Nós, da corrente Lucha de Clases, seção espanhola da Corrente Marxista Internacional, rechaçamos a prisão de Carles Puigdemont[1] na Alemanha e exigimos sua imediata libertação, assim como dos cinco líderes pró-independência detidos na sexta-feira, dia 23 de março de 2018, incluindo o último candidato à presidência da Generalitat[2], Jordi Turull, além dos demais presos políticos catalãs.
Todo nosso apoio e simpatia estão com as dezenas de milhares de jovens, trabalhadores e cidadãos em geral que saíram valentemente às ruas da Catalunha no fim de semana dos dias 24 e 25 de março, sobretudo no domingo, para defender a liberação de todos os presos políticos catalães e os direitos democrático-nacionais do povo catalão, começando pelo direito do Parlament[3] catalão de eleger o presidente da Generalitat sem a intromissão do governo central da Espanha.
Sua luta é uma inspiração para todos os trabalhadores, jovens, mulheres, aposentados e desempregados do restante da Espanha que padecem e enfrentam as políticas repressivas e antissociais da direita espanhola e de seu aparato estatal reacionário.
No domingo, dia 25 de março, ocorreram manifestações, bloqueios de rodovias e fortes enfrentamentos com os Mossos d’Esquadra[4], com uma centena de feridos e vários detidos. Como nas mobilizações anteriores, os Comitês de Defesa da República (CDR)[5] desempenharam um papel mais ativo nos protestos. Também ocorreram significativas concentrações e protestos no País Basco e em Pamplona.
A detenção de Puigdemont ocorre justamente depois da prisão na sexta-feira de Turull, dos ex-conselheiros Josep Rull, Raül Romeva e Dolors Bassa e de Carme Forcadell, ex-presidente do Parlament. Parece claro que o juiz reacionário do Tribunal Supremo, Pablo Llarena, reativou a ordem de prisão internacional contra Puigdemont e os demais líderes pró-independência exilados no momento em que o primeiro viajava da Bélgica para a Finlândia, sabendo que em sua viagem de regresso ele passaria por países com um código penal mais repressivo, como é o caso da Alemanha, onde não existe a sensibilidade para a questão nacional que há na Bélgica e que tem uma figura jurídica similar à de rebelião em seu código penal. Sobretudo, o regime espanhol confia na estreita relação que existe entre as burguesias alemã e espanhola e seus respectivos aparatos de Estado para que se atenda ao pedido de extradição. Deve estar havendo pressões do mais alto nível para que isso aconteça.
O atropelo dos direitos democráticos na Catalunha e de seu Parlament eleito pelo povo catalão é escandaloso. Puigdemont, Jordi Sánchez e Jordi Turull foram eleitos deputados do Parlament por voto popular, gozavam de todos os seus direitos políticos para ser eleitos presidentes da Generalitat. Llarena e o Tribunal Constitucional, encorajado pelo regime, pisoteiam todos esses direitos, distorcendo as próprias leis burguesas à vontade para impedir a posse desses três candidatos e de outros hipotéticos candidatos acusados, também eleitos membros do Parlament, como Rull ou Romeva.
O Estado espanhol aumenta, assim, o cerco ao movimento pró-independência, pretendendo humilhá-lo e se vingar dele para que sua afronta não fique impune e sirva de lição para todos aqueles que, dentro ou fora da Catalunha, ousem desafiar o regime. Como declarou corretamente o presidente do Parlament, Roger Torrent, na noite do dia 25 de março: “O Estado está atacando o coração da democracia, fazendo uma inquisição contra seus adversários políticos e está enfurecido com a Catalunha, transformando-a em um laboratório para poder perseguir a dissidência em todos os lugares”.
