Em 6 de março, os estivadores iniciam uma greve contra um decreto do Governo do PP que destrói até os alicerces os direitos sociais obtidos com a organização e a luta, e recolhidos em convênios e leis, como o Convênio 137 da Organização Internacional do Trabalho, ratificado pela Espanha em 1973, para garantia e regularidade do emprego e das retribuições mínimas deste coletivo de trabalhadores.
A desculpa é uma sentença, ditada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em 11/12/14, que obriga modificar a legislação e liberalizar os portos. Esta norma, segundo os estivadores, vai muito além do que assinala a União Europeia, que não obriga explicitamente a que se degradem suas condições trabalhistas. Essencialmente, consiste em colocar os portos à disposição das grandes empresas do setor, a maioria delas multinacionais, livres de travas sociais, convênios coletivos, controle do profissionalismo e da capacitação dos trabalhadores etc.
Os representantes sindicais dos estivadores afirmam que o registro de trabalhadores portuários, cuja eliminação é elemento essencial desta batalha, onde estão recenseados os trabalhadores formados e experimentados no trabalho do setor, e que o governo do PP quer eliminar, persiste em 12 dos 27 países da União Europeia e, portanto, deve ser mantido. O governo afirma, pelo contrário, que a única forma de executar a sentença e de regulamentar o regime jurídico do serviço portuário de manipulação de mercadorias é derrogando a relação trabalhista especial dos estivadores portuários e com a extinção de todos os contratos dos trabalhadores que atualmente prestam seus serviços.
O decreto terá os seguintes efeitos:
- Os contratos indefinidos se convertem em empregos precários pendentes de contratação pelas empresas de estiva. Estas disporão de um período de três anos em que estarão obrigadas a contratar 75%, 50% e 25% durante o primeiro, segundo e terceiro ano. Portanto, poderão substituir 25%, 50% e 75% no primeiro, segundo e terceiro ano. Conclusão: é um Expediente de Regulamentação do Emprego que afeta os 6.150 trabalhadores da estiva em todo o país, uma demissão coletiva.
- Aqueles trabalhadores que não forem contratados deverão ser indenizados pela autoridade portuária, ou seja, com fundos públicos. Estima-se que a liquidação das sociedades portuárias – SAGEP – terá um custo total para o erário público de 350 milhões de euros.
A negociação dos estivadores com a patronal ANESCO, com quem haviam chegado a um acordo sobre a nova regulamentação da estiva depois da sentença, ficou rompida diante deste regalo ministerial que lhes oferece a possibilidade de obter mão-de-obra mais barata e com menos direitos trabalhistas.
O presidente da Autoridade Portuária de Bilbao declarava que “a estiva é um setor historicamente fechado, o que pressupõe uma inflação salarial”. Este é o xis da questão: baratear o trabalho nos portos através da precarização do emprego e da destruição dos convênios coletivos.
Quem são os estivadores?
É um coletivo de 6.150 trabalhadores com uma média de idade de 38 anos. Operam em um setor básico, o de carga e descarga de mercadorias que entram e saem da Espanha por barco. Carga valorizada anualmente em uns 200 bilhões de euros. Essas cifras implicam 86% do que o país exporta e 65% do que importa.
Dadas as características de seu trabalho, os estivadores estão muito organizados. A representação sindical é ostentada pela Coordenadora, com 74%; pela UGT, com 16%; e CCOO, com 8%. Também detêm posições a CGT, LAB, ELA, CIGA.
Os estivadores sofreram profundas transformações desde os anos 1980, nos quais o trabalho era manual e se necessitava de muita mão-de-obra. A modernização e mecanização dos portos desde os anos 1980, a introdução de grandes gruas e o transporte de contêineres implicou em passar de 12 mil a 5 mil trabalhadores. Com este excedente, no início dos anos 1980, foi criado o escritório especial de registro de estivadores para recolher os trabalhadores capacitados para quem não havia emprego, o que, de uma forma ou outra, se veio mantendo até a última reforma de 2012, ano em que o PSOE e o PP, conjuntamente, fazem uma lei de regime jurídico da estiva, criando as SAGEP, sociedades que empregam os estivadores, e que agora querem destruir.
Quais são as suas condições de trabalho?
O governo do PP e seus porta-vozes midiáticos desprestigiam os estivadores descrevendo-os como um setor privilegiado, totalmente alheio à realidade dos trabalhadores normais. Isto é falso, é intoxicação e propaganda, uma preparação para a guerra que o governo declarou aos estivadores. Tratam de isolá-los do restante da sociedade, para evitar que os trabalhadores de outros setores se vejam espelhados em sua luta e para evitar que desperte a solidariedade necessária para combater o governo.
