O movimento Colete Amarelo entrou em seu “quarto ato” nesta semana, com outra rodada de protestos radicais com mais de 130.000 pessoas por todo o país. Dessa vez, a resposta do estado foi ainda mais brutal, com 89.000 gendarmes mobilizados por toda a França numa tentativa de impedir que os coletes amarelos se manifestassem – pacificamente ou não – resultando em mais de 2.000 prisões.
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Os jovens, tanto os universitários quanto os estudantes secundaristas, também entraram em cena de forma decisiva, enfrentando uma repressão impiedosa da polícia em consequência. Enquanto isso, apesar da participação determinada das fileiras dos sindicatos, os líderes das principais federações sindicais estão desempenhando o vergonhoso papel de tentar “acalmar” os protestos e “negociar” com o governo. Além disso, uma campanha midiática internacional de histeria e desinformação tentou minar o movimento identificando os coletes amarelos com o nacionalismo de extrema-direita, e (surpresa, surpresa) e com as nefastas maquinações da Rússia.
Ao longo desses eventos dramáticos, o presidente Macron (cuja taxa de aprovação caiu para algo em torno dos 20%) esteve visivelmente ausente. A tarefa de anunciar o adiamento e logo depois o cancelamento do novo imposto do carbono, que detonou o movimento, recaiu no primeiro-ministro Édouard Philippe, uma humilhante concessão para um chefe de estado que prometeu “nunca ceder aos protestos de rua”. No entanto, essa concessão não fez nada mais que encorajar as massas francesas, que agora aprenderam que a única forma de vencer é lutar! Suas demandas se expandiram consideravelmente, além do cancelamento do imposto aos combustíveis, para toda uma gama de questões ligadas ao custo de vida e à rejeição do odiado establishment político. As demandas populares incluem a restauração do imposto sobre as fortunas do ISF [Impôt de Solidarité sur la Fortune], o aumento das aposentadorias, a elevação do salário mínimo, a redução dos salários dos políticos e – o mais proeminente de todos – a demissão de Macron, bem como a dissolução da Assembleia Nacional.
Está se desenvolvendo na França uma situação revolucionária: tudo o que falta agora é liderança e um claro programa de ação, enraizados na classe trabalhadora, que envolvam uma campanha em direção a uma greve geral total para desfechar o golpe de misericórdia em Macron.
Repressão policial
No sábado, Macron empregou novas táticas policiais, que, para todos os efeitos, eliminaram o direito de manifestação. Somente em Paris, 1.000 pessoas foram detidas, os transeuntes eram submetidos à “detenção e registro”, quer usassem ou não coletes amarelos (confiscando-se tudo o que era encontrado em suas bolsas) e os grupos reunidos para se juntar à manifestação foram bloqueados em muitas partes da capital. Arié Alimi, advogado da Ordem dos Advogados de Paris e membro da Liga dos Direitos Humanos, disse a respeito dessa política escandalosa: “Vimos pessoas que só queriam protestar sendo presas (…) [a polícia] prendeu pessoas que não fizeram nada, simplesmente porque acreditava que tinham intenções perigosas”. De fato, o que o estado francês está fazendo é prender pessoas “preventivamente” antes que cometessem algum crime, violando assim todos os princípios da lei burguesa e entrando no território do Minority Report.
A repressão policial em Paris foi impiedosa. Gás lacrimogêneo, projéteis de espuma, canhões d’água e mesmo veículos blindados foram utilizados para dispersar os manifestantes que declararam sua intenção de marchar até o palácio presidencial do Eliseu. Estão circulando imagens on-line de pessoas sendo derrubadas por canhões d’água e entrando em agonia depois de serem atingidas por balas de borracha. Existem muitas imagens na mídia social de ferimentos horríveis infligidos pela polícia (e, no entanto, 99% da mídia se concentra na violência dos manifestantes). Ao todo, 700 pessoas foram feridas durante o movimento colete amarelo até agora. Mesmo assim, grandes números de pessoas conseguiram abrir caminho por diferentes partes do centro de Paris, algumas das quais cantavam canções revolucionárias, como Bella Ciao.
Além de Paris, os manifestantes em algumas cidades foram autorizados a marchar e o fizeram em grandes números. Por exemplo, 2.000 manifestantes mobilizaram-se em Brest, na costa noroeste: uma cidade com uma população de somente 140.000 habitantes. Invariavelmente, essas manifestações nas províncias também foram recebidas com repressão policial.
