A batalha na França contra a reacionária reforma da previdência de Macron ultrapassou os 40 dias. Uma quarta greve interprofissional dia 9 de janeiro e seguidos protestos no fim da semana trouxeram centenas de milhares de pessoas às ruas mais uma vez, e mais dias de ação ocorreram em seguida.
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Numa tentativa de romper a frente unida dos sindicatos, o governo ofereceu suspender temporariamente o aumento proposto na idade de aposentadoria do Estado de 62 a 64 anos (a chamada idade pivô). Essa falsa concessão é uma armadilha que a CGT rejeitou com razão, exigindo a revogação total da reforma previdenciária. Mas mesmo essa demanda fica a dever. Macron apostou sua vida política ao aprovar a reforma previdenciária e será necessária uma mobilização ainda maior para derrotá-lo. A única estratégia realista é construir uma greve geral contínua e abrangente envolvendo as camadas mais amplas possíveis da classe trabalhadora e da juventude francesas, preparando o terreno para uma luta revolucionária que derrube o governo apodrecido de Macron.
“Continuaremos”
A mobilização de 9 de janeiro foi massiva, com a CGT informando a presença de 1,7 milhões de pessoas nas ruas – 370.000 somente em Paris. A participação foi menor no sábado, com os sindicatos reivindicando 500.000 manifestantes em toda a França e 150.000 na capital. Esses números talvez estejam exagerados, mas o ridículo número oficial (450.000 nacionalmente no dia 9 e 150.000 no dia 11) não passa de uma ilusão por parte do Estado. Como confirmado pela mídia social, houve centenas de protestos por todo o país, com grandes marchas em Marselha, Toulouse, Nantes, Bordeaux, Lyon, Clermont-Ferrand e em outros lugares.
O ânimo na manifestação da quinta-feira foi muito radical, com uma maior variedade de trabalhadores nas ruas, incluindo trabalhadores ferroviários da SNCF e da RATP, trabalhadores petroleiros, professores, empregados do setor público, trabalhadores da energia RTE, trabalhadores do setor da construção, bibliotecários, advogados – e muitos mais. Embora já exista evidências de cansaço, muitas pessoas sentem que foram longe demais para recuar agora. Isso ficou claro em um dos slogans centrais nas marchas: “on ira jusqu’au retrait!” (‘continuaremos até que se retire!”).
Os trabalhadores dos transportes continuam sendo a vanguarda do movimento. Todas as linhas do Metrô, exceto duas (ambas automatizadas) foram fechadas no dia 9, e o serviço foi severamente reduzido em outras linhas, além de ônibus, bondes e trens da RER. Os serviços de trens TER foram reduzidos em 40% e havia serviços de substituição de ônibus em muitas linhas. O serviço ferroviário nacional, SNFC, também foi atingido por cancelamentos e redução de serviços, assim como o Eurostar.
O cansaço e a perda de remuneração têm afetado compreensivelmente os trabalhadores dos transportes, o que os levou a regressar gradualmente ao trabalho em pequenas e dispersas quantidades. No entanto, eles se reuniram no dia 9, quando (de acordo com o SNCF) cinco vezes mais condutores de trens estavam em greve do que no dia anterior, com uma participação mais alta do que na última greve interprofissional de 17 de dezembro (34% contra 33%). É realmente impressionante que, após 40 dias de greve total, os trabalhadores sejam capazes de mobilizar reservas mais profundas para um esforço ainda maior.
Os trabalhadores de colarinho branco ainda estão na briga. Cerca da metade da força de trabalho do setor da educação foi à greve no dia 9, com 60% de participação na capital. A ação dos professores poderia ser ainda mais forte, mas o principal sindicato da educação (o FSU) está relutante em convocar uma greve contínua. Além disso, muitos trabalhadores de hospitais (particularmente enfermeiros e auxiliares de enfermagem) foram vistos nas marchas. Além do mais, em 10 de janeiro, após a decisão de uma assembleia geral, médicos estagiários foram à greve em toda a França, com 60% da força de trabalho nos piquetes. A Ópera de Paris continua em greve, cancelando a apresentação inaugural de sua nova temporada, O Barbeiro de Sevilha. A companhia informa que perdeu 12,3 milhões de euros com a greve até agora. Numa das imagens mais dramáticas do dia, dezenas de advogados (cujos regimes de pensão especial estão sob a ameaça da reforma de Macron) se despojaram de suas túnicas e as lançaram aos pés do Ministro da Justiça durante a conferência de imprensa do dia 9.
Os trabalhadores do setor privado continuam sendo minoria nas manifestações. A exceção notável é a dos trabalhadores das principais refinarias da França (que são de propriedade de empresas privadas, como a Total), que estão participando ativamente nessa luta. Assembleias gerais de trabalhadores das refinarias votaram por fortalecer sua ação, ampliando uma parada planejada para 72 horas a 96 horas, embora seja difícil avaliar até que ponto isso foi observado. Dadas as chantagens e as ameaças de sanções que esses trabalhadores enfrentam dos patrões, sua coragem é exemplar. As seções locais da CGT estão tomando medidas para proteger seus membros nas refinarias de sanções no local de trabalho, o que ajudou a lhes dar a força política e moral para manter a luta.