As condições de trabalho são estipuladas em um acordo de marco estatal que regulamenta diversas matérias, como classificação profissional, rotação, exclusividade, registro etc. Em seguida, em cada porto se negociam os salários, os rendimentos, horários, produtividade. Há um salário garantido em torno de 1.000 euros/mês. As diferenças salariais ocorrem no interesse das grandes empresas porta-contêineres de descarregar aceleradamente, pelo que pagam prêmios de produtividade aos trabalhadores. Isto pode resultar em altos salários, embora muito trabalhados, nos grandes portos, e salários decentes nos portos médios e pequenos. Um bom exemplo é o porto de Tarragona: os profissionais que operam ali têm quatro categorias trabalhistas com salários brutos básicos que vão desde 850 euros até os 1.650 euros mensais brutos. A esta quantia devem-se somar os prêmios, se têm turno dobrado, e as taxas excedentes de trabalho à noite ou em dias festivos, ademais das que percebem por rendimento. Com tudo isso, a remuneração média bruta de um profissional em que ocorram estas circunstâncias, oscila entre os 60 mil e 70 mil euros ao ano.
As palavras dos estivadores do porto de Tarragona refletem com clareza quais são os seus privilégios: “Todos os dias às 7 horas da manhã as empresas de estiva entregam à Estarraco (sociedade de estiva em Tarragona) as ordens operativas e o pessoal previsto para o dia; a mesma operação se repete ao meio-dia. A partir daí, começa-se a fazer o sorteio com os trabalhadores disponíveis. Nunca sabemos se vamos trabalhar ou não nesse dia. Os turnos são ou de 6 ou de 8 horas e é habitual que dupliquem a jornada, até um máximo de 12 horas de trabalho. O que as pessoas normais podem programar durante o dia, nós não temos. Nossa vida é o trabalho”.
De fato, fazem piadas de como os divórcios são habituais neste coletivo. O trabalho mudou muito nos últimos 20 anos. “No início, passávamos o dia carregando e descarregando sacos. Os contêineres transformaram o setor, e da atividade manual se passou à grua”. Com a mecanização se passou de ações operativas de 20 trabalhadores a 10, enquanto as gruas reduziram as descargas realizadas por três pessoas a uma só. O representante dos estivadores de Tarragona afirma que a formação destes profissionais é constante. “Manejar uma grua não é fácil e aqui todos temos a carteira profissional. Antes éramos mão-de-obra pura e dura, enquanto que, agora, manejamos as gruas, as máquinas, os camiões, os sistemas informáticos e gerenciamos o trabalho; uma só pessoa tem uma grande polivalência, o que ajuda à empresa a reduzir os custos, visto que um só trabalhador pode realizar muitas atividades”.
Esta melhoria também ocorreu na segurança. A estiva sempre foi uma profissão em que a sinistralidade é elevada. Asseguram os representantes do comitê que um de cada quatro trabalhadores têm ao longo de sua vida um acidente grave e, dos quatro que participam da entrevista, todos sofreram um ou outro acidente. “Poderíamos estar os quatro mortos”, afirma Jordi Morro. Este é o “maravilhoso mundo de privilegiados” que o ministério quer apagar do mapa, um coletivo que – como o dos mineiros – a Seguridade Social reconhece como penoso e perigoso e lhes permite, dadas as condições de trabalho, antecipar a idade de aposentadoria.
A solidariedade na luta é imprescindível para ganhá-la
A política de privatização dos serviços públicos da União Europeia, política essa de que o governo do PP é firme partidário, definiu sua meta nos portos espanhóis onde, de um total de 150 empresas, um punhado formado por 12 multinacionais, que agrupam uns 4 mil estivadores, controla a maior parte do tráfego portuário, descarregando milhões de toneladas de mercadorias procedentes da China, do Extremo Oriente ou de outros países. Mas se encontraram com uns trabalhadores muito organizados, inclusive internacionalmente, que resistem à precarização e semiescravidão que este sistema e o governo que o representa impuseram à classe trabalhadora com as reformas trabalhistas desde o início da crise. Mas esta luta dos estivadores por um trabalho digno não pode ser uma luta somente sua. É uma luta do conjunto da classe trabalhadora deste país que se verá refletida nela e cujas solidariedade e compreensão dos motivos da luta são imprescindíveis para se ganhar.
A guerra declarada pelo PP aos estivadores é uma guerra total, inclusive o presidente da confederação empresarial valenciana, o primeiro porto no tráfego de contêineres do país, pede a intervenção do exército, como na greve dos controladores aéreos. A luta dos estivadores deve fazer sentir a força potencial da classe trabalhadora. O que está em jogo são empregos, condições de trabalho e salários dignos, frente à precariedade em massa e à miséria generalizada que se nos oferecem atualmente como trabalho assalariado. A decisão de lutar por seu futuro é clara; a organização e a confiança na vitória é total. Desde Lucha de clases queremos explicar, difundir a luta dos estivadores e neutralizar a intoxicação e falsidade que se divulgam de suas condições de vida e trabalho.
Os sindicatos de classe e a coordenadora deveriam lançar um apelo aos partidos da esquerda e, juntos, convocar uma grande mobilização, que, partindo de cada zona portuária, conflua em Madri, como vimos na marcha dos mineiros, e mostre o potencial da classe trabalhadora e obrigue o governo e o parlamento a retroceder, porque esta greve é a referência da luta de classes em nosso país.