isso inflou seus egos e os colocou na defensiva, ciumentos e rancorosos quando se tratava de outros que tinham uma compreensão superior da teoria, estratégia e táticas revolucionárias – embora Cannon tenha descido tão fundo na fossa do despeito e da desonestidade como Taaffe.
Zinoviev e a invenção do “trotskismo”
As condições extremamente difíceis que o jovem Estado soviético e a Comintern tiveram que enfrentar já foram detalhadas em outro lugar, por exemplo, na obra-prima de Trotsky, A Revolução Traída. A revolução mundial não se espalhou e o isolamento e atraso da jovem república soviética levaram à cristalização da contrarrevolucionária burocracia stalinista. Em última análise, as condições determinam a consciência e, na altura da morte de Lenin, o Partido Russo e, por extensão, a Comintern não eram mais o que eram antes.
Com ciúmes de Trotsky e vendo-o como o principal obstáculo para se tornar o herdeiro de Lenin, Zinoviev formou uma aliança, conhecida como a Primeira Troika, com Kamenev e Stalin. Na preparação da luta, Zinoviev construiu uma base de apoio em Petrogrado (então, renomeada para Leningrado) e na Comintern.
Embora provavelmente ficasse horrorizado se tivesse percebido na época, Zinoviev estava refletindo objetivamente as pressões da pequena burguesia – e, através dela, da grande burguesia e do imperialismo. Era uma luta até a morte, enquanto as forças da revolução e da contrarrevolução combatiam pelo futuro do Estado soviético e da Comintern.
Foi nesse contexto que Zinoviev inventou o termo “trotskismo”, contrapondo-o ao “leninismo”. No 13o Congresso do Partido, em maio de 1924, apenas alguns meses depois da morte de Lenin, Zinoviev denunciou o “trotskismo”. Ele caluniou e mentiu sobre Trotsky e seu papel na revolução e na Guerra Civil e exigiu que fosse expulso do partido. No entanto, como muitas pessoas ainda se lembravam da verdade sobre o papel de Trotsky na revolução, isso não foi tão fácil.
Zinoviev também ajudou a criar o infame “culto a Lenin”. Ele falou demagogicamente no funeral de Lenin e, contra os desejos de Nadezhda Krupskaya, aprovou o embalsamamento de seu corpo e sua exposição pública. Quanto a Trotsky, este não foi capaz de comparecer ao funeral porque estava longe, no Cáucaso, recuperando-se de uma enfermidade quando Lenin faleceu – e Stalin mentiu para ele sobre a data. Naturalmente, seu não-comparecimento foi utilizado para pintá-lo como inimigo de Lenin e da revolução.
A morte de Lenin ajudou a inclinar o equilíbrio de forças em favor da contrarrevolução burocrática. Por razões faccionais, Zinoviev apoiou a “teoria” reacionária e antimarxista do socialismo em um só país – embora seguramente a conhecesse melhor. Em resumo, a tentativa mesquinha e rancorosa de Zinoviev de promover seu próprio prestígio e eliminar Trotsky como rival ajudou a abrir as comportas para a ascensão do stalinismo e, finalmente, da restauração capitalista.
Seu “método” de debate incluía o uso de citações seletivas, combinações, amálgamas, argumentos rudes e mentiras diretas. O próprio Zinoviev admitiu isso quando ele e Kamenev oscilaram mais uma vez e se juntaram a Trotsky para formar a Oposição de Esquerda Unida contra Stalin em 1926: “O truque era juntar velhas divergências [entre Trotsky e Lenin] aos novos assuntos”. Os stalinistas, sectários e inimigos burgueses do Bolchevismo mais tarde aperfeiçoaram esses métodos, totalmente estranhos às tradições de Marx, Engels, Lenin e Trotsky.
A queda de Zinoviev e a ascensão de Stalin
Enquanto Zinoviev era incorrigivelmente indeciso, Stalin, segundo Trotsky, era “dotado do senso de praticidade, de uma vontade forte e de persistência na realização de seus objetivos. Seu horizonte político é limitado, seu equipamento teórico primitivo… Sua mente é teimosamente empírica e desprovida de imaginação criativa. Para o principal grupo do partido (nos círculos mais amplos, ele não era conhecido), ele sempre pareceu um homem destinado a tocar o segundo ou o terceiro violino”.
No entanto, Stalin personificava a burocracia contrarrevolucionária Termidoriana de uma forma que Zinoviev nunca pôde fazer. Como Trotsky explicou: “Em Stalin cada [burocrata soviético] se vê facilmente. Mas Stalin também vê em cada um deles uma pequena parte de seu próprio espírito. Stalin é a personificação da burocracia. Essa é a substância de sua personalidade política“.
No 14o Congresso do Partido, Zinoviev e Kamenev foram superados pela crueldade obstinada de seu antigo aliado. Zinoviev foi removido do Politburo em julho de 1926. Ele agora só tinha uma base no partido de Leningrado e na Comintern, e logo, mesmo isso foi puxado de debaixo de seus pés por Stalin. O cargo de Presidente da Comintern foi completamente abolido e Zinoviev foi demitido de todos os seus cargos regionais.
No décimo aniversário de Outubro, em novembro de 1927, a Oposição de Esquerda organizou manifestações contra a burocracia, que foram desmanteladas pela força. Em 12 de novembro, Trotsky, Zinoviev e muitos outros foram expulsos do Partido Comunista (PC). Muitos, incluindo Trotsky, foram enviados ao exílio interno em locais como o Cazaquistão e a Sibéria.
Embora Zinoviev empalidecesse quando comparado a Trotsky, ele positivamente brilhava quando comparado a Stalin. Ao disputar o poder contra Stalin – alguém que nunca perdoava ou esquecia – ele selou o seu destino. Além do mais, Zinoviev conhecia os métodos de Stalin de perto devido aos seu trabalho conjunto na primeira Troika. Stalin não podia permitir isso e se dispôs a demonizá-lo e desacreditá-lo.
Usou os métodos de Zinoviev contra ele, combinando-os com a crueldade impiedosa e calculadora do Cáucaso. No final, Zinoviev foi um “idiota útil” para o sociopata Stalin já que reuniu meticulosamente as rédeas do poder por trás do cenário, agindo em publico como moderado, equilibrando-se com habilidade entre todas as facções, camadas e classes.
