A eleição hondurenha está sendo decidida nas ruas; em todo o país surgiu uma rebelião popular contra a fraude eleitoral que está adquirindo caráter abertamente revolucionário. No dia 26 de novembro, os eleitores foram convocados às urnas. O atual presidente, Juan Orlando Hernández (JOH) é o herdeiro direto do golpe de estado de 2009, que derrubou Juan Manuel Zelaya. JOH mudou a lei para poder se reeleger e, como a votação não o favorece agora, está querendo mudar os resultados para se impor novamente na presidência.
Para isso, está usando as diferentes instituições estatais, incluído o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), que se colocou sob as ordens do debilitado ditador. JOH somente pode se impor como presidente sob a derrota do atual movimento de massas, o que não é uma tarefa fácil, porque o povo catracho [povo hondurenho] já despertou e tem todo o potencial para ganhar esta batalha transcendental.
A farsa eleitoral
O regime planejou muito bem esta eleição, que já era completamente fraudulenta desde o início. O objetivo nunca foi o de levar em conta a opinião do povo, e sim simplesmente o de dar legitimidade ao regime. Aprovou-se uma lei que permitisse a Juan Orlando Hernández perpetuar-se como presidente. Isto não se via em Honduras desde as décadas de 1930 e 1940, com a sangrenta ditadura de Tiburcio Carías Andino. Deram início a uma poderosa operação de compra de votos, enquanto que, em todo o período prévio, se fazia uma campanha contínua de desprestígio contra a oposição. No dia das eleições, foram montadas armadilhas vulgares. O padrão eleitoral não foi atualizado e deu a oportunidade para que se pudesse votar mais de uma vez, ou que mesmo os mortos votassem; o partido oficial, Partido Nacional, preencheu urnas e tratou de intimidar à população para que não saísse para votar; pequenos aviões sobrevoavam o céu e, em terra, os militares foram mobilizados. Enquanto apostavam em provocar a abstenção, também usaram um grande número de manobras para obrigar as pessoas a votar pela direita, por exemplo, retendo o dinheiro dos programas sociais ou os salários dos trabalhadores estatais sob a promessa de liberá-los quando ganhasse o Partido Nacional. Tudo isso resultou em vão.
Em todo este plano da ultradireita havia um pequeno detalhe que mergulhou os golpistas em problemas: havia que se permitir o direito de voto às massas. Essas não desaproveitaram a oportunidade para mostrar seu enorme descontentamento e levaram muito a sério esta batalha para varrer os golpistas de uma vez por todas. A votação foi massiva. Às 5 horas da tarde, ainda se encontrava muita gente esperando do lado de fora das seções eleitorais. Nessas circunstâncias, o normal é deixar aberta a votação por mais uma hora até que todos terminem de votar, mas, nervosamente, o regime de JOH mandou fechar de imediato as urnas, porque sabia que o voto não lhe favorecia. Isso, sem dúvida, diminuiu a quantidade de votos para a coalizão opositora, embora, em mais de um caso, o que vimos foi que as pessoas se organizaram e obrigaram a reabrir os centros de votação para exercerem o seu direito. No final, houve uma participação muito alta.
A contundência da participação do povo hondurenho na eleição deixou evidente que os dados desfavoreciam JOH. Ele, no entanto, apressou-se em se declarar ganhador. Naturalmente, a coalizão opositora o desmentiu e disse que, baseando-se nas papeletas de votação, não nas pesquisas de boca de urna, e sim nos dados reais, eles tinham uma importante vantagem que dava o triunfo a Salvador Nasralla.
As instituições estatais se converteram em instrumentos dóceis nas mãos de Juan Orlando Hernández. O TSE se viu em apertos, pois tinha que dar alguma informação oficial com o seu chefe se declarando ganhador, mas não tinha dados que sustentassem esse suposto triunfo. Por isso, foi aproximadamente às 1:40 horas da madrugada da segunda-feira que deram a primeira informação e não puderam ocultar que Nasralla estava à frente, dando-lhe uma vantagem de 5%. Depois disso, somente divulgaram mais um avanço na contagem, apresentando uma pequena redução da vantagem (44,35% para Nasralla, frente aos 40,5% para JOH). Tinha-se como limite dar o veredicto final antes de que terminasse a sexta-feira e não houve nenhum anúncio oficial. Este último fato se deve à resposta do povo nas ruas, um anúncio da vitória de JOH produziria uma explosão que terminaria por incendiar o país.
