O presidente haitiano Jovenel Moïse foi assassinado esta manhã em sua casa por homens armados não identificados. Até o momento, não está claro quem realizou esse ataque ou com que fim. Com o país mergulhando diariamente em uma crise cada vez mais profunda, existe agora a possibilidade de uma intensa luta pelo poder entre vários atores, incluindo o primeiro-ministro, os tribunais, bem como as forças armadas e até mesmo as poderosas gangues do Haiti. O fato é que Moïse, um presidente corrupto, autoritário e de direita, originalmente apoiado pelo imperialismo norte-americano, ficou cada vez mais isolado, e muitos grupos diferentes teriam interesse em sua remoção do poder.
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Perguntas sem resposta
A mídia noticiou que homens armados invadiram a residência particular de Moïse à 1h desta manhã em Pétion-Ville, região rica de Porto Príncipe. A área é o lar da classe dominante e da elite política do Haiti e é bem protegida, assim como a casa de Moïse.
Homens armados invadiram a residência de Moïse e ele teria sido morto a tiros, enquanto sua esposa foi ferida no ataque. Existem alguns relatos de que sua esposa agora também sucumbiu aos ferimentos, mas isso ainda não foi confirmado até o momento.
Vários meios de comunicação informam que os homens armados falavam espanhol e/ou inglês durante o ataque. Alguns relatórios e vídeos publicados pelo Miami Herald mostram os homens alegando ser membros da Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA) ao entrarem no bairro e em sua residência protegida. Não parece que os homens enfrentaram qualquer oposição ao entrar no bairro ou na residência de Moïse, levantando questões sobre quem estava envolvido e a extensão da operação.
Um vídeo no site do Miami Herald, aparentemente feito durante o ataque, mostra um homem com sotaque americano dizendo por um megafone em inglês: “Operação DEA. Todos se retirem. Operação DEA. Todo mundo para trás, retirem-se.”
O primeiro-ministro interino do Haiti, Claude Joseph, disse que os homens responsáveis pela morte de Moïse eram mercenários, mas até o momento não há uma ideia clara de quem são ou para quem trabalhavam.
Crise cada vez mais profunda
O Haiti atravessa uma grave crise econômica, social e política há algum tempo. A crise econômica mundial e a pandemia agravaram uma situação econômica cada vez mais deteriorada, o que levou a uma crise política e social generalizada. Toda a situação foi exacerbada com o surgimento de poderosas gangues haitianas, que desencadearam uma onda de terror nos bairros mais pobres do país, onde a oposição ao regime de Moïse era intensa.
O governo de Moïse havia se tornado cada vez mais autoritário. Ele governou por decreto por quase dois anos após dissolver o parlamento, quando as eleições não puderam ser organizadas. Por meio de vários decretos, ficou claro que Moïse estava aumentando o poder da presidência e limitando os poderes do parlamento e dos tribunais. O próprio establishment político estava ficando nervoso e passou à oposição, para proteger seu próprio poder e interesses.
Moïse reintegrou as forças armadas do Haiti, aumentou os poderes da polícia e criou uma Agência Nacional de Inteligência, que, na verdade, prestava contas apenas ao presidente. Moïse também havia proposto um referendo para estabelecer uma nova constituição, que também aumentaria os poderes do presidente. Tal referendo em si era ilegal sob a constituição atual e foi o mesmo método usado por Duvalier para estabelecer sua ditadura.
Moïse permaneceu no poder além de seu mandato, o qual, como muitos argumentaram, terminou em fevereiro deste ano. Num esforço para proteger os seus interesses e afirmar-se, a oposição burguesa, através dos tribunais, declarou ilegal o governo de Moïse depois de 7 de fevereiro – o fim do seu mandato – e apelou à sua renúncia. Um juiz do Supremo Tribunal foi declarado presidente interino pela oposição. Mas esta tentativa de retirar Moïse do poder pela oposição burguesa usando setores do aparelho de Estado foi derrotada quando o presidente enviou as forças armadas e líderes da oposição foram presos. Claramente, os líderes burgueses da chamada oposição democrática não estavam preparados para contar com a mobilização em massa dos trabalhadores e pobres nas ruas para expulsar Moïse e, como resultado, sua tentativa incompleta fracassou.
As massas haitianas mostraram enorme coragem e resistência em onda após onda de manifestações e greves de massa nos últimos três anos. O que faltava era uma liderança preparada para ir até o fim e derrubar todo o regime podre. Agora, os mesmos “democratas” burgueses, que não puderam remover Moïse, emitiram uma declaração conjunta lamentando sua morte. As massas certamente não estão de luto por ele. A declaração da Liderança Política da Oposição Democrática (DIRPOD) não só lamenta a morte de Moïse, mas também “exorta a polícia nacional a tomar todas as medidas para proteger a vida e a propriedade de todos na complicada situação de hoje no Haiti“. Esta é a mesma polícia que tem sido usada para reprimir brutalmente as massas haitianas cada vez que elas saem às ruas! Em vez de apelar às massas para que se mobilizem a fim de aproveitar o vácuo de poder para impor uma solução em seus próprios interesses, a declaração dos líderes da oposição democrática “exorta a população a manter a calma, não se engajando em tumultos ou violência contra as pessoas para evitar complicar ainda mais a situação já preocupante do país.”
Nos meses que se seguiram à crise política de fevereiro, o Haiti entrou em uma crise de violência e sequestros, impulsionada por gangues poderosas como o G9. Nas duas primeiras semanas de junho deste ano, cerca de 8.500 mulheres e crianças foram forçadas a fugir de suas casas. Houve dezenas de ataques, vários massacres em bairros pobres, centenas de casas destruídas e incendiadas e vários jornalistas proeminentes e líderes da oposição foram assassinados. É amplamente aceito que as gangues estavam trabalhando com o regime de Moïse, e os massacres e assassinatos foram direcionados em um esforço para dizimar a oposição ao seu governo.