Somente Trotsky permaneceu firme com suas ideias e ações. Fiéis ao seu caráter fraco e vacilante, Zinoviev e Kamenev capitularam e correram de volta aos braços amorosos de Stalin. Foram novamente aceitos no partido e receberam posições intermediárias – mas nunca mais voltaram ao CC. Vegetaram nas margens até outubro de 1932, quando foram expulsos mais uma vez do partido por não denunciarem ativamente os opositores. Foram readmitidos mais uma vez em dezembro de 1933, totalmente humilhados, pronunciando discursos autoflagelantes enquanto Stalin se deliciava com suas quedas e desgraças.
Em dezembro de 1934, Zinoviev foi expulso pela última vez e preso. Foi julgado em 1935 e considerado culpado de “cumplicidade moral” no assassinato de Sergei Kirov – uma conspiração stalinista. Foi sentenciado a 10 anos de prisão.
Então, em agosto de 1936, começaram os infames julgamentos. No “Julgamento dos Dezesseis”, ele foi acusado de formar uma organização terrorista, de assassinar Kirov, de conspirar para matar Stalin e outras monstruosidades semelhantes. Foi acusado de ser um dos líderes do “Centro Terrorista Trotskista-Zinovievista”.
Zinoviev e Kamenev concordaram em se declarar culpados se não fossem mortos. Stalin lhes disse: “claro, isso se dá por suposto”, que eles não seriam mortos. Em 25 de agosto de 1936, dentro de 24 horas de sua condenação, foram executados. Kamenev supostamente falou para Zinoviev, que estava uivando, chorando e lutando com os guardas: “Acalme-se e mantenha alguma dignidade!”.
Como um velho Bolchevique, Zinoviev seria sempre uma ameaça e teve que ser eliminado. Ele não poderia ser simplesmente absorvido no aparato stalinista uma vez este plenamente formado e consolidado. Junto com centenas de outros, ele teve que ser fisicamente eliminado.
Em 1988, sob a perestroika, o governo soviético formalmente absolveu Zinoviev e outros das acusações absurdas que levaram as suas execuções. Esse foi Zinoviev – o primeiro presidente da Comintern.
Como as coisas deram tão rapidamente errado?
O zinovievismo ainda não era o stalinismo, mas certamente ajudou a pavimentar o caminho. Como não tinha uma visão abrangente dos problemas da revolução mundial, Zinoviev apoiou a expansão da burocracia partidária russa, com ele em seu núcleo, como uma forma de conter o poder ascendente da burocracia do Estado. No entanto, aqui também ficou demonstrado que manobras e medidas organizacionais não podem reverter as marés da revolução e da contrarrevolução. Em última análise, somente a revolução mundial pode resolver os problemas do isolamento, do atraso e da burocracia, e a vitória nesse front requer políticas de independência de classe, revolucionárias e internacionalistas.
Como Zinoviev era um colaborador de longa data de Lenin e permanecia à cabeça da Comintern, o foco da Revolução Russa brilhou diretamente sobre ele. Isso lhe deu credibilidade e autoridade muito além de suas capacidades e nível político. As pessoas olhavam naturalmente para ele em busca de orientação e liderança, tanto teórica quanto prática. E ele fez uma barafunda de ambos. O problema é que Zinoviev realmente acreditava que podia igualar o gênio de Lenin.
A Comintern foi a principal ferramenta para espalhar a revolução socialista mundial desde sua base na atrasada Rússia. Mas agora foi rapidamente transformada em uma guarda de fronteira para a ascensão da burocracia stalinista, a primeira linha de defesa de sua política externa estreita e nacionalista.
Em conjunção aos graves erros da liderança, processos sociais profundos levaram finalmente à degeneração tanto da URSS quanto da Comintern. A relativa e temporária estabilização do capitalismo mundial depois da onda revolucionária posterior à Primeira Guerra Mundial aumentou o isolamento e a pressão sobre a jovem república soviética e adiou a revolução mundial.
Houve um grande auge nos EUA, por exemplo, conhecido como os Loucos Anos Vinte. O estresse, as tensões e as mortes de uma década de guerra, revolução e contrarrevolução haviam cobrado seu preço, e o rabo de chumbo da burocracia pesava sobre as massas. Dialeticamente, a onda revolucionária, cheia de ímpeto e de potencial, se transformou em seu oposto.
Milhares de inimigos jurados do bolchevismo infestaram o governo soviético em busca de riqueza e prestígio. Da mesma forma, a Comintern foi inundada por homens e mulheres carreiristas sem nenhum interesse na revolução mundial – ou trabalhando ativamente contra ela. Vimos fenômeno similar na Venezuela em período recente, embora esta última nunca tenha sido um Estado dos trabalhadores.
Muitos antigos raivosos antibolcheviques não só influenciaram a política da Comintern nos bastidores como até mesmo chegaram a posições de liderança. Por exemplo, Martynov, um ex-líder dos mencheviques. Este arqui-reformista pequeno-burguês apoiou energicamente Stalin contra Trotsky porque sabia que Trotsky representava o bolchevismo genuíno, enquanto a política de Stalin abria o caminho à eventual restauração capitalista. Foi Martynov quem idealizou o chamado “bloco de quatro classes”, abraçado por Stalin, que levou à tragédia da Revolução Chinesa de 1925-27.
A crise subjetiva de liderança da classe trabalhadora mundial se tornou um fator objetivo na estabilização do capitalismo no pós-guerra.
O Quinto Congresso
A CMI comemora e se baseia nos procedimentos dos quatro primeiros Congressos da Internacional Comunista. O registro escrito dessas reuniões é um tesouro da teoria marxista e da política internacionalista da classe trabalhadora. Apesar da prolongada enfermidade de Lenin, a confiança dele e de Trotsky no proletariado mundial e no futuro socialista brilha intensamente em cada um de seus discursos e resoluções.
Às vésperas de sua morte, Lenin estava profundamente ciente dos problemas que assolavam o novo Estado dos trabalhadores – e do pernicioso papel de Stalin. Em obras como Melhor Poucos, Mas Bons, ele lançou um ataque total à crescente burocracia e ao veneno do chauvinismo nacional que já estava se infiltrando. Tudo isso, em última instância, era um reflexo do atraso e das pressões de classes estranhas sobre o estado soviético e seu aparato administrativo: “Nosso aparato de estado é tão deplorável, para não dizer miserável, que devemos primeiro pensar muito cuidadosamente como combater seus defeitos, tendo em mente que esses defeitos estão enraizados no passado, que, embora tenha sido derrubado, ainda não foi superado”.
