Horror sem fim: a catástrofe da Covid na Índia

Uma segunda onda brutal de Covid-19 está devastando a Índia, com 350 mil novas infecções registradas diariamente – embora este número oficial apenas arranhe a superfície. A situação em todo o país é um pesadelo. Mas para aqueles que estão nas camadas mais pobres da sociedade, é uma visão do inferno.


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O sistema de saúde está totalmente sobrecarregado. Todas as noites acendem-se piras funerárias nas margens do Ganges, enquanto centenas de pacientes morrem por falta de leitos no hospital e cilindros de oxigênio.

Os moribundos ficam nos corredores dos hospitais, em estacionamentos, nas ruas e em suas casas, implorando por cuidados médicos que nunca virão. Em um caso, 22 corpos foram amontoados em uma única ambulância a caminho de um crematório em Beed, Maharashtra.

A responsabilidade por esta catástrofe evitável, na “farmácia do mundo”, está diretamente nas mãos do regime reacionário de Modi e das egoístas potências imperialistas interessadas.

Repetidamente, os representantes do sistema capitalista priorizaram os lucros, a propriedade privada e as estreitas preocupações nacionalistas em detrimento de vidas humanas. A classe trabalhadora e os indianos pobres agora estão colhendo as amargas recompensas.

Complacência criminosa

Até recentemente, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi se gabava de ter contido o surto inicial de Covid-19 (que atribuiu aos peregrinos muçulmanos), enquanto desempenhava o papel de liderança da Índia na fabricação global de vacinas, alegando em janeiro que a Índia “salvou o mundo do desastre”.

Enquanto essa segunda onda mortal estava se formando, Modi e seus comparsas do principal partido nacionalista hindu, o BJP, exibiam uma arrogância incrível. Durante semanas, eles participaram de comícios em massa para grandes eleições nos maiores estados da Índia, desrespeitando abertamente as normas de saúde pública.

Em março, o Ministro Nacional da Saúde, Harsh Vardhan, garantiu ao público que a pandemia estava “sob controle”, enquanto o ministro da Saúde de Assam [um dos estados indianos, localizado no Leste do país] afirmou que “não há Covid em Assam … [então não há] necessidade de usar máscara”.

Em uma reviravolta irônica, o chefe do BPJ de Bengala, Dilip Ghosh, contraiu a doença um mês depois de declarar Bengala Ocidental livre de Covid e alegar que as pessoas abençoadas pelos Deuses não seriam infectadas. Parece que os Deuses o abandonaram.

Além disso, o festival religioso Kumbh Mela, com a participação de milhões de pessoas, teve permissão para prosseguir em abril, com o objetivo de se apelar à base chauvinista hindu de Modi, sem dúvida contribuindo para a disseminação do vírus.

Essa complacência criminosa veio apesar de uma preocupante nova variante de Covid-19 (B.1.617) ter sido identificada no mês passado. Este “duplo mutante” contém mutações significativas de duas outras cepas principais, a primeira dominante na Califórnia e a outra na África do Sul e no Brasil. É mais transmissível do que as variantes iniciais e potencialmente resistente à vacina.

Em consequência, o decadente setor de saúde da Índia foi atingido por uma explosão de casos.

Desta vez, os sistemas de saúde não se encontravam bem-preparados para isso”, disse K. Srinath Reddy, presidente da Fundação de Saúde Pública da Índia.

“Muitas pessoas na administração em todo o país não esperavam que houvesse um ‘desta vez’. De alguma forma, presumia-se que tínhamos vencido a pandemia”.

Tendo já colocado um embargo às exportações de vacinas para controlar o fornecimento da Índia, Modi foi agora forçado a admitir que, “depois de combater com sucesso a primeira onda, o país estava cheio de confiança, mas esta tempestade abalou a nação”.

A tempestade foi prognosticada há muito tempo e não foram feitos os preparativos para ela. Os destroços eram tragicamente previsíveis.

Um pesadelo vivo

Os suprimentos médicos essenciais são escassos e as UTIs estão além da capacidade. Delhi é considerada a melhor área de saúde do país, mas centenas de pessoas estão morrendo nos hospitais da cidade por falta de oxigênio, incluindo 22 pacientes gravemente enfermos em um único dia em um hospital privado de prestígio.