Enquanto em outras eleições da região e do mundo se pode revisar passo a passo como avança a contagem da votação, em Honduras há um silêncio cúmplice do TSE que permitira ao regime falsificar os dados. A informação real está sendo modificada, dificulta-se a entrada no TSE dos boletos que favorecem a Alianza contra el golpe, fala-se da reimpressão de boletos para trocá-los pelos reais, foram mostrados vídeos de como estão sendo marcados conjuntos inteiros de boletos em favor do Partido Nacional. O sistema com o qual se contam os votos caiu repentinamente na quarta-feira à tarde e, quando foi restabelecido horas depois, Juan Orlando Hernández já estava na dianteira. Essa manobra tosca nos lembra a fraude no México há 30 anos, nesse país já se usam métodos muito mais sofisticados para fraudar, mas a política em Honduras atua sob o ditado de políticos grosseiros e cavernosos.
A imensa maioria dos meios de comunicação está a serviço do regime. Depois que o sistema foi restabelecido, de maneira repentina começaram a anunciar que JOH já levava vantagem na votação e a ocultar a informação do mal-estar popular, publicando notas irrelevantes nos noticiários e até tentaram desviar a atenção para programas de entretenimento, tratando de fazer o povo se distanciar da realidade. Nada impediu que o povo saísse à luta para defender a sua vitória.
Muitos observadores internacionais foram pressionados para que não fizessem declarações. A OEA tem as mãos metidas nas eleições e, em vez de denunciar a fraude, faz apelos para que as pessoas ficassem em suas casas e pressionou para que ambos os candidatos em disputa aceitassem os resultados do TSE. Nasralla aceitou isso, mas se deu conta que era uma armadilha e corretamente rompeu o acordo. Os observadores da União Europeia fazem declarações similares, dizem que as eleições foram realizadas com normalidade e que o atraso é só para dar certeza, enquanto insistem em que as pessoas fiquem em suas casas. Ninguém escuta esses discursos e a rebelião das massas prossegue.
O TSE disse que não dará o resultado final até computar a totalidade das atas, inclusive as que têm inconsistências. Isso é um reconhecimento de que as eleições serão decididas não na contagem dos votos, mas nas ruas.
Agora escutam-se vozes que falam em repetir as eleições. Não diziam que tudo era transparente e estava em ordem? O que querem é ganhar tempo para desativar a mobilização popular que pode adquirir dimensões de forma a disputar o poder do Estado dos oligarcas e imperialistas. O movimento deve desenvolver um plano para avançar e fortalecer a luta e o poder popular.
A causa da revolta
Depois da derrubada de Manuel Zelaya, as condições de vida para as massas, por si mesmas já muito más, se deterioraram até uma situação insuportável. Um dos casos mais sensíveis é o do sistema de saúde, que foi saqueado, deixando a população sem acesso a medicamentos, deteriorando as condições trabalhistas dos trabalhadores do setor e provocando, por isso, a morte de vários hondurenhos por falta de uma atenção médica adequada. Diante disso, alguns dias antes das eleições, os trabalhadores da saúde pararam as atividades. No geral, deu-se uma ofensiva contra o movimento organizado dos trabalhadores que resiste e vê este processo como uma oportunidade de dar uma resposta.
Honduras é um dos países mais pobre da América. Se somarmos a taxa de desemprego e do trabalho informal veremos que o resultado alcança a metade da força de trabalho. Quando Zelaya governou, o salário melhorou significativamente, mas, com os golpistas, ocorreu um retrocesso enorme. Calcula-se que 60% dos pouco menos de 9 milhões de hondurenhos são pobres segundo os indicadores oficiais.
A deterioração dos níveis de vida veio acompanhada do enriquecimento e da corrupção obscena da classe dominante e dos altos representantes estatais. Este é um regime saído do golpe de Estado de 2009, que se vê obrigado a convocar eleições, mas que mantém uma estrutura bonapartista autoritária. JOH controla as forças armadas, os magistrados, o TSE etc. Durante o seu governo, era normal que um protesto em Honduras terminasse em repressão, com balas de borracha e gases lançados à população.