Há outro elemento presente na situação que explica esse novo ataque repressivo. Depois de meses de overdose nacionalista espanhol reacionária, o ambiente na Espanha experimentou uma brusca mudança, com a irrupção de protesto social de milhões de aposentados, mulheres e trabalhadores que inundaram as ruas do país neste mês de março. Há um reavivamento claro da luta sindical, cujo último exemplo excelente foi a magnífica greve de 48 horas dos trabalhadores da Amazon em Madri. Há poucos dias, o secretário-geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT)[6], Pepe Álvarez, falou pela primeira vez depois de anos de silêncio das cúpulas sindicais sobre a possibilidade de convocar uma greve geral. Como céticos que somos da vontade real dessas lideranças de levar isso adiante de maneira imediata, é sim muito significativo que comecem a mencioná-lo nominalmente, sentindo a pressão vinda de baixo. Há fúria contra as condições laborais e contra os aluguéis impossíveis de serem pagos por centenas de famílias trabalhadoras, devido à especulação imobiliária. O governo do Partido Popular (PP)[7] perdeu toda a sua credibilidade, inundado por seus casos de corrupção e pela falta de vergonha de seus representantes. Somente é sustentado com o apoio ativo do Ciudadanos[8] e o apoio passivo da direção do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). O último “caso” do falso mestrado obtido pela presidente da Comunidade de Madri, Cristina Cifuentes, foi a gota que transbordou o copo. Precisam parar essa fúria e desviar a atenção das famílias trabalhadoras de seus problemas esmagadores. Como no passado recente em que se usava a questão nacional basca e o ETA[9] para desviar a atenção dos problemas sociais, agora querem usar a questão nacional catalã para desviar a luta que empreenderam milhões e para formar uma falsa frente de “unidade nacional” contra os direitos democrático-nacionais da Catalunha.
A esquerda espanhola não pode permanecer de braços cruzados nessa situação. Deve sair publicamente e denunciar em alto e bom tom a repressão aos direitos democráticos na Catalunha, que está submetida a um estado de exceção, e mobilizar na rua. Tem que seguir o exemplo da Esquerda Unidade (IU)[10] em Madri, que exigiu claramente a liberdade dos presos políticos catalães e da eurodeputada Marina Albiol, que se pronunciou a favor da mobilização. Os dirigentes do Unidos Podemos devem abandonar sua covardia e deixar de pensar em seus interesses de aparato e nas arrecadações eleitorais de 2019. É falso que a defesa do direito de autodeterminação da Catalunha cubra os conflitos sociais, como argumentam. É justamente o contrário, com a desculpa de “combater o separatismo catalão” as burguesias espanhola e catalã pretendem silenciar e adormecer as reivindicações sociais e laborais: “Não exija aumento das pensões, não exija trabalho e salário dignos, não reclame salário igual para homens e mulheres, não demande aluguéis sociais e acessíveis para as famílias trabalhadoras. Tudo deve parar, porque nosso principal inimigo é o separatismo catalão. Unamo-nos todos, espanhóis, não veem que estamos no mesmo barco? Ao inferno com suas demandas sociais e laborais. Seus salários, pensões e direitos sociais têm que esperar, porque a Espanha vem primeiro”. Sim, para eles os benefícios fabulosos dos grandes empresários e banqueiros, sua corrupção e sua exploração desenfreada contra a classe trabalhadora vêm primeiro. Aqui a frase de Marx faz todo o sentido: “Um povo que oprime a outro não pode ser um povo livre”.
Apoiar ou menosprezar a repressão do Estado contra a maioria do povo catalão desune, divide e distancia a classe trabalhadora espanhola dos trabalhadores catalães. O que nos une são as lutas e mobilizações como as do 8 de Março[11] e as dos aposentados. E a isso adicionamos: o apoio ao exercício dos direitos democráticos do povo catalão, começando pelo direito à livre autodeterminação, como no referendo de 1º de outubro de 2017[12].
O que ficou claro é que a intenção de exercer esse direito de autodeterminação por vias democrático-burguesas foi dinamitado pelo Estado espanhol. A autonomia catalã está sob intervenção, o Parlament foi dissolvido por Madri, aqueles que impulsionaram o referendo estão presos ou exilados, dezenas mais enfrentam acusações de rebelião, sedição, entre outras. Só por meios revolucionários se poderá colocar em prática esse direito de maneira efetiva.
Sem dúvida, a maioria da juventude catalã e uma parte significativa da classe trabalhadora desejam com ardor a República Catalã, manifestando isso no referendo de 1º de outubro e defendendo-o agora na rua. Anseiam com isso estabelecer um regime verdadeiramente democrático, livrarem-se de um Estado opressivo que aprisiona a quem se expressa livremente nas redes sociais ou por meio de expressões artísticas e que humilha o sentimento nacional catalão. Desprezam um aparato estatal (judicial e policial) repleto de franquistas e reacionários, com um chefe de Estado não eleito, cuja legitimidade remonta ao regime de Franco, que escapa de todo o controle da população e se põe à frente da repressão contra seu povo. Desejam libertar-se da tutela de uma oligarquia parasitária de banqueiros e grandes empresários que acumulam fortunas com o suor dos trabalhadores. Todos esses anseios são democráticos, têm um claro conteúdo revolucionário e merecem todo nosso apoio e simpatia.