Em outro incidente amplamente divulgado na cidade de Nashik na semana passada, uma interrupção do fornecimento de oxigênio matou 22 pacientes com Covid-19. Essas cenas horríveis são o resultado de uma escassez crítica de oxigênio em todo o país, que atualmente é a maior causa de mortes evitáveis.

Um médico indiano entrevistado pela BBC falou de famílias desesperadas dirigindo por toda Déli, procurando em vão por camas de hospital e oxigênio, com médicos em hospitais lotados sendo forçados a mandá-los embora. O número de mortos é tão alto que um parque público no sudeste foi transformado em um crematório improvisado para lidar com os cadáveres que se amontavam.

Para os pobres, que são obrigados a contar só com os hospitais estatais, a situação é a pior de todas. Em Lucknow, capital de Uttar Pradesh, e uma das regiões mais pobres do país, há filas de 50 pacientes com Covid-19 para uma única cama de hospital.

O nível de sofrimento é indescritível. Seema Shukla, uma enfermeira do Instituto Estadual de Pós-Graduação de Ciências Médicas Sanjay Gandhi, em Lucknow, afirmou que: “A condição [dos hospitais] é tão horrível que muitas pessoas estão morrendo na rua, em suas casas, antes de poderem ver um médico ou, até mesmo, de fazer um teste.

“De manhã cedo à meia-noite, meu telefone não para de tocar. Parentes e amigos desesperados estão pedindo ajuda: ‘Por favor, ajude-me a encontrar um respirador, cama, uma enfermeira, cilindro de oxigênio, remédio’”.

O número oficial de mortos de 195.000 é uma subestimação lamentável. Um relatório do Financial Times calculou que, em um período de vários dias em abril, apenas 228 das 1.833 mortes pela Covid-19 em Gujarat, Uttar Pradesh, Madhya Pradesh e Bihar foram realmente relatadas, com base no número de cremações.

The Economist fez uma avaliação ainda mais drástica:

“O aumento de casos de Covid-19 na contagem oficial da Índia representa a ponta de um iceberg. Por causa das baixas taxas de teste fora das grandes cidades … o número real de casos pode ser algo entre dez e 30 vezes maior.

“Uma pesquisa sorológica nacional realizada em dezembro descobriu que 21% dos indianos eram portadores de anticorpos contra a Covid-19, em comparação com uma contagem oficial que sugeria que apenas cerca de 1% da população da Índia havia sido infectada naquela época.

“Mais recentemente, jornalistas locais que compararam registros de hospitais e funerais com números do governo encontraram discrepâncias semelhantes em todo o país …

Isso sugere que a Índia pode estar enfrentando não 2.000 mortes por dia, como mostra a contagem oficial atual, mas algo muito mais alto” (grifo nosso).

Dor, tristeza e raiva

Uma entrevista em vídeo que viralizou, filmada no hospital estatal Sadar Hospital em Ranchi, Jharkhand, fornece um exemplo único e poderoso das incontáveis tragédias que estão ocorrendo em todo o país.

Uma jovem chora de frustração e pesar pelo falecimento de seu pai, depois de passar horas deitado em uma maca do lado de fora do hospital, esperando atendimento médico.

Continuamos gritando por um médico”, ela grita para a equipe de notícias. “Mas nenhum médico veio! … Meu pai deu o último suspiro aqui. Você está transmitindo minha entrevista? Você será capaz de devolver meu pai? Você só veio para ganhar votos!

Essa discussão ocorreu enquanto o Ministro da Saúde de Jharkhand, Banna Gupta (do Congresso – Partido do Congresso Nacional Indiano), realizava uma inspeção no hospital.

As palavras da jovem expressam não apenas tristeza, mas ódio aberto a todo o apodrecido sistema político pela incompetência na administração desse desastre da saúde pública.

Da mesma forma, em Delhi, uma mulher chamada Neena, que perdeu seu irmão de 50 anos para a Covid, perguntou em um vídeo viral do Instagram:

“Com que base Modi está pedindo nossos votos? Ele está pedindo votos para matar pessoas? Ele destruiu a nação, há uma morte em cada família. Por que ele não está garantindo o suprimento de oxigênio, por que não podemos encontrar camas?”

Modi está fazendo o possível para conter toda essa raiva, fazendo lobby com sucesso no Twitter para censurar tweets que criticam sua forma de lidar com a pandemia. Mas, por mais que tente, uma onda de raiva e ressentimento inevitavelmente irromperá à superfície.

