No fim da semana, o movimento de protesto que abala o regime tailandês há meses desferiu seu golpe mais poderoso até agora.
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Dezenas de milhares de pessoas, na maior manifestação desse movimento até hoje, marcharam sobre o Grande Palácio de Bangkok. A manifestação começou no sábado, mas os manifestantes acamparam durante a noite em Sanam Luang (Campo Real) em frente ao palácio, desafiando as ordens da polícia para se dispersar.
Na manhã de domingo, os manifestantes colocaram uma placa diante do palácio que declarava “Este país pertence ao povo e não é propriedade do monarca porque nos enganaram”. Um dos líderes do protesto atravessou uma linha policial para entregar uma carta a um comissário da Guarda Real, exigindo uma reforma fundamental da monarquia. Os manifestantes gritavam “Abaixo o feudalismo, viva o povo”. Um dos líderes se dirigiu ao rei diretamente em um discurso: “Eu sou um do povo, que você pode ver como mera poeira sob seus pés. Eu gostaria de dizer a você que poeira como nós também tem direitos e vozes”. O que essas palavras refletem é o sentimento de raiva e indignação entre os trabalhadores e os pobres da Tailândia.
Por décadas, a classe dominante tailandesa, chefiada pelo exército e pela monarquia, governou impunemente. Mas agora a maré está mudando e as massas estão começando a lutar. As implicações revolucionárias disso são evidentes para todos.
Monarquia podre
Os protestos atuais são sem precedentes. Eles começaram em julho como resultado de escândalos de corrupção, da dissolução do partido liberal Future Forward pelo Estado e da pandemia de coronavírus que deu destaque à extrema desigualdade social da Tailândia. O que começou como protestos estudantis exigindo a dissolução do parlamento, o fim do assédio a ativistas pró-democracia e uma nova constituição transformou-se em um desafio direto à família real anteriormente considerada intocável.
Desafiar a monarquia é uma coisa séria na Tailândia. Em 2015, os promotores de justiça ameaçaram um homem com 15 anos de prisão por compartilhar fotos, on-line, do cachorro do rei de forma zombeteira. Durante décadas, a monarquia foi um pilar fundamental do Estado tailandês, usada para justificar golpes e corrupção. As críticas ao poder real são críticas a todo o sistema tailandês, e o ataque contínuo à sua autoridade está se tornando muito sério.
Quando as primeiras críticas à monarquia foram levantadas por este movimento de protesto, elas dispararam estridentes sinais de alerta para a classe dominante tailandesa. Em agosto, em um comício na Universidade Thammasat, os manifestantes leram um programa de 10 pontos para a reforma da monarquia. As demandas incluíam a permissão para que o parlamento investigasse quaisquer irregularidades da monarquia, a permissão de críticas à monarquia, a proibição de a monarquia expressar qualquer opinião política e o ajustamento do orçamento nacional da monarquia às condições econômicas do país. Esta foi uma escalada importante e sem precedentes nas demandas dos manifestantes.
A inclusão da monarquia na equação criou uma séria dor de cabeça para o regime tailandês. O primeiro-ministro e líder do golpe de 2014, Prayuth Chan-ocha, que deve muito da pouca autoridade que tem ao apoio real, disse que consideraria algumas das demandas dos manifestantes, mas que a monarquia deve ser deixada de fora da discussão.
Cerca de 28 líderes do protesto foram presos e acusados de crimes como sedição. Mais de 2.200 sites e contas de mídia social criticando a monarquia foram fechados antes da manifestação deste fim de semana. De acordo com a organização Advogados pelos Direitos Humanos, a polícia apreendeu milhares de panfletos com reivindicações sobre a monarquia, distribuídos neste final de semana.
O primeiro-ministro pediu repetidamente aos manifestantes para não “invadirem o palácio” e sugeriu medidas severas para reprimir aqueles que criticam a monarquia, alertando que a Tailândia seria “envolvida em chamas” se os protestos fossem longe demais.
Mas nada disso funcionou. Os manifestantes estão cada vez mais colocando suas críticas à monarquia na frente e no centro deste movimento, como mostrou a marcha deste fim de semana sobre o palácio. Outra demanda que agora foi levantada é o boicote do Siam Commercial Bank, um dos maiores do país, no qual o rei detém 23,4 por cento do capital. Eles estão chamando isso de “pote de dinheiro do feudalismo” e pedindo às pessoas que retirem seu dinheiro e queimem seus talões de cheque.
