Passaram quatro anos desde a histórica formação daquilo que parecia ser um governo de esquerda em que o PS confiava no apoio do Bloco e do PCP para fazer passar as suas medidas no parlamento.
Em conjunto os três partidos tinham uma maioria parlamentar confortável, mas, o governo PS teria caído sem o apoio dos partidos à sua esquerda.
Isto representava uma oportunidade tremenda para o Bloco e e o PCP – mobilizando a sua base de trabalhadores e jovens chamando-os para a acção de massas sobre assuntos candentes tais como o problema da habitação, a continuação da politica do memorando da Troika de 2012 e as condições cada vez mais precárias do emprego, eles poderiam ter forçado o governo a dar uma resposta sobre estes assuntos.
Em vez disso assistimos a quatro anos de acordos parlamentares de bastidores, com o Bloco seguindo pequenos movimentos marginais e o PCP ignorando e em alguns casos hostilizando as lutas dos trabalhadores precarious.
Entretanto a habitação, as condições de vida e trabalho para a maioria dos portugueses foram se tornando cada dia mais frágeis.
A saúde continua a ser privatizada, a falta de investimento na educação levou a um dos maiores conflitos salariais no sector em toda a sua história, as rendas sobem em flecha colocando as cidades portuguesas entre as mais caras da Europa para alugar casa, facto que ainda é mais grave tendo em conta o baixo salário médio.
Foram levadas a cabo algumas reformas e reversões do memorando da troika, principalmente imediatamente a seguir às eleições de 6 de Outubro. Por exemplo restauraram-se as 35 horas semanais no sector público, os livros escolares, para algumas faixas etárias, ficaram gratuitos e, em Junho deste ano, foram fixados tectos para as rendas de casa – embora de tal maneira que o efeito prático para quem realmente necessita é zero. (https://www.marxist.com/portugal-housing-crisis-spreading-beyond-city-centres.htm)
O pouco alcance e a mitigada natureza de cada uma destas reformas do governo reflecte bem a timidez que os partidos de esquerda mostram quando se trata de defender os interesses de classe que supostamente representam.
Por outro lado podemos observar até onde vai a capacidade do PS de satisfazer a direita, quando se trata de satisfazer os interesses da classe dominante portuguesa e europeia, em várias privatizações que seguem o seu ritmo e no orgulho com que foi anunciado um quase equilibrado orçamento de 2017.
De facto, temos que lembrar que todas a concessões mínimas que foram dadas aos trabalhadores e à população mais pobre vieram num período de crescimento, embora frágil, da economia portuguesa. Crescimento económico significa que o governo tem alguma receita fiscal mais para poder usar. Mas, assim que a tendência inverter, o que provavelmente ocorrerá na próxima legislatura, poderemos ver mesmo estas pequenas concessões serem arrancadas aos trabalhadores.
As claques do PS
O Bloco e o PCP, de qualquer maneira, cantaram bem alto cada uma dessas concessões como uma vitória das suas estratégias de negociação parlamentar.
O PCP, em particular, espalha cartazes nos seus bastiões tradicionais de Lisboa e Alentejo, celebrando o seu papel nas medidas como os livros escolares gratuitos e ao mesmo tempo faz vista grossa aos movimentos que se desenvolvem nestas zonas em favor da habitação e coloca-se à margem das lutas dos trabalhadores que têm surgido ao longo do país.
O PCP tem raízes profundas na classe trabalhadora portuguesa desde o tempo das greves ilegais e semilegais de antes da revolução de 1974-75. Tem uma maioria clara dentro da CGTP – a maior central sindical em Portugal. Bastaria os seus líderes levantarem um dedinho para ser lançada uma campanha de massas por uma habitação decente e contra a precariedade do trabalho. Em vez disso utilizam o aparelho da CGTP para atacarem abertamente as greves dos estivadores não sindicalizados ou do sindicato SEAL não filiado na CGTP e para esfriarem as greves dos professores e dos profissionais do ensino através da FENPROF afiliada à CGTP.
Foi a abordagem do PCP a esta última luta que fez com que a esquerda aparecesse vergonhosamente débil quando em Maio tentou confrontar o governo no parlamento sobre a questão dos salários dos professores o que, a certa altura, levou o governo a ameaçar demitir- se. Uma vez que o PCP e o Bloco não fizeram qualquer esforço para criar um movimento de solidariedade nas ruas com a FENPROF e o STOP, o PS saiu reforçado deste embate tendo conseguido colocar uma parte de trabalhadores contra os restantes.
Vemos alguns líderes locais e activistas participando, a titulo individual, em algumas manifestações pelo direito à habitação, enquanto um dos seus vereadores é exposto como um especulador imobiliário.