Dinheiro e remédios para os ricos, enquanto os pobres morrem

Os ricos – que escondem sua riqueza no exterior e vivem em casas isoladas e bem ventiladas, longe de centros de infecção – são amplamente poupados de toda essa miséria. Ainda assim, tem havido um boom na demanda por jatos particulares, à medida que os indianos ricos se esforçam por fugir do vírus para o exterior.

Em contraste, a introdução tardia de bloqueios em centros urbanos como Mumbai e Delhi resultou em um novo êxodo de trabalhadores migrantes para suas aldeias natais, a muitas centenas de quilômetros de distância em alguns casos.

Esses trabalhadores se lembram das migrações em massa que se seguiram ao primeiro bloqueio no ano passado, que matou centenas e jogou outros milhares na pobreza extrema. Eles estão tentando sair antes que seja tarde demais. Mas na pressa de escapar do horror nas cidades, as infecções podem acabar se espalhando para áreas rurais onde a infraestrutura de saúde é inexistente.

Enquanto os pobres enfrentam o aumento da precariedade, os ricos continuaram a acumular riqueza durante a pandemia. O maior magnata da Índia, Mukesh Ambani, acaba de mergulhar no icônico country club e luxuoso resort de golfe da Grã-Bretanha, Stoke Park, por £ 57 milhões.

E, com a ajuda do governo central, os gatos gordos da indústria farmacêutica devem se tornar ainda mais ricos. A partir de sábado, a Índia planeja expandir sua campanha de vacinação para maiores de 18 anos, enquanto dá permissão para os fabricantes de vacinas do país aumentarem seus preços.

Já os indianos em hospitais privados pagam os preços mais altos do mundo por vacinas fabricadas em seu próprio país, incluindo Covishield, o nome local para a vacina Oxford/AstraZeneca, fabricada pelo Serum Institute of India (SII).

A partir do fim de semana, o governo pagará apenas pela metade da produção mensal de vacinas da Índia, para fornecer a maiores de 45 anos, enquanto os estados e entidades privadas terão que adquirir vacinas para os jovens a preços novos e mais altos.

Esta nova política de ter vários compradores colocará diferentes estados, e os setores privado e estadual de saúde, um contra o outro na corrida por vacinas escassas: uma receita para a distribuição desigual. O SII já disse a quatro estados governados pela oposição que não receberão estoques de vacinas antes de 15 de maio.

O SII, de propriedade privada, terá grande poder sobre a alocação de suprimentos limitados de vacinas e priorizará hospitais privados que podem pagar mais.

Isso está fazendo os estados competirem com o setor privado em uma base de preços diferenciados”, disse K. Sujatha Rao, ex-secretário de saúde da Índia. “Os mais jovens ricos podem comprar vacinas do setor privado e os pobres saem perdendo”.

Enquanto as famílias ricas pagam generosamente para vacinar seus filhos e os aproveitadores da indústria farmacêutica enchem seus bolsos, o covil de ladrões no parlamento sem dúvida desfrutarão dos subornos relativos aos ganhos inesperados resultantes.

Enquanto isso, milhões de trabalhadores e pobres indianos se verão excluídos das vacinas, apesar de seu país ser o maior exportador de vacinas para o resto do mundo.

Este escândalo lembra a Fome de Bengala, quando a Índia continuou a exportar alimentos para seus senhores imperialistas, enquanto as massas morriam de fome.

Nacionalismo vacinal e lágrimas de crocodilo

A profundidade da crise forçou o governo indiano a buscar ajuda emergencial, na forma de tanques de oxigênio, respiradores e de estoques excedentes limitados de vacinas, transportadas de lugares tão distantes como Cingapura, Emirados Árabes Unidos e Europa.

Esses atos de caridade foram acompanhados por palavras simpáticas de nomes como o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e a chanceler alemã, Angela Merkel, que desejaram o melhor à Índia e prometeram uma “missão de apoio” urgente.

Esses gângsteres burgueses hipócritas representam nações ricas e estão sentados em estoques de milhões de vacinas excedentes, compradas diretamente de fornecedores. Muitos deles foram fabricados na Índia, para começar.