Nas semanas seguintes após a morte de Lenin em 21 de janeiro de 1924, o impulso contrarrevolucionário se havia acelerado dramaticamente. O Quinto Congresso, realizado em junho e julho daquele mesmo ano, serviu como uma ponte entre a Comintern de Lenin e Trotsky e a de Stalin, com a teoria de “socialismo em um só país”, a loucura do “Terceiro Período” e, finalmente, a Frente Popular.
O Quinto Congresso foi, sob muitos aspectos, o “Congresso de Zinoviev”. Nas discussões sobre Perspectivas Mundiais, seus discursos representam mais da metade das 120 páginas das atas oficiais. Embora alguma dissidência ainda fosse possível nesse Congresso – isto é, alguns protestos ocorreram contra pessoas sendo expulsas por conta do chamado “trotskismo” – os procedimentos já estavam sendo ministrados em grande medida. Zinoviev, pessoalmente, liderou a acusação contra o “perigo direto” do trotskismo. Ele chamou Trotsky de pequeno-burguês, oportunista etc.
Talvez o mais infame tenha sido que nesse Congresso se lançou a chamada campanha de “bolchevização” da Internacional. Embora isso possa soar superficialmente “radical”, de fato, era uma completa caricatura do Bolchevismo genuíno.
Em vez de trabalhar pacientemente para ajudar as seções nacionais a melhorar sua prática através do debate e da troca de experiências políticas, a “bolchevização” usou a Comintern como um aríete para reforçar a posição da Troika Zinoviev, Kamenev e Stalin. O tosco objetivo era tornar todos os partidos comunistas subservientes ao Partido Russo – “o único Partido Bolchevique verdadeiro” – o único partido que os governaria a todos.
O Partido Bolchevique Russo foi forjado e temperado nas fornalhas da revolução e da contrarrevolução através de um processo de debates intensos e democráticos durante um período de duas décadas. A “bolchevização” foi uma busca torpe e utópica por um atalho inexistente que pudesse moldar os partidos comunistas do mundo à imagem dos bolcheviques da noite para o dia. O resultado foi uma farsa envenenada e deformada. Na essência, foi uma variação da “teoria da ofensiva” de Bukharin e Zinoviev, uma política aventureira proposta por eles ao Terceiro Congresso, que foi rejeitada e combatida com a política de Frente Única.
A chamada “bolchevização” treinou generais que só sabiam seguir cegamente as ordens e como cobrá-las – e logo foram despedaçados nas águas agitadas da luta de classes no período entre guerras.
A campanha se encaixou perfeitamente na “teoria” anti-leninista de socialismo em um só país. Essa era a ideia não-dialética de que o comunismo poderia ser plenamente realizado dentro dos limites da União Soviética. Como resultado, a URSS deveria ser defendida por quaisquer meios e manobras necessárias – à custa das revoluções nos países mais avançados e da própria revolução mundial.
No entanto, como Trotsky explicou em sua crítica posterior ao rascunho do programa do Sexto Congresso:
“Se o socialismo pode ser realizado dentro das fronteiras nacionais da atrasada Rússia, então há ainda mais razão para se acreditar que ele pode ser realizado na avançada Alemanha. Amanhã, os líderes do Partido Comunista da Alemanha se comprometerão a propor essa teoria. O rascunho do programa os capacita a fazê-lo. Depois de amanhã, o partido francês terá sua vez. Será o início da desintegração da Comintern ao longo das linhas do social-patriotismo”.
Os russos sempre gozaram de grande autoridade dentro da Comintern – autoridade adquirida por seus argumentos políticos claros, experiência e com o exemplo de ter conquistado e mantido o poder. Agora, a autoridade deveria ser imposta a partir do alto. Ordens eram emitidas e seguidas automaticamente, não importa quão incorretas e absurdas.
Um partido “monolítico”?
O Décimo Congresso do Partido Bolchevique foi realizado em 1921 em meio ao Comunismo de Guerra e à guerra civil, à fome em massa, à Revolta de Kronstadt, ao cerco imperialista e depois de uma luta amarga e divisionista sobre o papel dos sindicatos entre sete diferentes facções. Nessas condições, uma proibição temporária de facções dentro do partido foi acordada. Isso se deveu a fatores extremamente contingentes e à necessidade urgente de manter a unidade do partido ou se arriscar a desfazer completamente a revolução. Não foi vista como uma questão de princípio.
Uma organização revolucionária saudável é um organismo vivo e dinâmico. O fluxo de ideias, de informação, de clarificações políticas e a elevação do nível deve ser constante. Agora, por conveniência – porque dar ordens consome menos tempo do que ganhar as pessoas através de argumentos políticos – Zinoviev empurrava a proibição temporária de facções para toda a Comintern.
Desde que concordassem em trabalhar lealmente na implementação das decisões da maioria enquanto defendiam seus pontos de vista, as minorias políticas recebiam pelo menos alguma representação nos órgãos eleitos. Agora, elas deveriam ser totalmente excluídas da liderança nacional e internacional. O partido deveria ser monolítico de cima para baixo por “princípio” – um partido mundial Bolchevique centralizado e ”homogêneo”, “não permitindo facções, tendências ou grupos”.
Na prática, isso significava que o membro estava privado do direito de eleger e controlar a liderança. As votações internas tornaram-se espetáculos fraudulentos e não refletiam mais a vontade genuína da militância – quer estivessem certos ou errados.
Os marxistas não estão a favor de facções a todo e qualquer momento, sob todas e quaisquer condições. Elas podem abusar e paralisar o trabalho. Mas, às vezes, é necessário permiti-las como ferramentas temporárias para clarificar questões específicas, obter total clareza e avançar.
Fusões e divisões também são parte necessária do processo de soldar um partido revolucionário mundial. Mas uma tendência revolucionária saudável nunca deve usar expulsões para resolver diferenças políticas e deve procurar esgotar todos os canais políticos antes de recorrer a uma divisão.