Mas o comportamento perverso da polícia está servindo apenas como um chicote da contrarrevolução, levando as massas adiante. Uma mulher de 80 anos de idade foi morta depois de ser atingida por uma bomba de gás lacrimogêneo enquanto estava em sua varanda, dezenas de manifestantes desarmados foram isolados e espancados por gangs da polícia e está circulando um vídeo de um homem descapacitado, vestido com um colete amarelo, sendo derrubado de sua cadeira de rodas por um policial. Esses atos desprezíveis estão lançando gasolina nas chamas e enraivecendo o público, como se evidencia em um comentário no último vídeo no Twitter: “Ah, seu filho da puta! Espero que [a polícia] acabe em uma cadeira de rodas, logo!”
Curiosamente, o movimento dos coletes amarelos está começando a adquirir um caráter mais organizado, com a convocação de Assembleias Gerais em várias cidades. Dessa forma, em Toulouse, cerca de 500 ativistas coletes amarelos da região realizaram uma assembleia geral para discutir os objetivos do movimento e fortalecer sua organização. São importantes passos à frente. Essas assembleias devem ser ligadas através de uma rede de representantes eleitos e revogáveis, que, por sua vez, devem se reunir com representantes de estudantes e trabalhadores em greve e lutar em nível local, regional e nacional.
Os estudantes contra-atacam
Os jovens das escolas secundárias e universidades sinalizaram o seu apoio e participação no movimento colete amarelo em toda a França. Muitas instituições (tanto escolas secundárias quanto universidades) estão agora bloqueadas ou sob ocupação (incluindo Nanterre e Tolbiac), e houve enormes assembleias gerais por todo o país para discutir a posição dos estudantes sobre os coletes amarelos, entre outras questões (incluindo a reforma educacional).
Uma moção escrita pelos camaradas da CMI, expressando apoio aos coletes amarelos e convocando uma ação de greve coordenada para derrubar o governo, já foi aprovada por maioria esmagadora na universidade Paul-Valéry-Montpellier e Toulouse, e será debatida em Lyon. Em Nanterre, foi aprovada hoje uma resolução em uma assembleia de 2.000 pessoas (tanto de estudantes quanto de funcionários) que declarou a solidariedade da universidade com os coletes amarelos e em oposição à repressão do estado; e prometeu que a universidade entraria em greve até o momento em que uma série de demandas (incluindo o cancelamento da contrarreforma da educação) fossem atendidas. A resolução também pede a demissão de Macron.
Além disso, os blocos estudantis foram proeminentes nas manifestações do fim de semana, com um grande contingente da Universidade de Sorbonne marchando com os coletes amarelos em Paris no sábado, levantando palavras de ordem contra a política econômica de Macron e a repressão policial.
Estudantes do ensino médio também se mobilizaram nacionalmente atendendo um apelo do Sindicato Nacional dos Estudantes Secundaristas (UNL). Na quinta-feira da semana passada, mais de 700 escolas de Ensino Médio estavam bloqueadas ou em greve, e o número delas era maior na sexta-feira.
A polícia tratou os estudantes com particular brutalidade, o que só agravou ainda mais o movimento. Por exemplo, na quinta-feira, 7 de dezembro, mais de 150 estudantes de ensino médio de Mante-la-Jolie, na região de Île-de-France, no centro-norte da França, que protestavam contra as reformas dos exames nacionais, foram forçados pela polícia antimotim a se ajoelhar, com as mãos atrás de suas cabeças. Essa absurda “prisão em massa” de toda uma escola foi descrita, corretamente, pelo parlamentar de França Insubmissa, Eric Coquerel, como “inaceitável e humilhante”. Em resposta a esse ultraje (as filmagens se tornaram virais na mídia social), dezenas de estudantes e professores de toda a França se ajoelharam com as mãos por trás das cabeças em solidariedade, incluindo um grande grupo na Praça da República em Paris, na sexta-feira. Em alguns outros locais, como Marselha, delegados da CGT saíram para defender fisicamente os alunos da brutalidade da polícia antimotim.
