No domingo, 13 de maio, milhares de pessoas compareceram à manifestação pública do Movimento de Defesa Pashtun (PTM) em Karachi. Junto ao enorme comparecimento da população pashtun, homens e mulheres comuns das nacionalidades baloch, sindhi e mohajir também fizeram parte.
A reunião continuou até tarade da noite, uma vez que Manzoor Pashteen, líder do PTM, chegou tarde. Ele foi impedido de embarcar no avião de Islamabad a Karachi em 12 de maio e teve que viajar por terra. No caminho, foi detido diversas vezes e sua identidade checada em vários pontos para desencorajar sua viagem. Isso tornou sua jornada ainda mais longa. Além disso, automóveis não-identificados o seguiam de forma ameaçadora. Mas, apesar de todas as dificuldades, ele finalmente chegou ao local da manifestação após uma viagem de 40 horas e se dirigiu ao encontro. Os organizadores da manifestação anunciaram que continuariam até a chegada de Pashteen, mesmo que tivessem de esperar até a manhã seguinte.
Em Karachi, várias medidas foram tomadas para interromper a manifestação. Primeiro, a data teve que ser trocada, visto que outros partidos políticos (PPP, ANP e PTI) anunciaram manifestações para o mesmo dia. Essa foi uma clara tentativa de sabotagem por parte dos partidos (ligados ao establishment) que não queriam que a reunião fosse adiante. O PTM foi então forçado a mudar o local da reunião de Jinnah Bagh para a Praça Al-Asif, em Sohrab Goth. Jinnah Bagh fica no centro da cidade e as pessoas comuns poderiam chegar com bastante facilidade. O PPP realizou sua reunião em Jinnah Bagh em 12 de maio, embora não tenha conseguido realizar uma grande manifestação, apesar de se utilizar de todos os recursos do governo Sindh (que governou durante os últimos 10 anos) e apesar de ter despejado milhões de rupias em publicidade e arranjos. O PTM foi forçado a mudar seu local para um local mais afastado da cidade.
Além disso, foi lançada uma campanha de assédio e intimidação por toda Karachi nas semanas anteriores à manifestação. Mais de 150 militantes e trabalhadores políticos envolvidos na preparação da reunião foram sequestrados e processos legais foram abertos contra alguns deles. Esses processos incluíam acusações de sedição e terrorismo. No dia da manifestação, as principais estradas da cidade foram bloqueadas e as pessoas que tentavam chegar eram ameaçadas e intimidadas. Caravanas vindas de outras cidades foram bloqueadas no caminho e dezenas de pessoas foram presas.
Em alguns pontos, as pessoas começaram a viajar a pé para chegar ao local a centenas de quilômetros de distância. O próprio local foi cercado pelas autoridades e qualquer pessoa que entrasse ou saísse era ameaçada e fotografada. Houve um apagão total da mídia, o que significa que não houve nenhuma cobertura dessas táticas de intimidação. Na véspera, os organizadores foram convocados pelo Comissariado de Karachi para discutir os preparativos e as medidas de segurança. Quando chegaram ao escritório do comissário foram presos e enviados a locais desconhecidos. Embora alguns tenham sido libertados pouco depois, seus celulares não foram devolvidos.
Apesar dessa campanha de intimidação, o comparecimento foi massivo. Muitas mulheres também participaram, o que revela o alto nível político do movimento. Um grande número de mulheres veio com fotos de membros de suas famílias que foram sequestrados pelas forças de segurança e estão desaparecidos há muitos anos: em alguns casos, até uma década. Embora a mídia internacional tenha coberto o evento, a mídia local ficou completamente silenciosa, exceto por alguns correspondentes dos jornais de língua inglesa.
Cada participante tinha uma história horrível para contar sobre sequestros, terror e ameaças por parte das forças de segurança. Todos os participantes estavam cheios de entusiasmo para conquistar seus direitos, o que se refletia nas arrebatadoras palavras de ordem por justiça. Canções revolucionárias eram emitidas de cima do palco, sendo que a mais popular era “Que tipo de liberdade é esta?” (hino do PTM), que foi repetido várias vezes durante a noite. Mulheres balochi e sindhi também falaram no palco explicando sua situação e compartilhando histórias de sequestros de seus familiares. Todos esses discursos ganharam uma tremenda resposta positiva da multidão.