Zinoviev fez das substituições por cima, das expulsões e divisões o principal método para resolver diferenças. Expurgos políticos foram realizados sob o disfarce do “bolchevismo”. Lealdade a Moscou ou ao chefe de uma facção de fato era o novo e decisivo teste para liderar, não a competência revolucionária. Como resultado, a liderança revolucionária do proletariado mundial foi decapitada precisamente quando enormes oportunidades estavam no horizonte. Como Trotsky escreveu, essa abordagem condenou “os setores jovens da Comintern… à degeneração antes que tivessem tempo para crescer e se desenvolver”.
Há um mundo de diferença entre o centralismo democrático e o centralismo burocrático de Zinoviev e Stalin. Esse método destrutivo não tem absolutamente nada em comum com Lenin e, no entanto, é apresentado como a mais pura forma de Leninismo pelos stalinistas, maoístas, anarquistas e, naturalmente, pela burguesia.
A autoridade da Troika devia estar acima de qualquer dúvida e ser infalível. Para conseguir isso, a autoridade de Lenin tinha que ser sequestrada e a autoridade de Trotsky, destruída, particularmente em países chave como a Alemanha e a França. Quando as revoluções fracassaram devido às políticas da Troika ou quando suas perspectivas foram descaradamente falsificadas, em vez de extrair as lições, admitir e aprender de seus erros. Zinoviev persistiu em sua posição e culpou outros. Isso deseducou os membros da Internacional. Ele cometeu erros particularmente graves quando se tratava do momento dos fluxos e refluxos revolucionários.
A Ação de Março, em 1921, na Alemanha, levou a uma derrota sangrenta, à renúncia de 200 mil membros e ao isolamento do Partido Comunista Alemão. E, no entanto, para cobrir seu próprio e miserável erro, Zinoviev declarou aos líderes do Partido Comunista da Alemanha (KPD): “A Internacional Comunista diz a vocês: Vocês agiram corretamente!” Lenin e Trotsky fizeram o que podiam para corrigir esses erros no Terceiro Congresso da Comintern, mas, como veremos, tiveram apenas um êxito limitado em convencer os ultra-esquerdistas.
Então, depois do fracasso ainda mais desastroso da Revolução Alemã de 1923, Zinoviev se converteu em bode expiatório da liderança do partido alemão. Trotsky se recusou a culpar os alemães e, em vez disso, colocou o ônus diretamente onde devia estar: com Zinoviev e Stalin. No auge do movimento, quando tudo o que se necessitava era de um impulso inspirador para instar os trabalhadores alemães a tomar o poder, sua indecisão e hesitação destruíram a revolução – e a melhor esperança dos russos para um alívio do isolamento e do atraso. Em vez de aproveitar a explosiva iniciativa das massas, eles disseram à liderança alemã para ir “mais devagar”. Como Stalin claramente colocou: “Na minha opinião, os alemães devem ser coibidos e não estimulados”. Eles qualificaram ironicamente o apelo urgente de Trotsky para os trabalhadores alemães organizarem uma insurreição de “fantasiosa”. Essa foi uma oportunidade perdida de proporções épicas.
Apesar de estar à frente da Comintern, Zinoviev não assumiu a responsabilidade. Ele e o restante da Troika haviam superestimado a maturidade revolucionária em março de 1921 e subestimado a profundidade da derrota em 1923. Para encobrir seus erros de cálculo fatais, recorreram à bravata e às agressões, em vez de uma avaliação dialética equilibrada da situação, como ela realmente era. Com Lenin incapacitado, usaram todo tipo de artifícios para jogar a culpa sobre Trotsky, Radek e Thalheimer. Trotsky foi considerado como “a fonte do oportunismo de direita na Comintern”. A Alemanha de 1923 foi o ponto de inflexão que inaugurou uma nova etapa, pós-Leninista, de desenvolvimento da Comintern.
A “teoria da ofensiva” de Bukharin e Zinoviev, que levou ao desastre em 1921, foi rejeitada pelo Terceiro Congresso. Zinoviev e Bukharin se opuseram à Frente Única e disseram que Lenin se enganara sobre essa questão, que fora influenciado pelo conservadorismo de Paul Levi.
Portanto, na prática, embora a Frente Única fosse a política oficial depois do Terceiro e Quarto Congressos, houve resistência de muitas seções da Comintern. Em vez disso, abraçaram o romantismo infantil da “teoria da ofensiva”, que reapareceu sob nova roupagem no Quinto Congresso.
Alguns quadros experientes, como Karl Radek e Clara Zetkin, tentaram defender o ponto de vista Leninista. Mas foram derrotados visto que Zinoviev redefiniu a Frente Única como algo que se forma com base na união de trabalhadores individuais “de baixo”, e não como um acordo entre organizações de massa dos trabalhadores. Os ultra-esquerdistas – pessoas como Fischer e Maslow – na verdade culparam a política de Frente Única pela derrota em 1923 na Alemanha, alegando que o PC alemão ficou enfraquecido por seus anos de colaboração com o PS.
O Quinto Congresso ainda aprovou uma resolução declarando que o “ultraimperialismo” poderia acabar com a guerra imperialista. Esta foi uma revisão escandalosa do ponto de vista de Lenin sobre imperialismo e guerra – e do próprio Zinoviev, como coautor de Socialismo e Guerra.
O Quinto Congresso, portanto, representou a negação total das políticas disputadas e ganhas por Lenin e Trotsky nos Terceiro e Quarto Congressos e o repúdio direto dos escritos de Lenin sobre a doença infantil do esquerdismo. Mais uma vez, todos esses erros foram cometidos em nome do bolchevismo.
Em situação difícil
O palco foi montado para a ruína da Comintern como Internacional revolucionária. Como Trotsky explicou em 1928:
“O PCUS [Partido Comunista da União Soviética] tem a maior riqueza de experiência no domínio da ideologia e da revolução. Mas, como mostraram os últimos cinco anos, até mesmo o PCUS não conseguiu viver impune por um único dia apenas com os juros de seu capital, e é obrigado a renová-lo e expandi-lo constantemente, e isso só é possível através do trabalho coletivo da mente do partido. E o que, então, é preciso dizer dos partidos comunistas em outros países que foram formados há poucos anos e estão apenas passando pela etapa inicial de acumulação de conhecimento teórico e capacidade prática? Sem uma verdadeira liberdade de vida partidária, liberdade de discussão e liberdade de estabelecer o seu curso coletivamente, e por meio de agrupamentos, esses partidos nunca se tornarão uma decisiva força revolucionária”.