Mais uma vez, o problema da liderança
Por outro lado, a estratégia nacional da CGT para conquistar os trabalhadores do setor privado permanece extremamente limitada. Parte da razão pela qual convocaram uma manifestação de acompanhamento no sábado foi para que os trabalhadores do setor privado pudessem tomar parte sem perder o salário ou enfrentar represálias de seus patrões. Mas esse tipo de ação não tem dentes para morder e não substitui a construção da greve nos locais de trabalho do setor privado explicando politicamente a necessidade de levar a maior quantidade possível de trabalhadores para combater a política apodrecida de Macron. Além disso, aumenta artificialmente o nível de participação do setor privado. Embora muitos trabalhadores do setor privado sejam solidários com a greve, não correrão o risco de sanções e perdas salariais, a menos que estejam confiantes na vitória – uma confiança que a liderança da CGT está deixando de instilar.
No entanto, os ativistas locais têm superado as limitações de sua liderança para envolver as camadas mais amplas dos trabalhadores do setor privado, até certo ponto. Notavelmente, a principal coluna em Paris na quinta-feira foi liderada por uma bloco auto-organizado de trabalhadores sindicalizados da RATP e da SNCF. Aparentemente, os trabalhadores dos transportes também se aproximaram dos empregados da fábrica PSA Poissy (que produz automóveis), alguns dos quais estiveram presentes nas manifestações. Esses são pequenos passos, mas dão uma ideia do que se poderia alcançar se a CGT adotasse uma estratégia nacional mais valente e decidida.
As massas também foram impulsionadas pelo chicote da repressão estatal. A polícia se tornou cada vez mais violenta com os manifestantes. Os promotores de justiça franceses iniciaram uma investigação sobre a violência policial depois que surgiu um vídeo na mídia social mostrando um policial disparando uma arma de controle de distúrbios LBD contra um manifestante no dia 9 à queima-roupa, enquanto outros policiais espancavam os demais manifestantes com bastões. Os LBD disparam bolas de borracha de 40 mm que podem causar ferimentos graves e até mesmo a morte se disparadas de perto, e custaram os olhos de vários gilets jaunes em 2018. A polícia descartou a queixa legal, divulgando uma declaração alegando que seus membros foram confrontados por “grupos hostis e ameaçadores”, e por isso usaram força proporcional.
As forças do Estado estão brincando com fogo: foi a abordagem mão pesada da polícia que ajudou a transformar os gilets jaunes em um movimento insurrecional. Os sindicatos certamente poderiam explorar o sentimento de ira e intensificar o ódio contra o establishment, e construir um grande confronto entre os trabalhadores e o governo. Mas, por enquanto, estão mantendo a luta dentro de canais seguros.
Falsas concessões
Não foi por acidente que o Primeiro-Ministro Édouard Philippe anunciou a remoção da “idade pivô” (em que os trabalhadores deveriam trabalhar dois anos adicionais, de 62 a 64, para reclamar pensão completa) no sábado. O auto-descrito “compromisso construtivo” do presidente Macron foi uma tentativa de atalhar a manifestação. No entanto, a esse respeito, ele fracassou. Depois que o comunicado foi divulgado, os manifestantes imediatamente renovaram seus cânticos de luta até que a totalidade da reforma da previdência fosse retirada. Os trabalhadores já viram esses truques antes, nas várias falsas concessões prometidas por Macron para neutralizar o movimento dos gilets jaunes. Os regimes especiais de aposentadoria ainda estão na linha de cortes e Macron ainda tem a intenção de aumentar a idade oficial da aposentadoria. Isso é puramente um manobra e os trabalhadores sabem disso.
Mas Macron não tem realmente a intenção de ganhar os trabalhadores em luta, ele está tentando conseguir que as lideranças sindicais mais brandas (CFDT e UNSA) retirem suas forças. Elas haviam assinalado antes que o cancelamento da idade pivô, que afeta apenas os trabalhadores mais velhos, seria suficiente para elas recuarem. De fato, Laurent Berger, secretário-geral da CFDT, saudou a concessão do governo como “uma vitória” e comemorou a “vontade de compromisso” de Macron. UNSA também comemorou o anúncio.
No entanto, a crescente consciência de classe de suas fileiras está claramente afetando esses sindicatos mais conservadores. O fato de CFDT e UNSA ainda estarem na greve reflete as pressões vindas de baixo. UNSA chegou a divulgar uma declaração um tanto crítica de que, embora estivesse retornando à mesa de negociações, os anúncios de Macron “não atendem às expectativas dos funcionários da RATP ou da UNSA-RATP”.
O outro objetivo de Macron é enfraquecer a simpatia pública pela greve, assinalando sua vontade de compromisso, enquanto faz os trabalhadores parecerem intratáveis. Ao enfatizar os regimes especiais de aposentadoria, ele está tentando convencer as massas de que sua luta é liderada por camadas “privilegiadas” da força de trabalho, uma mensagem anunciada pela mídia do establishment.