A reunião foi inteiramente diferente das reuniões recentes realizadas por outros partidos políticos em Karachi. Milhões de rupias foram gastos para que esses eventos fossem um êxito. Foram contratadas empresas de publicidade e propaganda, enquanto eram providenciados cadeiras e tapetes para os participantes. Ônibus luxuosos e jantares foram providenciados e muitos participantes foram pagos para comparecer. Mas na manifestação do PTM não havia cadeiras, nem tapetes ou tendas. As pessoas estavam sentadas diretamente no chão e sem nada acima de suas cabeças. Toda a publicidade foi realizada por organizadores de base e os participantes fizeram grandes sacrifícios, doando seus escassos recursos para participar. A despeito de todas essas dificuldades, a multidão foi envolvida por uma atmosfera elétrica e parecia estar acontecendo um festival.
Quando Pashteen chegou ao palco para falar já era muito tarde, mas todos o queriam ouvir. As pessoas falavam que podiam ouvi-lo por uma noite e um dia inteiros. Não queriam ir embora. Havia um sentimento de esperança: uma esperança de mudança em suas condições de miséria.
Pashteen, apesar de estar cansado de sua longa jornada, entusiasmou a audiência com seu discurso. Ele prometeu continuar sua luta até que fosse feita justiça para todas as vítimas do Estado paquistanês. Ele disse que as demandas do PTM são legais e que eles querem que sejam satisfeitas sob o império da lei e da constituição. Ele disse que o PTM é composto por gente pacífica que adotou métodos pacíficos para levantar suas demandas, e que não devem ser pressionados a usar medidas extremas. Também usou um gorro sindhi e ajrak por alguns momentos durante o seu discurso para mostrar solidariedade ao povo sindhi. Ele disse que o povo de Sindh também está sendo intimidado pelo Estado, e que as instituições do povo devem ser formadas para servir ao povo e não para aterrorizá-lo. Ele também exigiu a libertação de todos os militantes que foram sequestrados em Karachi antes da manifestação, senão o PTM convocaria protestos em escala mundial em 15 de maio.
Muitos ativistas sociais e trabalhadores políticos também se pronunciaram na reunião e receberam uma resposta mista da audiência. Os que tentaram vomitar o ódio nacionalista foram rejeitados pela multidão. O caráter do movimento mostra claramente que quer se vincular a outras nacionalidades oprimidas do país e travar uma luta conjunta contra as atrocidades cometidas pelo Estado. O PTM, ao estender a solidariedade ao movimento dos hazaras em Quetta, é um exemplo disso.
Em Karachi, esse espírito de solidariedade foi mais visível, visto que a cidade é o centro de todas as nacionalidades oprimidas do país, incluindo sindhis, mohajirs, balochis, kashmiris e muitos outros. Os discursos feitos no palco em favor da ligação com os partidos nacionalistas pashtuns, que foram rejeitados pelas massas, também foram condenados. Por fim, Ali Wazir, principal organizador da reunião em Karachi, teve que abordar essa questão em seu discurso, refletindo o ânimo da audiência. Ele declarou claramente que não há espaço para qualquer preconceito dentro do PTM e que o preconceito nacionalista em particular não seria tolerado. Ele disse que o PTM estaria de pé com todas as nacionalidades oprimidas do Paquistão para travar uma luta contra o Estado. Essa declaração recebeu uma resposta calorosa dos presentes.
A Corrente Marxista também esteve presente na manifestação com seus materiais, que foram apreciados por todos os que visitaram nossas barracas. Os marxistas do Paquistão apoiaram o PTM desde o início e estão na vanguarda dessa luta. Muitos camaradas foram sequestrados em Karachi em 22 de abril quando expressaram sua solidariedade ao PTM no Clube da Imprensa de Karachi, na preparação dessa maravilhosa reunião, embora fossem libertados mais tarde devido aos protestos dentro do país e por todo o mundo.
A manifestação em Karachi mostrou que, apesar de todas as tentativas feitas pelo Estado para deter o movimento, ele está avançando. Embora ainda careça de um claro programa político e de uma estrutura organizacional, despertou entusiasmo e esperanças entre milhões de pessoas que vivem na pobreza, na miséria e no sofrimento. Esse movimento lançou as sementes de movimentos de massas maiores que irromperão mais cedo ou mais tarde e que reformularão a política do Paquistão através de levantamentos revolucionários.