Zinoviev parecia acreditar ingenuamente que o peso, o impulso e a autoridade dos russos e da revolução, combinados com ordens vindas de cima, seriam suficientes para garantir a vitória mundial. Mas a luta de classes é muito mais complicada do que isso. Uma vez que o capitalismo alcançou certa estabilidade no início dos anos 1920, ele e quase todos os demais ficaram expostos a uma situação difícil. Houve reais e trágicas consequências por seus erros.
Essa gente não entendia a dialética e foi infectada pela impaciência – a ruína dos revolucionários. Os marxistas devem ter uma visão de longo prazo da história. Zinoviev e seus co-conspiradores estavam buscando uma chave mágica e não tinham o nível teórico para lidar com a situação alterada. Então, se voltaram cada vez mais para os métodos burocráticos e de comando.
A campanha de “bolchevização” significava a “russificação” dos partidos nacionais, a reorganização forçada da vida interna de todas as seções nacionais da Comintern, burocraticamente, a partir de cima, com todos os dissidentes sendo expulsos sem cerimônias. Dezenas de milhares de camaradas de todo o mundo confiavam nos russos e na Comintern para proporcionar conselhos políticos, objetivos e equilibrados – não conselhos baseados em interesses faccionais – e isso levou ao desastre em um país após outro. Manobras sem princípio substituíram o debate político. Carreiristas e burocratas eram preferidos a indivíduos talentosos que pudessem ter cometido algum erro ou que pensassem de forma independente.
Bukharin se apoiou nos mesmos métodos depois que sucedeu Zinoviev como chefe da Comintern entre 1926 e 1929. Ele também era um pensador rígido e mecânico. O líder comunista búlgaro, Georgi Dimitrov, que tinha um nível político ainda mais tosco, acabou assumindo a Comintern em 1934. Ele a presidiu até sua dissolução uma década mais tarde, aperfeiçoando ainda mais o uso desses métodos sob a tutela direta de Stalin.
No Sexto Congresso, realizado em 1928, Stalin estava em vantagem. O Congresso não conseguiu corrigir os erros do quinto Congresso e, após a fracassada revolução chinesa, lançou o chamado Terceiro Período, que duraria até 1935.
Na sequência do Primeiro período revolucionário depois da vitória de Outubro e do Segundo período de estabilização capitalista, o Terceiro Período proclamou, que o sistema capitalista estava em seu período de colapso final e iminente. Todos os partidos comunistas tiveram que adotar uma linha estrita de ultra esquerda em outra variante perversa da “teoria da ofensiva”.
Todos os partidos não comunistas, incluindo os partidos socialistas, foram considerados como “socialfascistas”. Não era apenas inadmissível que os comunistas trabalhassem com eles, deveriam também trabalhar ativamente para esmagar fisicamente a esquerda reformista. Não importava que milhões de trabalhadores ainda estivessem sob a influência da Social-democracia. Os constantes zigue-zagues desmoralizaram e destroçaram a Comintern como internacional revolucionária.
Alemanha
Fora da Rússia, a Alemanha tinha o mais influente Partido Comunista e era o país mais importante para se estender a revolução mundial. Revolução e contrarrevolução ali se desencadearam desde 1918 e, em 1923, uma severa crise econômica e a ocupação militar do Ruhr pelo imperialismo francês provocaram mais um levantamento revolucionário.
No entanto, desorientada pelos assassinatos de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, pelo oportunismo e expulsão de Paul Levi e pelo ultra-esquerdismo de Fischer e Maslow, a liderança do PC alemão, agora sob Brandler e Thalheimer, estava desorientada e necessitava de orientação clara e decisiva. Eles pediram a Moscou para enviar o próprio Trotsky para ajudar a coordenar a revolução. Naturalmente, por razões faccionais, isso foi negado.
No entanto, Stalin, Kamenev e Zinoviev não podiam oferecer uma alternativa revolucionária consistente, mesmo que não estivessem conscientemente tentando sabotar a revolução na época. Os vacilos de Zinoviev e Kamenev e o menchevismo das duas etapas de Stalin condenaram a revolução alemã. Como explicado acima, eles disseram aos alemães para se retirar, que o momento revolucionário havia se perdido e que o movimento havia fracassado e estava esmagado. O destino da Rússia estava quase selado.
A culpa recaiu sobre Zinoviev, o Comitê Executivo da Internacional Comunista (ECCI) e o Politburo russo – e todos os líderes sabiam disso. Embora Trotsky concordasse que eles tinham graves deficiências, recusou-se a fazer de Brandler e Thalheimer bodes expiatórios. Mas, como vimos, a Troika era especialista em intrigas e em políticas de prestígio. Conseguiram desviar a culpa para Trotsky, Karl Radek e os alemães. Uma campanha feroz de mentiras e calúnias foi lançada para acabar com qualquer apoio a Trotsky na Alemanha.
Brandler foi removido e substituído por Fischer, Maslow e Urbahns – ultra-esquerdistas que se opuseram à tática de Frente Única nos Terceiro e Quarto Congressos e que consideravam Lenin e Trotsky oportunistas de direita. Eles afastaram todos os que simpatizavam vagamente com Trotsky e apresentaram resoluções para a expulsão de Trotsky da Internacional Comunista. Depois que fizeram o trabalho sujo de Moscou, uma liderança ainda mais subserviente foi instalada, sob Ernst Thälmann, que aprofundou a campanha anti-trotskista.
Para piorar, Zinoviev também inventou o “luxemburguismo” para sabotar sua memória e autoridade. Da mesma forma que fizeram com Trotsky, eles exageraram suas diferenças com Lenin e arrastaram sua contribuição ao marxismo revolucionário na lama. Mas a autoridade de Rosa e Trotsky não era tão fácil de enterrar. Levou vários anos para isso, mas o partido alemão acabou sendo destruído como ferramenta para a revolução mundial. A isso se agregou a subsequente insanidade do Terceiro Período e do socialfascismo, que ajudou a pavimentar o caminho à ascensão de Hitler.
França
A França foi a primeira experiência da “bolchevização” anti-trotskista. Trotsky tinha muita autoridade e conexões ali, e isso teve que ser minado. Como em outros lugares, a liderança do Partido Comunista foi instalada a partir de cima – pessoas com pouca experiência, que não haviam lutado durante os difíceis dias da guerra e da luta contra a socialdemocracia. O PC francês, que um dia foi autofinanciado, se tornou dependente os subsídios de Moscou – outra alavanca para tirar o controle das fileiras dos partidos nacionais. Tolos incompetentes, como Treint, foram apoiados por Moscou porque seguiam a linha.