O ano passado, a liderança do Bloco fez aprovar, numa conferencia do partido, uma moção sugerindo uma coligação com o PS nestas eleições.
Ao celebrarem os seus feitos no parlamento e ficarem relativamente passivos fora deste os dois partidos à esquerda do PS acabam actuando como os maiores apoiantes do governo. Sendo assim afastaram de si potenciais novos eleitores e facilitaram que o crédito pelos pequenos aumentos salariais e pela criação de emprego vá inteiro para o PS.
O que se passará nas eleições?
Tudo indica que o PCP, punido pela sua inépcia em liderar os trabalhadores organizados, poderá perder até dois pontos percentuais dos votos recebidos em 2015 tal como já aconteceu nas Europeias de Maio. Sendo Embora existam boas políticas em seu programa – como a elevação do salário mínimo em 40% e a reabertura de alguns serviços público fundamentais tal como centros de saúde fechados a partir de 2012 – sabem a pouco e vêm tarde e a más horas.
Na esteira da linha reformista do actual governo, muitas das suas propostas são inadequadas ou muito limitadas – em vez de limitar as contas domésticas e renacionalizar os serviços públicos, reduzindo o IVA nas contas de serviços públicos; em vez de oferecer creche gratuita para todos, creche gratuita para qualquer pessoa nascida a partir de 2020; em vez de transporte público gratuito agora ou em uma data fixa, “Visando a gratuitidade dos transportes colectivos”. Elas apenas pretendem apaziguar os trabalhadores ao mesmo tempo que não ferem os interesses dos patrões.
O problema é que os trabalhadores já não confiam que eles sejam capazes de lutar por estas medidas mesmo na versão mitigada que apresentam e muito menos pela sua realização plena.
O programa do Bloco pode ser resumido no seu slogan “uma economia para todos” – incluindo os patrões ao que parece.
É típico dos políticos portugueses apresentarem uma linguagem radical mesmo quando os interesses de classe e as politicas reais não correspondem com essa linguagem, assim é significativo que o slogan de um partido que se apresenta à esquerda do governo em Portugal soe consideravelmente mais à direita do slogan do Partido Trabalhista Britânico – “ Para a grande maioria, não para uns poucos”.
O Bloco ficará satisfeito se mantiver os 10%/11% de 2015. Na verdade isto representará um passo atrás tendo em consideração a posição de força em que o partido se encontrou, a seguir às eleições, em relação ao governo.
Dada a relativa estabilidade e o crescimento económico que caracterizaram o período da governação do PS, bem como a fraca oposição às suas políticas anti operárias, o PS será o maior partido no parlamento a seguir às eleições de 6 de Outubro.
No entanto as sondagens sugerem que ficará aquém da maioria absoluta, recebendo aproximadamente a mesma percentagem de votos que o PSD recebeu em 2015.
O PSD perde bastante apoio eleitoral uma vez que os eleitores estão bem lembrados do seu último governo, no início da década impondo, contra eles, as piores medidas de austeridade.
O facto que o PS manteve, na sua maioria, estas medidas, traduz-se em que não seja unanimemente popular.
A mudança que veremos em relação a 2015 será essencialmente que alguns eleitores mudarão para o PS vindos do PSD.
Aqueles que têm sido mais atingidos pela austeridade, pela precariedade e pela crise na habitação aumentarão provavelmente o número de abstencionistas, ao mesmo tempo que alguns trabalhadores abandonaram compreensivelmente o PCP dada a sua tíbia liderança ao mesmo tempo que apoiava o governo.
Sem uma maioria tudo indica que o PS, uma vez mais com um governo minoritário, se apoiará no Bloco no parlamento.
Isto serve o primeiro-ministro António Costa que está bem ciente que a próxima legislatura não será tão estável como a que terminou.
De facto o programa do PS alerta explicitamente para uma possível crise europeia trazida pelo Brexit ou por algum outro catalisador que afectaria negativamente a economia portuguesa.
Tudo indica que estão já a preparar a população para medidas adicionais de austeridade no futuro.
Neste cenário o PS usará o Bloco como uma cobertura de esquerda para legitimação para os cortes, ao mesmo tempo terá cativo um potencial ponto de apoio para um movimento de massas contra esses cortes.
Dada a história recente do Bloco nestes últimos quatro anos o PS tem boas razões para se sentir feliz com estes resultados.
No entanto se o Bloco e o PCP aprenderem as lições destas eleições e começarem a apelar à acção dos trabalhadores em oposição firme à continuação das politicas do memorando e contra mais compromissos com a classe dominante, poderão então ganhar a liderança desse movimento de massas, independentemente da sua força no parlamento.
A esquerda deve rapidamente aprender dos seus erros uma vez que a calme que antecede a tempestade pode acabar em breve.