Longe de serem intimidados pela repressão, tais provocações levarão os estudantes a conclusões mais radicais e os aproximarão das mobilizações dos trabalhadores nas ruas. Isso já começou a acontecer, como se evidencia no esmagador apoio à moção de nossos camaradas em Montpellier e Toulouse. Os estudantes também estão se movendo em direção a estruturas organizacionais adequadas. A resolução em Nanterre exigiu que as universidades da região de Paris elegessem delegações para uma assembleia de massas em Île-de-France, que começa em 13 de dezembro. Adicionalmente, foi lançada uma convocação para uma greve geral da educação (atualmente sob debate nas assembleias estudantis). Finalmente, em Toulouse, contingentes de coletes amarelos estão participando de assembleias gerais estudantis, e vice-versa. Esses são passos muito importantes e positivos e mostram o impacto que os coletes amarelos estão produzindo na consciência dos estudantes. Devemos lembrar que foi a coordenação dos estudantes em solidariedade com a classe trabalhadora que pôs De Gaulle de joelhos em maio de 1968.
Os sindicatos: revolução na base, reformismo no topo
Desde o início, a liderança das principais federações sindicais teve uma péssima política com relação aos coletes amarelos: recusou-se a apoiá-los e até os denunciou, antes de ser arrastada à mobilização junto a eles pela pressão das bases. Vimos cada vez mais camadas da classe trabalhadora entrando na luta e se posicionando com os coletes amarelos – incluindo os bombeiros e os trabalhadores de ambulância – à medida que a força gravitacional do movimento de massas atraía amplas camadas da classe trabalhadora à luta.
Mesmo os trabalhadores das tradicionalmente apáticas profissões de “classe média” estão começando a se mover. Por exemplo, 160 advogados do tribunal de Béziers começaram uma greve total na última terça-feira (4 de dezembro) contra as tentativas de contrarreformas do sistema judiciário. Os advogados em greve declararam sua solidariedade ao movimento dos coletes amarelos e protestaram juntos fora do tribunal de Béziers na semana passada. Essa ação é altamente significativa e relembra os eventos de 1968, quando a greve geral revolucionária também abrangeu camadas extremamente amplas da sociedade, incluindo empregados, administradores, servidores civis e assim por diante.
Em contraste a esse radicalismo da base, os líderes dos seis principais sindicatos (incluindo a CGT, mas excluindo SUD) chegaram ainda mais baixo na quinta-feira, ao assinar uma declaração conjunta rejeitando “todas as formas de violência na expressão de demandas”, congratulando-se com as negociações com o governo e nada dizendo sobre as manifestações programadas para o dia seguinte. Essa declaração escandalosa quase pareceu a uma aceitação direta do apelo de Macron, feito naquele mesmo dia a todas as organizações políticas e sindicais, para “reunião e negociações”, em vez de aprofundar os protestos “violentos” ou fazer pressão por uma greve.
Como era de se esperar, esse traiçoeiro movimento enfureceu as bases sindicais, que estavam se coordenando com os coletes amarelos desde o início do movimento. A declaração conjunta foi condenada de forma imediata e forte pelos ramos locais das federações sindicais. A União Departamental 13 da CGT (Toulouse) emitiu uma forte declaração denunciando a declaração conjunta das lideranças sindicais e dizendo que “continuaremos a denunciar e a combater a violência real, que é a violência da classe dominante contra o povo trabalhador”.
A CGT UD 31, de Marselha (o ramo sindical que protegeu os estudantes secundaristas da repressão policial nessa mesma semana) disse que a declaração conjunta “envia uma mensagem catastrófica àqueles [na] luta. Coloca nossos ativistas em risco”, e convocou uma reunião de emergência da CGT para responsabilizar seus líderes.
A Federação Nacional da CGT das Indústrias Químicas também rejeitou a declaração conjunta, dizendo que é “indigna da CGT”, e condenando, em vez disso, “a violência dos patrões, a repressão policial e sindicalista, bem como a cumplicidade reformista”. A declaração continua: “se há violência, a responsabilidade por ela está nas fileiras dos opressores e não na dos oprimidos… o papel da CGT é estar lado a lado com os trabalhadores e não agir como auxiliar dos patrões e do governo”. O ramo da CGT no setor energético de Paris condenou a declaração conjunta e se unirá aos trabalhadores dos transportes filiados à CGT na greve de 48 horas na quinta-feira. A CGT UD 59 (Lille) foi a última a se unir ao coro de protestos à declaração sindical conjunta e também emitiu um comunicado exigindo uma reunião de emergência da liderança nacional da CGT.