Treint acusou Trotsky e a Oposição de serem mencheviques pequeno-burgueses, “oportunistas de direita”, que haviam sabotado a Revolução Alemã. De fato, o primeiro uso da palavra “bolchevização” parece ter aparecido em um artigo de Treint em março de 1924. Como ele expressou: “ideologia homogênea, políticas homogêneas, estrutura homogênea, liderança homogênea!”
Treint abraçou a teoria do socialfascismo e inventou a frase anarcofascismo – agrupando os anarquistas –, bem como os socialdemocratas aos fascistas. Ele declarou que o fascismo já estava no poder, visto que, segundo ele, a democracia burguesa e o fascismo eram a mesma coisa. Em menos de dois anos, o partido francês também foi destruído como uma ferramenta política da revolução socialista francesa. Como seria de esperar, a recompensa de Treint foi ser expulso junto com os zinovievistas da Oposição de Esquerda Unida em 1927.
Estados Unidos
Desde o início, o Partido Comunista dos EUA foi um desastre atomizado e faccional ao emergir do Partido Socialista. O movimento era dominado por “muitas federações de língua estrangeira” de imigrantes, como russos, alemães e húngaros. Incrivelmente, nos dias iniciais, só entre 5% e 10% dos membros do PC estavam em ramos de língua inglesa. Dadas as condições de seus países de origem, muitos desses camaradas acreditavam que uma organização secreta, clandestina, era uma questão de princípio, embora as condições nos EUA fossem muito diferentes de lugares como a Rússia czarista.
A certa altura, havia dois partidos comunistas “oficiais” nos EUA – o Partido Comunista da América (liderado por Ruthenberg e Fraina) e o Partido Trabalhista Comunista (em torno de John Reed e Gitlow) – ambos emergindo das divisões à esquerda do PS. Acabaram sendo forçados a partir de cima a se fusionarem numa base sem princípios depois de uma série de decretos de Zinoviev e da Comintern. Como resultado, o PC se dividiu de forma permanente em facções amargamente entrincheiradas.
O boom pós-Primeira Guerra Mundial dos anos 1920 levou a uma enorme confusão e retrocesso no PC norte-americano, com muitos descartando completamente a perspectiva de crise econômica e revolução. Tudo isso abriu o caminho para o húngaro, József Pogány, conhecido como John Pepper nos EUA, irromper e causar estragos como suposto representante da Comintern nos EUA. Entre outras insanidades, Pepper proclamou que os fazendeiros pobres, não os trabalhadores, eram a classe revolucionária. James P. Cannon comparou esses dias com “a guerra de gangs políticas”. Eles estavam em uma etapa primitiva de construção de uma organização revolucionária – e nunca tiveram a oportunidade de sair do pântano.
Mesmo antes de a campanha da “bolchevização” ter sido lançada, o PC dos EUA dependia da Comintern. Confiou em Moscou e em Zinoviev em particular para mediar entre as várias facções. Nunca foi capaz de construir uma liderança nacional coesa e unificada. Isso o converteu em terreno propício para as manobras bonapartistas e o equilíbrio entre as facções de um Zinoviev.
E, embora o PC dos EUA já estivesse, de fato, “bolchevizado”, uma estridente campanha de bolchevização foi realizada, no entanto, liderada por ninguém menos do que James Cannon. De fato, ele era conhecido como o “Capitão da Bolchevização”. Ele era um leal a Zinoviev de linha dura que, sem questionamentos, implementava as decisões do Quinto Congresso com zelo quase religioso. Como exemplo, depois das Lições de Outubro, Cannon e Earl Browder baniram a publicação dos artigos de Trotsky na revista teórica do PC dos EUA, o Workers Monthly.
Como Zinoviev, Cannon era um agitador altamente qualificado, capaz de traduzir as ideias dos outros em discursos e ação demagógica. Era um lutador de caráter forte e proletário, um ex-Wobbly com sólidos instintos de classe. Ele havia conhecido e foi treinado em grande parte por lutadores de classe como “Big” Bill Haywood. Mas tinha um baixo nível teórico, nem um pingo de dialética e era guiado apenas pelo bom e velho pragmatismo norte-americano e pelo “senso comum”.
Dada a confusão faccional do partido norte-americano, pode-se entender por que Cannon seria um adepto de um partido monolítico com pleno acordo sobre todas as coisas e uma autoridade cega para a liderança. As coisas ficam muito mais fáceis dessa forma! Mas nunca se construirá um genuíno Partido Bolchevique com tais métodos – nem em um bilhão de anos.
Os vários líderes do partido norte-americano disputaram a posição para ganhar o favor de Zinoviev ou Bukharin. Visitas a Moscou se assemelhavam a visitas ao Vaticano. De forma crescente, os debates políticos internos e os resultados das eleições eram decididos antecipadamente a portas fechadas.
A luta faccional e a interferência de Moscou alcançaram o cúmulo do absurdo na Quarta Convenção do Partido Estadunidense, em 1925. O partido estava profundamente dividido, mais ou menos ao meio. A facção de William Z. Foster e James Cannon havia ganhado a maioria dos delegados à convenção, contra a facção liderada por Charles Ruthenberg e Jay Lovestone. No entanto, depois da convenção, todas as decisões foram anuladas por um telegrama de Moscou declarando que “O Grupo Ruthenberg é mais leal às decisões da Internacional Comunista”.
Foster queria lutar contra a decisão – mas Cannon se separou de Foster e formou uma terceira facção – a fim de aceitar a decisão de Moscou, argumentando que ele, não Ruthenberg, era mais leal! Ele também se opôs a que a intervenção burocrática da Comintern fosse debatida dentro do Partido, pois isso prejudicaria a autoridade da Comintern.
Mais uma vez, um dos países-chave da revolução mundial foi tratado como um peão em um jogo de xadrez burocrático. Muitos revolucionários honestos e enérgicos ficaram totalmente arruinados, perdendo de vista a razão por que eles se tornaram revolucionários comunistas em primeiro lugar. O faccionalismo, que antes era um meio para se atingir um fim, tornou-se um fim em si mesmo.