Enquanto o rico Ocidente reivindicava a maior parte do suprimento mundial de vacinas, Índia e África do Sul pressionaram a Organização Mundial do Comércio (OMC) em outubro para renunciar às proteções de propriedade intelectual sobre vacinas para que versões genéricas pudessem ser fabricadas a baixo custo em qualquer lugar do mundo.

Isso foi rejeitado pelos representantes do Ocidente na OMC, que estavam muito mais preocupados com a propriedade privada dos capitalistas farmacêuticos do que com as vítimas da Covid nos países pobres.

Até recentemente, os EUA impuseram um embargo comercial aos insumos contra a Covid-19, como filtros estéreis, bolsas descartáveis para culturas de células, meios de cultura de células e tubos de uso único. Na sequência de um apelo do SII dirigido diretamente ao presidente Joe Biden e da pressão política interna e internacional, o embargo foi levantado.

Assim como a Índia enviou ajuda aos Estados Unidos, pois nossos hospitais estavam sobrecarregados no início da pandemia, estamos determinados a ajudar a Índia em seu momento de necessidade”, tuitou Biden no domingo.

A recém-descoberta “determinação” do presidente veio depois de meses de recusa categórica em desistir de quaisquer produtos relativos ao controle da Covid.

O War Defense Production Act (DPA), invocado por seu antecessor Donald Trump, continua em vigor e deixa as empresas americanas sem opção a não ser dar prioridade à produção nacional de vacinas contra a Covid-19 e de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).

Isso criou gargalos de produção que não são apenas desastrosos para a Índia, mas resultaram em um efeito dominó para a campanha global de vacinação, uma vez que o SII é fundamental para a produção de vacinas para o programa Covax da OMS.

Até hoje, Biden se recusa a compartilhar qualquer excesso do suprimento de vacina dos EUA, incluindo 30 milhões de doses não utilizadas da vacina AstraZeneca que ainda não receberam a aprovação da FDA (embora isso esteja agora sob “revisão”).

Essas vacinas excedentes são desesperadamente necessárias na Índia e em outros lugares. Mas não se iluda, embora Trump possa estar fora da Casa Branca, ainda é “América Primeiro”.

Além de infligir miséria a bilhões de pessoas em países pobres ao negar o acesso a recursos essenciais, essas políticas míopes criam mais oportunidades para novas cepas do vírus se transformarem e se espalharem pelo mundo, potencialmente infectando pessoas nos EUA.

Na verdade, a cepa indiana de Covid-19 já foi identificada em todo o mundo, inclusive nos EUA. Como sempre, o estreito nacionalismo dos imperialistas é autodestrutivo em face desta pandemia.

Nacionalize a grande indústria farmacêutica! Abaixo Modi! Abaixo o capitalismo!

A Índia é o maior fabricante mundial de produtos farmacêuticos. Os meios, recursos e perícia para resolver esta crise existem literalmente nas pontas dos dedos das massas indianas.

Infelizmente, são propriedade privada de uma rede de grandes empresas farmacêuticas que conta com o total apoio do regime reacionário de Modi. Esses gângsteres não se importam se os pobres morrem em massa, desde que sua ânsia por lucros seja saciada.

Se a imensa infraestrutura de produção médica da Índia fosse arrancada dos aproveitadores privados (começando com o SII), nacionalizada e administrada de acordo com a necessidade, esta calamidade não teria acontecido para início de conversa.

A produção não apenas de vacinas, mas de oxigênio e EPIs poderia ter sido acelerada. Enquanto isso, a expropriação do setor privado de saúde parasita liberaria uma enorme quantidade de capacidade adicional.

Os imensos recursos médicos e a base de fabricação da Índia a tornam crítica para a luta global contra a pandemia. A variante criada na Índia devido à complacência de Modi e ao nacionalismo vacinal pelos países ricos é agora uma ameaça para o mundo inteiro.

Portanto, é do interesse dos trabalhadores em todos os lugares apoiar seus irmãos e irmãs indianos em sua luta contra Modi, e a degenerada classe capitalista que ele representa, assumir o controle da produção médica indiana e colocá-la a serviço da humanidade.

As massas indianas mostraram sua grande capacidade de luta por muitas vezes no último período. Diante de uma calamidade dessa escala, sua vitória sobre as forças do capitalismo e do imperialismo adquire uma nova urgência.

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