O golpe de estado derivou em um regime autoritário baseado no Partido Nacional, mas rompeu o equilíbrio histórico, onde o país mantinha um sistema bipartidário com duas opções burguesas: Nacionais e Liberais, estes últimos perderam sua base de apoio e, nestas eleições, obtiveram um resultado muito pobre, talvez uns 14%. O golpe de estado se deu para tentar frear a fermentação de luta do povo, quando esta se consumou, ocorreu o contrário e surgiu uma opção de massas do povo trabalhador: a Frente Nacional de Resistência Popular, da qual derivou o partido Libre, embora tenha assimilado em seu interior a velhos políticos liberais.
A direção de Libre é heterogênea: vemos elementos com uma maior vinculação popular e que se manifestam junto ao povo nas ruas, e outros com tradição liberal e que tendem sempre à negociação na cúpula. Em 2013, as eleições presidenciais foram ganhas por Xiomara Castro, do partido Libre, mas o voto não foi defendido com decisão nas ruas, optando-se pela via legal e pela negociação. O resultado foi a imposição de Juan Orlando Hernández na presidência e um pesadelo para o povo hondurenho.
Esta eleição e este movimento se desenvolveram não graças à direção, mas apesar dela. Salvador Nasralla era um popular comentarista esportivo da TV que começou a criticar a corrupção, o que lhe fez ganhar simpatias. Fez parte do Partido Anticorrupção, que tem caráter burguês, apresentando-se às eleições presidenciais passadas. Finalmente entrou em uma aliança com o partido Libre e com o pequeno Partido Inovação e Unidade (PINU). A força vertebral da Alianza contra el Golpe é Libre, que é o único partido que tem uma real base de massas, mas essa aliança permite uma virada à direita no programa. A massa, no entanto, quer a saída da ditadura e melhorar suas condições de vida, e exigirá isso se Nasralla chegar à presidência.
A violência é outro elemento que está na mesa. Depois de 2009, Honduras se tornou um dos países mais violentos do mundo. A população humilde sofre cotidianamente de vexames, assaltos e homicídios. Em 2016, segundo IUDPAS, em Honduras havia uma taxa de 59 homicídios para cada cem mil habitantes. Estes crimes estão se virando contra os ativistas sociais. É bem conhecido o caso do assassinato de Berta Castillo, importante ativista social do país centro-americano, mas não é o único.
A luta para sair da situação de pobreza e violência e para conseguir uma sociedade de liberdades são causas profundas que animam o povo hondurenho. UNE TV, um dos poucos meios de comunicação que não defende os golpistas, se apresentou em um protesto espontâneo na noite da quarta-feira e perguntou às pessoas presentes sobre sua procedência. Eram trabalhadores, desempregados, profissionais e estudantes, povo trabalhador. Um rapaz de 22 anos foi entrevistado e disse que lutava para que seu filho tivesse um país livre e narrou como o seu salário não era suficiente, como tinha que pedir dinheiro emprestado quando seu filho ficava doente porque não podia levá-lo ao Seguro Social, porque não havia medicamentos. Há enormes pressões e frustrações na população que, com esta eleição, emergem à superfície.
Movimento insurrecional
No dia seguinte às eleições, foi realizado um comício concorrido em frente ao TSE, convocado por Nasralla e Libre. Neste, já se mostrava o ambiente combativo e de luta do povo.
Quando se descobriu o desfalque do Seguro Social em 2015, se realizou um importante movimento organizado fora dos partidos, conhecido como as marchas das tochas, numa forma similar ao movimento dos indignados espanhóis. Essa experiência está presente. Nessa mesma tradição, na terça-feira, dia 28, surgiu uma manifestação desde a Universidade Pedagógica Nacional. Na quarta-feira, quando o sistema caiu e foi anunciado que JOH estava na frente da contagem eleitoral, o movimento se generalizou e transbordou.
Os protestos chegaram aos 18 departamentos hondurenhos. Foram tomadas as ruas e se formaram barricadas. A violência veio do Estado. Militares e policiais atacaram as manifestações desde a noite da quarta-feira. No conflitivo bairro El Pedregal ocorreram enfrentamentos com armas de fogo. O governo de Juan Orlando Hernández mostra a sua natureza assassina. Pelo menos quatro pessoas da comunidade foram baleadas, inclusive uma criança de 12 anos, e, pelo menos duas morreram.
Esta etapa do movimento surgiu a partir dos bairros e povoados, inicialmente. Enviam-se mensagens de que foram tomadas prefeituras, como a de Ceiba, Santa Rosa del Copán, algumas outras do departamento de Colón, Guadalupe Carney, Ocotepeque, Salida Sur e La Paz. A prefeitura de Siquatepeque foi incendiada.
