No dia 21 de agosto, o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela (TSJ) resolveu depor a atual direção de Pátria para Todos (PPT), outorgando o controle legal do partido a uma fração minoritária. Este é um outro caso escandaloso de intervenção estatal nos assuntos das organizações de esquerda, que só se pode interpretar como uma resposta à formação da Alternativa Popular Revolucionária (APR), que vai se apresentar nas eleições de dezembro à Assembleia Nacional.
No início de agosto, uma série de partidos e organizações de esquerda anunciou a criação da Alternativa Popular Revolucionária, entre eles se encontravam o Partido Comunista (PCV), o Partido Revolucionário do Trabalho (PRT), a seção venezuelana da CMI Lucha de Clases e outros. O objetivo era disputar as eleições à Assembleia Nacional de 6 de dezembro independentemente do PSUV e com base em um programa de defesa dos interesses dos trabalhadores e camponeses e contra o imperialismo. Tanto o PCV quanto o PPT estavam anteriormente em aliança (GPP) com o PSUV e se apresentaram em conjunto com este último nas eleições, incluindo as presidenciais de 2018.
A decisão de lançar a APR contava com a oposição da ala direita do PPT, adaptada completamente às políticas da direção do PSUV e do governo. Depois que o PPT já havia tomado a decisão de lançar a APR, no final de julho, este setor, liderado por Ileana Medina e William Rodríguez, manteve uma reunião secreta com Jorge Rodríguez, da cúpula do PSUV, para discutir um possível apoio do PPT ao PSUV nas eleições de dezembro. A reunião foi um caso escandaloso de negociação por cargos. Quando Jorge Rodríguez lhes perguntou sobre o que pediam em troca, os dois representantes da direita do PPT responderam que queriam 18 postulações a deputado à Assembleia Nacional com seus suplentes! Jorge Rodríguez respondeu que isso significava 7% dos deputados bolivarianos da AN e que era “muito”. Mas, logo, em uma chamada posterior, Rodríguez pediu a Ileana Medina “que enviasse uma lista de postulantes”. A discussão não era sobre política, mas sobre deputados na assembleia.
Posteriormente, na quinta-feira, 20 de agosto, a direita do PPT apresentou uma denúncia ante o Tribunal Supremo de Justiça. A alegação era que se havia violado o processo interno de tomada de decisões no partido, onde se supõe que a direção deve tomar decisões por consenso, mas, neste caso, o fizeram por maioria. A verdade do caso é que esta oposição de direita interna é minoritária na direção nacional e nas fileiras do partido em seu conjunto, que celebrará sua assembleia nacional dentro de um mês.
Incrivelmente, o TSJ determinou, dentro de 24 horas, a suspensão da Direção Nacional do PPT e nomeou uma Junta Diretora ad hoc para se encarregar do partido. A Junta Diretora ad hoc está integrada exclusivamente pelos que interpuseram a denúncia e tem o controle da “cédula eleitoral, do logotipo, símbolos, emblemas, cores” do PPT. Esta é a questão crucial. Para poder inscrever candidatos às eleições de dezembro, os partidos devem ter sua cédula eleitoral em vigor. Agora, os candidatos do PPT, inscritos provisoriamente, serão declarados nulos, impedindo assim que o PPT faça parte oficialmente da Alternativa Popular Revolucionária. Ademais, se a situação não for revertida, a direita do PPT, agora no comando, chegará a uma aliança com o PSUV, e assim todos os que votarem pelo PPT nas eleições estarão dando seus votos a essa aliança e não à direção legítima do partido.
Esse tipo de truque legal já foi utilizado contra candidatos revolucionários de esquerda nas eleições locais de dezembro de 2017.
Além disso, em outros dois partidos de esquerda foram dados golpes a favor de frações minoritárias através da intervenção do TSJ. No dia 18 de agosto, o TSJ destituiu a direção eleita de Tupamaros (MRT), partido que faz parte do governo, e nomeou uma Junta Diretora ad hoc sob o controle de um grupo rival. O conflito nos Tupamaros se dá entre os simpatizantes de Hipólito Abreu (ministro dos Transportes), que estão a favor de uma aliança mais estreita com o PSUV e apoiam as políticas do governo, e os que têm uma linha mais crítica. A Direção Nacional do partido, em janeiro, derrotou os partidários de Abreu. O TSJ depôs agora essa direção e entregou o partido a Wiliams Benavides, deputado da Assembleia Nacional pelo PSUV e partidário do ministro Abreu. Também houve intervenção estatal no caso da UPV (o partido da falecida Lina Ron). Em ambos os casos, a direção desses partidos perdeu o controle de sua cédula eleitoral. A UPV (agora sob a denominação de Somos Lina) se somou a APR, enquanto Tupamaros até agora declinou, mas estava considerando apresentar seus próprios candidatos independentes.
Assim que essas decisões judiciais foram tomadas, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) anunciou que adiava o prazo para a inscrição de candidatos às eleições de dezembro de 19 de agosto até o dia 26 de agosto. Isto, naturalmente, permitirá às Juntas ad hoc, recém-impostas, tanto do PPT quanto de Tupamaros, inscrever seus próprios candidatos e chegar a acordos com o PSUV.
Ademais, o Partido Comunista emitiu um comunicado público denunciando que, no dia 18 de agosto, a polícia secreta SEBIN foi à sede do Partido Comunista em Puerto Cabello, em uma ação operativa que qualificou de “rotineira”. O PCV advertiu que “não se intimidará”.
No dia 19 de agosto, Rafael Uzcátegui, secretário-geral do PPT, havia sido convidado a uma entrevista no canal de televisão Globovisión. A entrevista foi cancelada no último minuto sem qualquer explicação.
De tudo isto, é difícil não tirar a conclusão de que o aparato estatal está agindo para evitar ou dificultar que a APR se apresente às eleições e que o faça em pé de igualdade. Este é um escândalo total e uma violação das regras democráticas básicas. Em primeiro lugar, as organizações de esquerda e da classe trabalhadora deveriam estar livres da intervenção estatal em seus assuntos internos. Em segundo lugar, a intervenção é completamente antidemocrática visto que depõe uma liderança eleita em favor de um grupo minoritário. Finalmente, a intervenção tem uma clara motivação política, pois depõe os que estão a favor de uma linha crítica e independente do PSUV e do governo.
A direção nacional do PPT emitiu um comunicado pedindo o apoio e a solidariedade dos partidos e organizações de esquerda em nível internacional. A Corrente Marxista Internacional deseja expressar nossa mais enérgica condenação às ações do TSJ e exigimos a revogação imediata dessa decisão antidemocrática. Enviamos uma saudação solidária e revolucionária à direção nacional eleita do PPT e ao seu secretário-geral Rafael Uzcátegui.
A luta por construir uma alternativa revolucionária na Venezuela, para lutar em defesa dos direitos dos trabalhadores, pela reforma agrária, pelo socialismo e contra o imperialismo continua, independentemente das ameaças e da intervenção estatal.