O resultado é a paralisia por parte do governo tailandês. Sua estratégia até agora tem sido a de tentar dar tempo aos manifestantes, deixar que o movimento perca o ímpeto e depois avançar com a repressão. Mas quanto mais fazem isso, mais radical o movimento se torna. A raiva contra a família real só está aumentando. A cada passo, à medida que o movimento ganha confiança, suas demandas se tornam mais ousadas e revolucionárias. Slogans como “abaixo o feudalismo” estão a apenas um passo de “abaixo a monarquia”, e sem a monarquia, o regime militar-burocrático realmente não tem como manter sua posição.
O regime é fraco. Um empurrão poderia derrubar a monarquia, o governo e todo o sistema.
No fim da semana, os manifestantes convocaram uma greve geral para 14 de outubro: o aniversário da revolta estudantil de 1973. Claramente, a perspectiva deles é de escalada – não estão recuando diante das ameaças do regime. Trazer a classe trabalhadora para essa luta, iniciada pelos estudantes, seria decisivo para derrubar o regime.
Para ter sucesso, esta greve geral deve ser bem preparada. Comitês gerais de ação de greve devem ser estabelecidos em cada cidade e em cada local de trabalho. A agitação sistemática nos locais de trabalho é necessária e um esforço coordenado para mobilizar as organizações de trabalhadores é essencial. Este é o trabalho que os manifestantes devem organizar nas próximas três semanas.
Mas a parte mais importante dessa preparação é política. Em torno de quais demandas essa greve geral deve ser mobilizada? Demandas claras e ousadas são a melhor arma de mobilização da classe trabalhadora.
O programa de reivindicações de 10 pontos, promovido pelos manifestantes atualmente, cortaria as asas da monarquia. São reformas que marcariam um grande e sem precedentes passo à frente para as massas tailandesas. Mas o clima de raiva está rapidamente substituindo o programa e criando condições maduras para demandas pela abolição total da monarquia. A família real é um parasita sugador de dinheiro que não contribui em nada para a sociedade tailandesa, exceto a corrupção, a violência e os ataques à democracia. Por que precisamos de um rei afinal?
Há necessidade de uma direção política clara e ousada para construir a greve geral. A ligação entre a monarquia, o governo e a classe capitalista da Tailândia deve ser destacada e explicada. Na realidade, essa relíquia feudal é o pilar mais forte do sistema capitalista. Uma luta consistente pela democracia e contra a monarquia só pode ser a luta contra a classe capitalista como um todo.
Uma questão de direção
Mas quanto mais ousados e confiantes se tornam os jovens, os trabalhadores e os camponeses, mais seus líderes vacilam. As atuais figuras oficiais à frente do movimento de protesto ainda não estão fornecendo a liderança necessária. Panupong Jadnok foi um dos quatro líderes que levantaram inicialmente a questão da monarquia neste movimento de protesto. No fim da semana, em um discurso para a multidão, ele disse: “Estamos lutando para colocar a monarquia no lugar certo, não para aboli-la”. Outro líder, Parit Chiwarak, declarou que: “A maior vitória de todas é que pessoas comuns como nós podem enviar uma carta à monarquia”. Isso indica a estreiteza com que os líderes estão atualmente abordando a questão do poder real.
Essas declarações são um reflexo, dentro do movimento, da abordagem de liberais burgueses, como os que estão no topo do novo partido Future Forward, e dos Red Shirts [Camisas Vermelhas], que se juntaram aos protestos no fim de semana e cuja liderança e aliados parlamentares repetidamente mostraram-se incapazes de remover o regime.
Devemos romper com esses elementos da sociedade tailandesa e sua influência. A classe trabalhadora, aliada aos camponeses e pobres urbanos, pode derrubar este regime usando sua própria força. Eles não precisam de liberais burgueses, de uma “monarquia constitucional” ou de qualquer outra coisa para serem capazes de governar suas próprias vidas.
Anos de corrupção, opressão e exploração prepararam uma grande explosão social. Ao contrário dos liberais, as massas nada têm a perder com a queda do regime. Para eles, o sistema atual não oferece nada além de sofrimento e dor sem fim. A revolução está logo abaixo da superfície. Os trabalhadores, os jovens, os camponeses e os pobres dão todos sinais de que estão prontos para entrar na cena da luta. Uma vez que isso aconteça e as massas comecem a se mover, nem o rei, nem o aparelho de Estado, nem o exército serão capazes de detê-las.