De acordo com a ONU, nos últimos nove meses cerca de 14 mil pessoas foram deslocadas como resultado da violência de gangues apenas em Porto Príncipe. Em meio a tudo isso, os casos de Covid-19 e óbitos decorrentes também aumentaram consideravelmente. Ressaltando a crise humanitária que se desdobra no Haiti, no total, cerca de 650 mil pessoas estão atualmente deslocadas no país, incluindo 500 mil na área metropolitana de Porto Príncipe.
Moïse cada vez mais isolado
Em resposta a essas ações autoritárias, houve um movimento de massa sustentado contra os movimentos de Moïse em direção à ditadura. O referendo constitucional havia sido agendado para o final de junho deste ano, mas em face da oposição generalizada acabou sendo adiado.
O regime de Moïse investiu recursos consideráveis em uma campanha para reforçar o apoio à nova constituição e às medidas propostas. Houve muito pouco apoio ao referendo. A cada parada da campanha, as massas saíam às ruas clamando por um boicote. Esta foi uma continuação direta do movimento de massas que, embora não apoiasse os tribunais e a oposição burguesa, também se mobilizou e clamou pela renúncia de Moïse.
Nos últimos meses, Jovenel havia se tornado cada vez mais isolado. A oposição ao seu governo e à proposta de constituição foi generalizada no Haiti. Ele teve muito pouco apoio para chegar ao poder, com uma eleição que teve o comparecimento de apenas 21% dos eleitores, com fraude eleitoral generalizada. Os Estados Unidos e a União Europeia acabaram por anunciar sua oposição, removendo os principais pilares internacionais de apoio ao regime de Moïse.
Até o próprio partido de Moïse, o PHTK, se manifestou contra seus planos para o referendo constitucional. O próprio partido do presidente era efetivamente seu último pilar de apoio aos planos de seu referendo. O motivo da oposição do PHTK ainda permanece obscuro. Alguns acreditavam que esta foi uma manobra inteligente que deu a Moïse uma saída da situação e permitiria ao partido no poder salvar a face, enquanto outros acreditavam que representava uma divisão profunda no partido no poder. Durante meses, circularam rumores de que Michel Martelly, o presidente anterior e figura importante no PHTK, planejava se candidatar contra Moïse nas próximas eleições presidenciais, em um esforço para impedir que os tribunais e a oposição estabelecessem um governo de transição.
Vácuo de poder
Uma alteração à constituição em 2011 estabelece que o Conselho de Ministros, sob a liderança do Primeiro-Ministro, deve tomar o poder em caso de destituição, demissão ou incapacidade do Presidente. No entanto, sem um parlamento funcionando e com o Estado em total desordem, quem exatamente assumirá o poder e como eles o manterão permanece incerto.
Conforme relatado pelo Miami Herald, há atualmente apenas 10 funcionários eleitos no Haiti, todos eles senadores. O atual primeiro-ministro interino, Claude Joseph, nunca foi ratificado pelo parlamento (devido à sua dissolução) e renunciou. Nesta semana, Moïse nomeou um novo primeiro-ministro, Ariel Henry, mas ele também não foi empossado. Ele seria o sexto primeiro-ministro durante o governo de Moïse. Houve oposição generalizada à sua nomeação, já que o direito de Moïse de nomear um novo primeiro-ministro foi contestado, visto que seu mandato havia terminado em fevereiro. Nenhum dos primeiros-ministros tem poderes legítimos, uma vez que a sua posição não pode ser legalmente ratificada pelo parlamento. No momento, até mesmo o Supremo Tribunal Federal, com poderes constitucionais fundamentais, está em desordem, já que o presidente do tribunal morreu recentemente em consequência de complicações da Covid.
A CNN está informando que o primeiro-ministro interino assumiu e declarou o estado de sítio, que é um passo acima do estado de emergência e um passo abaixo do estado de guerra. A polícia e as forças armadas foram posicionadas nas ruas e, de acordo com o primeiro-ministro Joseph, “têm sob controle a situação de segurança do país”. Isso parece difícil de acreditar, dado que o presidente acabou de ser assassinado sob sua supervisão.
Se este foi um assassinato planejado para criar mais instabilidade que justificasse um golpe futuro, ou se um golpe está em andamento agora não está claro, assim como o papel da polícia, das forças armadas e das gangues. Dado o isolamento do presidente e a oposição ao seu regime, as possibilidades são muitas. Do ponto de vista das massas operárias, dos pobres e dos jovens, eles só podem confiar em suas próprias forças. Pobreza, desemprego em massa, violência, nenhum desses flagelos que assolam milhões de haitianos são resultado de causas naturais ou do destino. Eles são a consequência da intervenção e intromissão imperialista, do esmagamento repetido de qualquer tentativa que as massas tenham feito para tomar seu futuro em suas próprias mãos. O imperialismo americano e europeu podem tentar tirar vantagem da situação para instalar um governo que eles possam considerar um par de mãos seguras. O editorial do Miami Herald já pede aos Estados Unidos que “avancem, de forma clara e vigorosa, para apoiar a democracia naquele país torturado”. Sabemos que quando falam de “democracia”, se referem a um governo fantoche imperialista dos EUA. A oposição burguesa também tentará obter o controle, para que ela possam governar no lugar de outra gangue burguesa em torno de Moïse. As massas não devem confiar em nenhum deles.
Continuaremos acompanhando a situação e fornecendo uma análise mais completa à medida que os eventos se desenrolam e os fatos se tornarem mais claros.