Muitos, como Foster, ficaram felizes em aceitar o controle de Moscou se isso significasse sua ascensão pessoal. Mas isso também foi temporário, visto que as facções em Moscou também subiam e caíam. Ninguém apostou por Stalin nos primeiros anos – a maioria sequer sabia de sua existência. Então, se agradavam de pessoas como Zinoviev ou Bukharin. Quando Stalin finalmente emergiu como vitorioso, os chamados comunistas de todo o mundo se prostraram e o adularam para ganhar o seu favor.
Para seu crédito, James Cannon e o canadense Maurice Specter finalmente repudiaram Stalin. Depois de tropeçar com crítica de Trotsky ao Projeto de Programa da Internacional ao Sexto Congresso, fundaram o trotskismo estadunidense e canadense e a Quarta Internacional. Mas os métodos que Cannon aprendeu sob a tutela de Zinoviev deixaram sua marca, e ele nunca os desaprendeu. Quando Trotsky estava vivo, ele poderia tirar o melhor proveito de Cannon. Mas, uma vez morto, tudo acabou para a seção mais importante da Quarta Internacional.
O Sétimo Congresso
E foi assim em todo o mundo. Na Itália, em 1924, Gramsci foi imposto sobre o ultra-esquerdista Bordiga, embora Bordiga fosse o líder natural com apoio majoritário. Gramsci, também, era um enérgico apoiador da “bolchevização”. Na Hungria e na Finlândia, Zinoviev se apoiou em fracassados abjetos como Bela Kun e Otto Kuusinen, pessoas dispostas a fazer qualquer coisa para manter suas posições e esconder seu passado desastroso.
Na China, o ECCI e Zinoviev tinham o controle total sobre Chen Duxiu e os primeiros quadros do Partido Comunista Chinês, via controle sobre seus salários e finanças, o que diminuía a capacidade deste último de levantar críticas honestas e desacordos. No Japão, duas facções opostas foram burocraticamente esmagadas desde cima por Bukharin em 1927. A liderança da maioria ultra-esquerdista sob Kazuo Fukumoto foi removida sem cerimônias sem nenhuma discussão nas fileiras do partido. Naturalmente, Fukumoto foi acusado de “trotskismo” – embora nunca tenha apoiado Trotsky.
Em A Terceira Internacional depois de Lenin, escrito em 1928, Trotsky castigou a liderança então stalinista da Comintern e explicou:
“As debilidades dos partidos comunistas e de sua liderança não caíram do céu, mas são um produto de todo o passado da Europa. Porém, os partidos comunistas poderiam se desenvolver rapidamente na atual maturidade existente das contradições objetivamente revolucionárias, desde que, é claro, haja uma liderança correta por parte da Comintern, acelerando esse processo de desenvolvimento em vez de retardá-lo”.
Mas não havia uma liderança correta e o processo foi não só retardado, mas completamente descarrilado. No tempo do Sétimo Congresso da Comintern, realizado em 1935, a liderança de todas as seções nacionais era irreconhecível, tendo sido renovada várias vezes. Finalmente, percebendo a ameaça existencial colocada pelos nazistas alemães, e com os inimigos internos de Stalin amplamente neutralizados, o Terceiro Período foi descartado e a Frente Popular – exatamente o oposto da Frente Única – foi adotada. Essa política de flagrante colaboração de classes ordenou a todos os partidos comunistas a formar “frentes populares” com todos os partidos que se opunham ao fascismo, incluindo, particularmente, os partidos burgueses. Em lugares como a Espanha e a França, isso levou ao desastre.
Agora, firmemente sentada na sela, intensificou-se a guerra civil unilateral da burocracia contra os Velhos Bolcheviques. A Comintern e seu aparato foram profundamente infiltrados pela polícia secreta, cujo objetivo era erradicar toda oposição a Stalin. Dos 492 funcionários da Comintern, 133 se tornaram vítimas do Grande Expurgo de Stalin. Várias centenas de comunistas e antifascistas alemães que haviam fugido da Alemanha nazista foram liquidadas e mais de mil foram entregues ao nazistas.
Muitos dos que foram eventualmente para o lado de Trotsky para se opor a Stalin – como Zinoviev – estiveram na linha de frente das campanhas anti-trotskistas de “bolchevização”. Esse, claramente, não era o melhor material para se trabalhar, mas, novamente, Trotsky fez o possível para trabalhar com o que ele tinha. Naturalmente, muitos nas fileiras da Oposição de Esquerda suspeitavam dessas pessoas, dado o seu passado papel. No entanto, quando Zinoviev foi julgado e executado em 1936, foram organizadas greves pelos prisioneiros trotskistas mantidos nos campos de concentração stalinistas. Apesar de tudo, ele havia desempenhado um certo papel no passado e eles o reconheceram.
Mas a loucura estava longe de terminar. Em novembro de 1939, Stalin assinou o pacto Hitler-Stalin, desorientando completamente a classe trabalhadora mundial. Então, quando os alemães invadiram a União Soviética em junho de 1941, a Comintern deu mais um rodeio e mudou sua posição para uma de apoio aos Aliados.
Finalmente, em 15 de maio de 1943, como um gesto de boa-vontade aos britânicos e, acima de tudo, aos imperialistas norte-americanos, o Comitê Executivo da Comintern emitiu uma declaração convocando as seções nacionais “A dissolver a Internacional Comunista como centro dirigente do movimento internacional dos trabalhadores, liberando as seções da Internacional Comunista das obrigações derivadas da constituição e decisões dos Congressos da Internacional Comunista”.
Escandalosamente, declarou: “… muito antes da guerra, tornou-se cada vez mais claro que, na medida em que a situação interna, bem como a situação internacional de países individuais, se tornava mais complicada, a solução dos problemas do movimento dos trabalhadores de cada país individual através de algum centro internacional enfrentaria obstáculos insuperáveis”.
Sem qualquer discussão democrática entre as fileiras, os PCs nacionalmente degenerados carimbaram a declaração e a Terceira Internacional foi dissolvida. No entanto, ela já morrera bem antes. Em 1936, sete anos antes de sua dissolução oficial, em uma entrevista infame ao jornalista norte-americano Roy Howard, Stalin deixou claro que a Comintern estava praticamente enterrada.
“Howard: Isso… significa que a União Soviética abandonou, em algum grau, seus planos e intenções de promover a revolução mundial?