O marcado contraste entre o radicalismo das bases e o reformismo da liderança está ficando cada vez mais claro a cada dia. Enquanto os trabalhadores e os sindicalistas comuns estão se aproximando dos coletes amarelos e tirando conclusões ousadas, mesmo revolucionárias, contra o odiado regime de Macron, a liderança teme que esse radicalismo vá longe demais e trata de jogar água fria nos acontecimentos. É provável que essa ira e frustração resulte em uma rebelião contra Philippe Martinez e a atual liderança da CGT em seu 52o congresso anual em maio de 2019.
Nesse ínterim, com um dia de ação da CGT programado para 14 de dezembro, é imperativo que as bases sindicais continuem a intervir na luta e a aprofundar seus vínculos com a classe trabalhadora organizada, se possível levantando a perspectiva de uma campanha coordenada de greves e pela eleição de uma liderança democrática em nível nacional para levar o movimento à frente. No momento, há o risco de que os líderes dos sindicatos possam aprofundar a percepção de que os sindicatos fazem parte do mesmo “establishment político” contra o qual os coletes amarelos estão lutando, o que pode isolá-los do movimento.
A classe dominante percebe que necessita utilizar a autoridade dos líderes sindicais para tentar conter o movimento. Esse foi o significado da declaração sindical de 6 de dezembro “contra a violência” e da reunião de hoje entre Macron (junto com membros de seu governo) e os líderes da associação de prefeitos locais, o presidente do senado, os líderes dos maiores sindicatos (incluindo a CGT) e os representantes das três principais organizações patronais. Macron quer ser visto como “engajado na consulta” da sociedade como um todo, diante de uma “ameaça ao regime republicano”. No entanto, ao envolver essas organizações em suas manobras, Macron arrisca-se a desacreditá-las ainda mais, contaminando-as com o seu próprio fracasso e tornando-as menos úteis como ferramentas para conter os coletes amarelos.
Além disso, na sexta-feira, o ministro do trabalho pediu aos empregadores privados para aumentar os salários dos trabalhadores. Como em 1968, quando ameaçada de perder tudo, a classe dominante pode estar preparada para fazer concessões. Há, no entanto, algumas diferenças com 1968. Antes de tudo, aqueles acontecimentos ocorreram no pico do boom do pós-guerra e os patrões tinham mais espaço de manobra em termos de lucros acumulados. Neste momento, a situação é completamente diferente, visto que a economia francesa mal se recuperou da crise de 2008. Além disso, em 1968, foi o Partido Comunista, que detinha uma autoridade considerável entre os trabalhadores avançados e os sindicalistas, que assegurou que a oferta de salários mais altos fosse aceita, contra a vontade de muitas assembleias de massa dos trabalhadores. Hoje, não existe tal força com qualquer autoridade no movimento dos trabalhadores, e ainda menos entre os coletes amarelos, que possa impor tal acordo. A reação dos trabalhadores ao apelo do ministro do trabalho foi dizer: “nos disseram que não havia dinheiro para qualquer concessão, mas agora que os coletes amarelos estão nas ruas lutando, repentinamente se encontrou dinheiro. A conclusão é clara: fora todos!”
“São os russos, de novo!”
A classe capitalista e seus representantes políticos e midiáticos estão aterrorizados com o movimento colete amarelo, que já começou a se espalhar além das fronteiras francesas, com manifestantes vestidos com coletes de alta visibilidade se mobilizando na Bélgica e na Holanda e levantando demandas similares às de seus homólogos na França. A burguesia europeia reconhece que esse movimento coloca todo o regime do capitalismo francês em risco, com implicações alarmantes para toda a Europa.
Como tal, fizeram tudo ao seu alcance para obscurecer e desacreditar os coletes amarelos como vagabundos violentos liderados por extremistas de extrema-direita e extrema-esquerda. Antes dos protestos desse fim de semana, o governo advertiu turistas e cidadãos a permanecerem em locais fechados, dizendo que extremistas da “extrema-direita e extrema-esquerda” estavam chegando para “esmagar e matar”.