Para esta sexta-feira, 1 de dezembro, foi convocada uma greve nacional. As pessoas não foram trabalhar tanto no setor estatal quanto em várias empresas do setor privado. No momento em que estamos escrevendo estas linhas, as principais saídas e colônias de Tegucigalpa estão fechadas: em Carrisal, La Kennedy, saída Valle de Ángeles, saída ao norte, saída ao sul etc. A mobilização tem um caráter verdadeiramente popular, trazendo todas as camadas oprimidas da população à rua com os operários e camponeses entrando massivamente em ação.
Este não é um movimento organizado por Nasralla ou Libre, tem um profundo impulso vindo de baixo. Tem certo caráter caótico, o que pode fazer com que caia vítima de provocações que podem facilitar a repressão. O Estado infiltrou provocadores que realizam saques com toda a impunidade das forças estatais. Faz-se isto para desprestigiar e debilitar a luta.
É necessário dar uma condução adequada ao movimento. De nosso ponto de vista, deve-se convocar uma reunião de representantes eleitos em cada ponto de protesto, que possa planejar ações unificadas que, de forma contundente, ajudem a derrotar os golpistas. Se houver determinação do povo trabalhador de ir até o final, aparecerão fissuras nas próprias fileiras do Estado e setores das forças armadas poderiam ser paralisadas ou mesmo se passar para o lado dos trabalhadores e camponeses, pois um soldado raso vive em condições similares a eles.
O governo de JOH está pendendo por um fio, mas a experiência nos diz que não basta uma luta heroica para se vencer. Deve-se se generalizar a greve, realizando-se assembleias ou tomadas pelas massas dos centros de trabalho que ainda estejam funcionando. Ao mesmo tempo em que se tomam as prefeituras, devem-se convocar assembleias em cada município com raízes em suas colônias e povoados. Estas devem organizar, mas também assumir tarefas de organização política e econômica local. Há que se abalar este pobre pais desde os alicerces, com seu povo digno, e começar a construir um governo e Estado dos trabalhadores. Há que se reunir força suficiente para varrer de uma vez por todas JOH da casa presidencial.
Os dirigentes de Libre devem impulsionar o protesto popular, que pode derivar inicialmente numa situação de poder dual, e evitar uma negociação vergonhosa com o velho regime. Há que se varrer para a lata de lixo da história não somente JOH, como também o Partido Nacional e suas instituições oligárquicas. É claro que o imperialismo e a oligarquia buscarão desativar o protesto social, porque está mostrando ao povo o seu poder. Há que se ficar atento diante de qualquer armadilha que possa vir de argumentos legais. Se o triunfo de Nasralla for reconhecido, será um triunfo das massas, mas o passo seguinte é manter a organização popular para que o poder emane realmente do povo trabalhador e em seu benefício. De forma imediata, devem-se aumentar os salário e expropriar as riquezas do velho regime oligarca, que as obteve a partir do roubo ao povo, para investi-las na saúde, na educação e na melhoria geral da vida do povo trabalhador.
O regime está nas cordas. Lênin disse um dia que um homem diante do precipício não pensa. O regime golpista pode agir estupidamente. Se decidir se manter na via da violência pode desatar uma guerra civil que a oligarquia não está segura de que possa ganhar. O Estado seguramente estará sofrendo divisões e alguns setores poderiam apostar no sacrifício de JOH para salvar o sistema. Um reconhecimento do triunfo de Nasralla poderia buscar essa saída, o que não precisa ser de imediato e prolongar-se com uma recontagem dos votos para ganhar tempo e buscar o desgaste da luta, esperando melhores condições para dar um veredito. Por isso, o movimento deve apostar em articular-se e avançar no desenvolvimento da luta e começar a estabelecer um poder dos trabalhadores.
Se a direção da Alianza ou de Libre se negar a assumir a luta, estará defraudando vergonhosamente o povo digno. A direção, particularmente de Libre, está obrigada a convocar a luta, do contrário terá que ser superada. Durante o último período vimos com a ala de direita no partido está se impondo e todas as correntes de esquerda foram cooptadas ou relegadas. É o momento para que os setores mais à esquerda possam recuperar parte do terreno perdido.
Se a fraude for imposta, os anos a seguir serão duros para as massas trabalhadoras. É o momento de se lutar contra a ditadura e contra o capitalismo corrupto e degenerado.