A burguesia catalã mostrou sua verdadeira face e se alinhou completamente a Madri, chantageando os trabalhadores com o fechamento de empresas caso avance para a independência. Isso demonstra que uma luta consequente pela República Catalã só pode tomar corpo como um luta anticapitalista.
A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC)[13] e o Juntos pela Catalunha (JxCat)[14] apostaram tudo em medidas institucionais e aceitaram todas as imposições do Estado espanhol na investidura do presidente da Generalitat: não empossar Puigdemont, não empossar Sánchez, não empossar Turull e assim por diante. Mostram-se satisfeitos com a simples proclamação de uma república simbólica sem conteúdo real e confiam que essa seja a base jurídica para tirar os presos do cárcere. Não propõem uma saída real à situação.
Do nosso ponto de vista, a Candidatura da Unidade Popular (CUP)[15], os CDR, os republicanos confederados como Albano Dante e outros, que representam todo eles a esquerda do movimento, devem aprofundar sua posição de vincular a luta pela República Catalã com o socialismo, sacudindo a tutela da ERC e do JxCat mais claramente e aspirando liderar o movimento.
Óbvio que estamos de acordo com as iniciativas proclamadas na Catalunha de formar uma frente única contra a repressão estatal, à qual se comprometeram a ERC, o JxCat, a CUP e os Comunes, mesmo que isso não tenha passado do plano parlamentar. O Presidente do Parlament, Torrent, declarou que tratará de juntar esforços com organizações soberanistas, sociais e sindicais para dar uma resposta contundente à repressão. Nas ruas da Catalunha gritava-se pela greve geral e pelo direito do Parlament de eleger o presidente da Generalitat. Estamos de acordo com tudo isso e apoiamos. Contudo, não apoiamos que o objetivo dessa frente parlamentar, como defendem os dirigentes da ERC, dos Comunes e de um setor do JxCat, seja assegurar um governo da Generalitat “efetivo” e dentro dos marcos do Artigo 155, aceitando as limitações antidemocráticas impostas pelo Estado. Defendemos que Puigdemont (ou qualquer outro dirigente processado) possa ser empossado, caso esse seja o desejo e a vontade da maioria do Parlament, e que tal fato seja defendido nas ruas por meio da mobilização popular.
Já deixamos clara nossa crítica à direção nacional do Unidos Podemos por não chamar à mobilização ativamente contra a repressão. Mas apesar disso, a esquerda independentista deve tomar a iniciativa e fazer um chamado ao Unidos Podemos e à classe trabalhadora espanhola, começando por sua camada mais progressista. Deve fazer todos os esforços possíveis para atraí-los para a luta e criar pontos de apoio em seu cerne, fazendo-lhes ver que a luta pela República Catalã é parte da luta contra o regime monárquico de 1978 e contra o sistema capitalista no conjunto da Espanha. Ainda mais, essa seria a melhor maneira de encontrar um eco favorável no setor da classe trabalhadora catalã que não apoia a independência, caso se convença de que sua incorporação à luta servirá para estender o movimento entre seus irmãos do resto da Espanha. Se a burguesia espanhola tira sua força da falsa “unidade nacional” entre as classes, é tarefa dos socialistas revolucionários tratar de romper essa falsa unidade, incorporando reivindicações que unam todos os explorados e mostrem os interesses irreconciliáveis da burguesia e da classe trabalhadora. É necessário estender o exemplo do grupo de solidariedade nascido dentro do movimento pró-independência catalão com a luta dos vizinhos da Múrcia, que lutam pelo aterramento das linhas do AVE[16] e que foram brutalmente reprimidos pela polícia.