A imprensa internacional minimizou constantemente a escala dos protestos desse fim de semana, para dar a impressão de que o movimento está enfraquecendo. The Guardian, por exemplo, afirmou que somente 30.000 pessoas tomaram parte nas manifestações nacionais do fim de semana, apesar de uma considerável quantidade de vídeos e fotos na mídia social evidenciarem o contrário. Foi dada uma ênfase enorme aos atos de violência e vandalismo, com imagens de carros incendiados e tumultos estampadas nos jornais e expostas nas telas do mundo inteiro. Enquanto isso, os atos de violência por parte do estado receberam pouca cobertura; bem como as marchas pacíficas que ocorreram por todo o país – quando a polícia permitiu que fossem realizadas.
Também foram feitas tentativas para pintar o movimento como um fenômeno de extrema-direita violento e caótico, contra um imposto do carbono “progressista” e “verde”. The Observer, por exemplo, escreveu em sua declaração editorial sobre os coletes amarelos:
“O movimento não tem líderes com quem negociar; vive e se organiza, na maior parte, nas plataformas da mídia social; e, como se evidencia nos confrontos violentos em Paris, foi facilmente sequestrado – inclusive por grupos de extrema-direita empenhados em derrubar um governo eleito”
Elementos de direita na França e internacionalmente tentaram lucrar com ou cooptar os coletes amarelos, mas até agora não tiveram êxito. Em uma espetacular peça de notícias falsas, Donald Trump conseguiu se convencer de que os manifestantes em Paris estavam gritando “queremos Trump!”, e Marine Le Pen, da Frente Nacional, declarou repetidamente seu apoio ao movimento contra o imposto aos combustíveis para conduzi-lo em uma direção nacionalista reacionária e, demagogicamente, impulsionar seu próprio perfil. Mas, até agora, o único político que se beneficiou do movimento foi o esquerdista Mélenchon, que apoiou de forma consistente os coletes amarelos, e cuja taxa de aprovação subiu 8% até atingir 29%, tornando-se o líder partidário mais popular na França. Enquanto isso, a aprovação de Le Pen mal mudou desde que o movimento começou aumentando apenas 1% até atingir os 20%.
Além disso, enquanto publicações tão distantes como Telegraph e New Scientist condenavam a rejeição “anti-ambientalista” da taxa do carbono de Macron por parte dos coletes amarelos, uma marcha a favor da proteção climática ocorria no sábado e muitos dos participantes foram fotografados vestindo… coletes amarelos! Como ficou claro desde o início, os coletes amarelos não se opõem às políticas ambientalistas como tal, e somente se opõem à ideia de que os trabalhadores e cidadãos comuns franceses arquem com o pesado fardo da redução das emissões em vez das grandes empresas que são, em sua esmagadora maioria, os responsáveis pelas emissões de carbono. Em muitas cidades, os manifestantes coletes amarelos e os ativistas da mudança climática marcharam juntos.
Em um movimento particularmente desesperado, a imprensa burguesa tentou o velho truque de descrever os coletes amarelos como uma conspiração orquestrada pelo Kremlin. Um informe do Timesdeclarava que “centenas de contas da mídia social vinculadas à Rússia tentaram ampliar os protestos de rua que abalaram a França”. A inteligência francesa está aparentemente investigando as alegações de que o movimento, que se originou na mídia social, foi espalhado com a ajuda de “fantoches de meias russas” (contas falsas controladas por agentes russos). O interesse exato que teria Putin em se opor a um aumento do imposto dos combustíveis na França é uma especulação que qualquer pessoa pode fazer, mas, em todo caso, ligar essa torrente de raiva e frustração contra a austeridade e a desigualdade à intromissão russa é simplesmente ridículo.
Apesar dessa calúnia (e de pequenos, mas verdadeiros, elementos de vandalismo), o apoio ao movimento e suas demandas por parte do público francês permanece forte entre 60 e 70%. Além disso, há evidências de construção de solidariedade internacional com os coletes amarelos. Além das mobilizações na Bélgica e na Holanda, vídeos dos protestos dos coletes amarelos estão circulando online em fóruns do Partido Trabalhista Britânico, por exemplo, recebendo centenas de comentários de que os trabalhadores no Reino Unido precisam “lutar como os franceses!’
O Waterloo de Macron
A autoridade e a posição internacional de Macron foram completamente destruídas por esse movimento, e, com as eleições europeias se aproximando (que serão vistas como um referendo sobre sua presidência), sua posição é extremamente fraca. A velocidade desse colapso é impressionante: em questão de meses, ele passou de grande esperança branca de “democracia sensata, moderada e pró-mercado” a de prisioneiro quase invisível de uma crise sobre a qual perdeu todo o controle. Ele dever fazer um discurso público esta noite, mas parece improvável que consiga restaurar sua posição neste momento. Como Marc Lazar, professor da Sciences Po em Paris, disse no Washington Post: “Macron emerge disso tudo extremamente enfraquecido e isolado. Tanto em casa quanto na Europa”.