Apesar desses esforços, o apoio à greve está em torno de 60%. Além disso, milhões de euros foram doados ao fundo nacional de luta da CGT, enquanto as “coletas” locais organizadas pelos trabalhadores também receberam generosas doações de membros do público. Fabrice Archet, um condutor de trem de 46 anos de idade, da linha RER B, que liga Paris aos aeroportos internacionais, disse:
“Não são necessariamente os ricos que doam em nossas coletas – frequentemente são os estudantes e as pessoas que estão lutando. Precisamos mostrar ao governo que não vamos desistir, que estamos aqui nas ruas e que ele [Macron] precisa nos ouvir”.
Em contraste com a atitude dos dirigentes sindicais, que enfatizam a reforma das pensões isoladamente, a determinação dos trabalhadores e essas demonstrações de sacrifício e solidariedade do público mostram o apetite por uma batalha mais ampla contra todo o governo reacionário dos ricos de Macron. As pessoas entendem que a reforma previdenciária é mera parte de uma série mais ampla de ataques à classe trabalhadora. Como Marie Sabrina, uma professora de 34 anos de idade de Seine Saint-Denis, disse: “Faz um mês que protestamos e [Macron] não nos ouve. Ele precisa ouvir as ruas… Ele é um banqueiro. Preocupa-se apenas com finanças e dinheiro – que ele dá aos seus amigos ricos”.
Esses comentários foram ecoados por André Villanueva, um funcionário de solo do aeroporto Charles de Gaulle e membro da CGT, que disse: “Isso é sobre o futuro das pessoas. Se você tiver muito dinheiro sempre poderá ter tratamento médico, sair de férias e se aposentar confortavelmente. Trata-se da proteção da maioria das pessoas que não têm dinheiro e que trabalham duro por uma aposentadoria básica”. Chantal Sevens, de 67 anos de idade, uma administradora aposentada de uma empresa privada de saúde, adicionou: “As pessoas estão preocupadas com o fato de que essa reforma, de fato, beneficiará simplesmente os grandes grupos, que administram fundos privados de pensão. É sobre o capitalismo. Parece que o próprio princípio de nosso sistema de seguridade social está sob ameaça”.
Espalhe a greve, lute até o fim
A CGT rejeitou com razão o falso compromisso de Macron como uma “cortina de fumaça”, como o fez também a federação intersindical localizada na sede do sindicato de FO, insistindo em uma declaração de que eles não parariam até que a reforma previdenciária fosse totalmente destruída. No entanto, a estratégia das lideranças sindicais daqui para a frente deixa muito a desejar.
Eles anunciaram três dias de “greves e convergência interprofissional” de 14 a 16 de janeiro, culminando em uma “mobilização massiva interprofissional de greves e manifestações” no dia 16. No entanto, foram extremamente vagos sobre a natureza desses dias de ação, afirmando que os detalhes da greve interprofissional do dia 16 seriam decididos em uma reunião intersindical no dia 15 e anunciados depois, sem dar tempo aos trabalhadores para reunir suas forças ou para se preparar.
Essa é a continuação do enfoque dos dirigentes sindicais de manter os trabalhadores na obscuridade e de tratar sua luta como uma torneira que se pode abrir e fechar para pressionar Macron. Enquanto isso, o secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, participará de uma “conferência financeira” para negociar com representantes do governo. Evidentemente, nada mudou no pensamento dos burocratas. Eles não têm fé nos trabalhadores, sua atitude ainda é a de que as massas existem somente para alavancar negociações a portas fechadas com o Estado.
Essa é uma estratégia perdedora. O impacto de convocar passivamente dias de ação colherá rendimentos decrescentes. Nenhuma das manifestações até agora foi suficientemente forte para ameaçar seriamente o governo. Macron pôde cavalgá-las. Note-se que o tamanho das manifestações não reflete necessariamente a escala da greve. Na verdade, a energia dos cheminots, que agora perderam 1 mês e meio de salários, não é ilimitada. As rachaduras já estão começando a aparecer. Mesmo no dia 9, quatro dos cinco serviços de TGV de alta velocidade e 70% dos serviços de Ouigo estavam funcionando normalmente. Além disso, dois terços dos trens Transilien na região da Grande Paris e um terço das rotas da Intercité estavam em operação. Isso está muito longe do fechamento quase total do transporte público no início de dezembro.
Apesar do slogan “continuaremos até sua retirada”, não é tanto a duração da greve que será decisiva, mas sua amplitude. A maioria dos trabalhadores na França estão no setor privado. Essas camadas não se arriscarão a perder o salário e a se submeter às sanções a menos que vejam um plano para a vitória. Mesmo no setor público, somente uma minoria está em greve. Se os cheminots forem isolados, serão derrotados, apesar de sua coragem e sacrifícios. É dever das federações sindicais construir adequadamente uma greve nacional contínua com o objetivo de paralisar a sociedade francesa. Isso, e só isso, pode assegurar a vitória.