Sem renunciar aos objetivos e ao próprio programa de cada um, a esquerda pró-independência catalã, a esquerda espanhola e todos os progressistas e democratas consequentes do conjunto da Espanha devem organizar uma frente única de luta contra a repressão e em defesa dos direitos democráticos sobre a base dos seguintes pontos:
- Retirada imediata dos efeitos do Artigo 155 na Catalunha;
- Liberdade dos presos políticos, catalães e do restante da Espanha. Retirada das acusações e denúncias contra todos os ativistas e membros dos CDR acumuladas ao longo dos meses de luta;
- Que o Parlament da Catalunha eleja livremente o presidente da Generalitat que deseja a maioria. Fora a intervenção do aparato judicial nas instituições catalãs!
- Fora a lei da mordaça e as demais leis reacionárias do código penal espanhol;
- Fora o regime de 1978. República para catalães e espanhóis;
- Mobilizações em toda a Espanha em defesa dos direitos democráticos.
Isso deveria ser completado com as reivindicações sociais e laborais mais sensíveis da classe trabalhadora:
- Revogação da contrarreforma da lei trabalhista;
- Não à reforma das aposentadorias. Reajuste das aposentadorias com o IPC;
- Trabalho igual, salário igual;
- Pela greve geral;
- Abaixo o governo do PP-Ciudadanos.
No curso da luta, sem se impor sobre o movimento e apelando à sua maturidade, avaliamos propor a palavra de ordem de formar Comitês de Defesa da República em toda a Espanha, nos bairros, povoados, universidade e, onde seja possível, nas empresas, como organismos que possam aglutinar e organizar a luta contra o regime de 1978 e sua monarquia.
Por uma Frente Antirrepressiva Republicana na Catalunha e no restante da Espanha! Abaixo o governo do PP-Ciudadanos! Fora o regime monárquico de 1978 e seu aparato de Estado! Greve geral!
Artigo originalmente publicado em publicado em 26 de março de 2018 no site Lucha de Clases, seção espanhola da Corrente Marxista Internacional (CMI), sob o título “¡Por un Frente Antirrepresivo Republicano en Catalunya y el Estado español! ¡Fuera el régimen del 78!”.
Tradução de Nathan Belcavello de Oliveira
[1] Presidente da Catalunha destituído pelo governo central da Espanha por ter feito a Declaração de Independência da Catalunha, resultado do referendo de 1º de outubro de 2017. Líder do Parti Demòcrata Europeu Català (Partido Democrata Europeu Catalão – PDeCAT), partido burguês da Catalunha. Acerca do referendo, leia o artigo “Espanha: A rua toma em suas mãos a defesa do referendo e do autogoverno da Catalunha” – Nota do Tradutor (N.T.).
[2] Poder Executivo da Comunidade Autônoma da Catalunha (N.T.).
[3] Poder Legislativo da Comunidade Autônoma da Catalunha (N.T.).
[4] Força de segurança pública da Catalunha (N.T.).
[5] Surgidos durante o referendo de 1º de outubro (N.T.)
[6] Unión Genreal de Trabajadores, fundada em 1888 no Congresso Operário de Barcelona, juntamente com o Partido Socialista Obrero Español – Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) – , atualmente um partido reformista socialdemocrata (N.T.).
[7] Partido de direita e atualmente no governo da Espanha (N.T.).
[8] Partido de la Ciudadanía – Partido da Cidadania –, fundado em 2006 (N.T.).
[9] Euskadi Ta Askatasuna – Pátria Basco e Liberdade –, organização de luta pela independência do País Basco da Espanha e da França fundado em 1958 que optou pela luta armada e atentados, principalmente, contra o governo espanhol, mas que desde 2011 cessou sua atividade armada (N.T.).
[10] Izquierda Unida, partido que, juntamente com o Podemos, faz parte da coligação Unidos Podemos (N.T.).
[11] Acerca da grande mobilização no Dia Internacional da Mulher leia “Espanha: Greve de 8 de março, ‘quase uma revolução’” (N.T.).
[12] Acerca do referendo leia o “Comunicado da Corrente Marxista Internacional sobre o referendo da independência catalã” (N.T.).
[13] Esquerra Republicana de Catalunya, partido fundado em 1931 (N.T.).
[14] Junts per Catalunya, coligação eleitoral de centro-direita formada para as eleições de 2017 e liderada por Puigdemont (N.T.).
[15] Candidatura d’Unitat Popular, partido político catalão fundado em 1986 (N.T.).
[16] Trens de alta velocidade na Espanha (N.T.).