A burguesia internacional está alarmada e frustrada com o humilhante recuo de Macron com relação ao imposto dos combustíveis e com sua queda nas taxas de aprovação, e é cética sobre sua capacidade de resolver a crise, notando com exasperação que seu estilo arrogante e “fora de contato”, e a repressão policial apenas exacerbaram a situação. Mas a arrogância de Macron sempre foi construída sobre pilares de areia. A crise de seu regime é mais profunda do que sua incompetência pessoal (por mais evidente que seja), até ao ponto morto do capitalismo francês, que foi se atrasando constantemente do restante da Europa há muitos anos e que não se recuperou da crise de 2008. A implementação da austeridade e o aperto da classe trabalhadora, exigidos pela crise, desacreditaram completamente toda a elite política francesa, e, anteriormente, selaram o destino do predecessor de Macron, François Hollande, junto aos dois principais partidos do establishment (os socialistas e os republicanos). Como previmos durante as últimas eleições presidenciais, a agenda pró-União Europeia e pró-empresários de Macron provou-se incapaz de resolver qualquer uma das contradições do capitalismo francês. Os coletes amarelos são a prova disso. Como escreveu o Financial Times esta tarde, a burguesia está começando a ver que sua fé em Macron era equivocada:
“Se o senhor Macron fosse capaz de romper esse ciclo desanimador [dos presidentes franceses perdendo rapidamente popularidade], sua credibilidade internacional aumentaria. Ele poderia surgir como o campeão global dos valores liberais – tal campeão é extremamente necessário. Agora, no entanto, parece altamente improvável que o senhor Macron possa salvar o mundo. Ele terá sorte se puder salvar sua própria presidência”.
A crise também se manifestou na forma de divisões no topo. Parlamentares e ministros estão divididos entre “linhas duras” que querem continuar com a repressão policial e não avançar mais, enquanto outros estão pedindo “novas medidas”, contemplando mais concessões e propondo uma pouco clara “mudança de curso”. Mas é improvável que pequenas reformas (se, dada a crise econômica, elas são possíveis) satisfaçam um movimento que agora abrange uma multidão de demandas distintas, e que parece mais atento ao colapso do regime de Macron. Como declarou um porta-voz do movimento em resposta ao cancelamento do aumento do imposto aos combustíveis: “não queremos migalhas, queremos a baguete inteira!”
Essas divisões no topo são um sintoma de um processo revolucionário tomando lugar. Nossos camaradas franceses disseram em uma declaração na sexta-feira que todos os ingredientes existem agora na França para uma situação revolucionária. O que falta atualmente é a necessária liderança da classe trabalhadora para traduzir o impulso nas ruas em uma campanha de greves que paralise a economia e que finalmente dê um fim à administração enferma de Macron. O desenvolvimento de estruturas democráticas adequadas também preservará a coerência do movimento e evitará que ele se queime durante o período do Natal, ou que degenere em vandalismo incontrolável. Essas são as tarefas objetivas que os coletes amarelos enfrentam nesse momento. Adiante, para o ato V!
Nota pós-data: Horas depois da publicação deste artigo, Macron fez um discurso público no qual anunciou uma série de medidas como parte de uma “emergência social e política”. Essas incluem:
– Um aumento de 100 euros no salário mínimo (que os empregadores não pagarão).
– Isenção do aumento das contribuições à seguridade social para aposentadorias abaixo dos 2.000 euros ao mês.
– A promessa de que o pagamento de horas-extras não será tributado.
– Um pedido para que os empregadores concedam aos trabalhadores um bônus de fim de ano.
– Garantias de que os votos em branco nas eleições serão levados em conta.
Estas são reformas muito débeis, nenhuma das quais tocará na riqueza dos capitalistas e dos ultra ricos. Como Macron também insistiu que não recuará de sua abolição do imposto sobre a riqueza, é provável que essas migalhas sejam pagas pelos contribuintes, isto é, pelos trabalhadores comuns. Mélenchon, corretamente, rejeitou as medidas e apelou por um massivo ato V no sábado.