“Stalin: Nunca tivemos tais planos e intenções.
“Howard: Você estima, sem dúvida, Mr. Stalin, que grande parte do mundo teve uma impressão diferente.
“Stalin: Esse é o produto de um mal-entendido.
“Howard: Um trágico mal-entendido?
“Stalin: Não, um cômico. Ou, talvez, tragicômico.
“Veja bem, nós marxistas, acreditamos que uma revolução também ocorrerá em outros países. Mas isso acontecerá somente quando os revolucionários desses países acharem possível ou necessário. A exportação da revolução é um absurdo. Todo país fará sua própria revolução se quiser, e se não quiser, não haverá revolução. Por exemplo, nosso país queria fazer uma revolução e conseguiu, e agora estamos construindo uma nova sociedade sem classes.
“Mas afirmar que queremos fazer uma revolução em outros países, interferir em suas vidas, significa dizer o que é falso e o que nunca defendemos.”
Um internacional revolucionário é, acima de tudo, seu programa, método e tradições. Até 1933, Trotsky e a Oposição de Esquerda Internacional se consideravam uma facção expulsa da Comintern, lutando para reformá-la politicamente, a fim de devolvê-la ao genuíno leninismo. Mas em 1933, com a ascensão de Hitler, as coisas haviam sido completamente corrompidas. Daí a declaração de Trotsky sobre a necessidade de uma Quarta Internacional e sua fundação formal em 1938. Trotsky passou o resto de sua vida lutando para defender as ideias e métodos genuínos do bolchevismo – uma luta que ele travou até a morte.
As questões políticas e organizacionais estão intimamente ligadas
Os métodos de Zinoviev e Stalin são comuns na política burguesa. Desonestidade e manobras são o pão de cada dia de uma minoria parasita buscando desesperadamente manter o controle sobre a maioria. A nossa é uma causa superior, incompatível com o engano e a perfídia.
Infelizmente, alguns em nosso movimento sucumbiram à pressão de grandes acontecimentos e recorreram a esses métodos para cobrir suas deficiências e inadequações. Suas ações envenenaram várias gerações de possíveis revolucionários. Esses métodos estranhos são excessivos hoje na esquerda e não devem ser tolerados em nenhum nível de uma organização revolucionária saudável. A política informal de pequenos círculos é uma etapa quase inevitável da infância de uma organização. Mas, se não superar essa etapa, nunca estará à altura da tarefa de galvanizar as massas trabalhadoras para derrubar o capitalismo.
Felizmente, camaradas como Trotsky e Ted Grant preservaram os métodos genuínos do Marxismo para as gerações futuras. E, analisando essas experiências dialeticamente, podemos também tirar conclusões positivas dos métodos negativos utilizados por outros.
Em última análise, as diferenças políticas refletem as questões e dúvidas de diferentes camadas da classe trabalhadora, bem como são uma expressão das pressões das ideias de classe alheias ao movimento dos trabalhadores.
A lição mais óbvia que podemos aprender dessa experiência, portanto, é que não se pode resolver problemas políticos recorrendo a medidas organizacionais. Cinismo e desmoralização, decadência e morte como organização revolucionária são os resultados inevitáveis.
O programa, as perspectivas, a teoria e, em particular, a dialética não são meros adornos; pelo contrário, são indispensáveis ao nosso trabalho. No lugar da impaciência e do aventureirismo, os revolucionários marxistas devem “explicar pacientemente” – não só para a classe trabalhadora mais ampla – mas dentro de nossas próprias fileiras. Escusado será dizer que não há espaço para o ego, políticas de prestígio ou camarilhas.
Não há consigna, decreto ou forma organizacional que possa ser aplicada em todos os aspectos a partir de cima para resolver magicamente todos os nossos problemas em todos os países a qualquer tempo. Se fosse esse o caso, a derrubada do capitalismo já teria ocorrido há décadas!
Como Trotsky explicou: “O Bolchevismo sempre foi forte devido a sua concretude histórica em elaborar formas organizacionais. Não há esquemas áridos. Os Bolcheviques mudaram sua estrutura organizacional radicalmente em cada transição de uma etapa para outra. No entanto, hoje, um só e mesmo princípio de ‘ordem revolucionária’ é aplicado ao poderoso partido da ditadura proletária, bem como ao Partido Comunista Alemão, que representa uma séria força política, ao jovem partido chinês, que foi imediatamente lançado ao vórtice das lutas revolucionárias, e ao partido dos EUA, que é somente uma pequena sociedade de propaganda”.
Uma organização revolucionária deve construir equipes de liderança em todos os níveis, equilibrando as forças e as debilidades políticas e organizacionais das pessoas. Devemos buscar assegurar que o todo seja maior do que a soma de suas partes. Ao fazê-lo, devemos encontrar “o cavalo certo para cada percurso” – porque a pessoa errada no papel errado pode estragar tudo, mesmo que tenha outros pontos fortes.
Não há substituto para uma filiação alerta, atenta e engajada, combinada a uma liderança receptiva que lidere pelo exemplo e ganhe sua autoridade politicamente, com o tempo, admitindo e corrigindo seus erros. Devemos nos elevar acima da mesquinhez sem princípios e nos lançarmos desinteressadamente na causa da revolução socialista mundial.
Por último, mas não menos importante, a história da Comintern mostra que não se pode improvisar uma liderança revolucionária uma vez iniciada a revolução. E, uma vez que a maré revolucionária comece a refluir, é ainda mais difícil manter as coisas juntas.
Felizmente, para aqueles de nós que lutamos pela revolução socialista hoje, a maré da história está se movendo em nossa direção, e o ritmo da história está se acelerando. Somos extremamente felizes de ter acesso aos escritos e a experiência dos grandes Marxistas. Esse material é uma verdadeira mina de ouro, e, como resultado, podemos reduzir o período necessário para o treinamento e seleção dos quadros.
Por razões que temos explicado extensivamente em outras ocasiões, a Quarta Internacional nunca decolou. Mas a CMI recolheu a bandeira de Trotsky, como Trotsky a recolheu de Lenin. De um país a outro, seremos testados na luta revolucionária mais cedo do que podemos pensar – vamos estudar e aplicar essas lições sem perda de tempo.
Nota:
¹ Comintern (em cirílico Komintern) é o acrônimo de Kommunisticheskiy Internatsional (Internacional Comunista).