A vitória eleitoral bolsonarista, na verdade mais uma desgraça que se abateu sobre os ombros da classe trabalhadora e de todos os segmentos oprimidos do Brasil, na senda do que já ocorrera nos idos de 1964, não foi assim tão imprevista. Ao contrário, foi um evento que deve ser encarado, em verdade, como um resultado da política de conciliação de classes, praticada pelos governos petistas de Lula, assim como de Dilma, que se lhe seguiu.
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Impõe-se, neste ponto, uma ponderação preventiva: ao contrário do que poderia ser alegado, o impeachment perpetrado contra Dilma e o governo do PT, em verdade constituiu, a um só tempo, um momento e uma resultante da referida política de conciliação de classes. Uma política que tentou, e tenta, conscientemente, despolitizar a luta de classes, bem como aparelhar e cooptar as organizações e as lideranças do movimento popular e sindical.
Vista a conjuntura política sob este ângulo crítico, pode-se entender melhor, e assim, mais eficazmente combater a política destrutiva, antinacional e antidemocrática do governo. Essa orientação ultraliberal e entreguista de Bolsonaro e sua corte de generais corruptos e de milicianos truculentos. Ainda que seja importante discutir sobre o caráter desse regime, e a possibilidade de uma vertente fascista desenvolver-se, isto se torna inócuo quando se parte de fundamentos idealistas e se recusa uma abordagem classista da questão. A aliança, hoje ainda em germe, entre militância operária e juventude que estuda e trabalha, é o que se impõe, por isso mesmo desenvolver e fortalecer.
Um 7 de Setembro para “preparar” a base bolsonarista
Dois anos e meio após sua posse como desgoverno, o Presidente fanfarrão e desbocado, sentindo e pressentindo o mau cheiro de sua derrota eleitoral, se pôs a esbaldar-se entre xingamentos contra autoridades constituídas e ameaças para todos os lados. Avançou principalmente contra a imprensa, incluída com destaque, e por ironia, a própria imprensa burguesa. Esforçou-se por agrupar as bases políticas que ainda lhe rendem apoio na sociedade. Em especial, moveu-se em direção às forças repressivas, buscando recrutar e reforçar uma base entre os soldados e demais agentes da violência estatal contra as massas.
Que fez o caricato candidato a ditador diante do cerco que pensava formar-se? Mobilizou recursos da máquina governamental, de seu séquito parlamentar, do aparelho estatal municipal e de seus apoiadores burgueses e pequeno-burgueses, na verdade, uma corja de reacionários. Expressão da própria decadência de ideias da burguesia, Bolsonaro deixa claro que sua visão de governo ideal passa por um golpe de mão e sua entronização como ditador. Pensam diferente dele, porém, certas frações importantes da burguesia, aquelas ligadas diretamente ao capital financeiro internacional e aos investimentos destes na economia nacional. Esta ala pensante da burguesia considera um mau caminho apoiar-se em um caricato ditador que, ademais, se apresenta com a descabida pretensão de um “justiceiro”.
Eis que o Dia da Independência “deu chabu”, para frustração da base reacionária mobilizada e ansiosa por um golpe de força por parte de Bolsonaro. Já no dia seguinte, o Presidente do STF, que era o órgão mais alvejado diretamente, respondeu duramente em nome da instituição, esta que, todavia, tem revelado o caráter mais autoritário e impostor dos interesses burgueses na República. Igual reação teve, maciçamente, toda a grande imprensa, esta que ecoa, como se sabe, os humores do “mercado”, leia-se, dos capitalistas que mandam.
Dois dias depois da PATROTADA FARSESCA, eis que a arrogância se travestiu de subserviência e o GRANDE FARSANTE veio a público desdizer, perante a nação brasileira e toda a atenta opinião internacional, tudo o que dissera. Desculpou-se por suas declarações feitas nos meses e semanas anteriores, num verdadeiro festival de grosserias, ameaças e insultos, alguns até de baixo calão. E o fez, cúmulo de ironia! Recorreu até a um “aliado” já execrado pelos democratas de todos os matizes, o inveterado golpista Michel Temer!
Esquerda reformista agita o “Fora Bolsonaro”, mas age pelo “Fica Bolsonaro”
Pelo que foi tratado até aqui, viu-se uma mudança rápida na postura dos diferentes segmentos dominantes. Em face do recuo do presidente fanfarrão, que arregimentara como pôde sua base de apoio, a burguesia se satisfez em manter a luta política no estágio anterior. Colocou-se a burguesia então de volta à tática de desgastar para preparar uma “mudança de regime” a seu gosto. Já o governo Bolsonaro, tendo recuperado o fôlego, retomou a ofensiva política para tentar criar suas tropas de assalto, necessárias à prática de suas aspirações autoritárias.
De parte da “oposição”, manteve-se o padrão costumeiro, ou seja, insistir apostando tudo nas possibilidades de vitória de Lula nas eleições de 2022. Neste sentido, as lideranças do aparato reboquista, onde se incluem dirigentes partidários e parlamentares, dirigentes sindicais e de movimentos populares, apresentam-se hoje com um calendário eleitoral revestido de mobilização de rua. Assim é que tentam dar à mobilização do dia 2 de outubro próximo o caráter de uma manifestação onde foi recolocada a palavra de ordem de Fora Bolsonaro, mas com o conteúdo de uma aliança eleitoral entre 13 partidos políticos, em prol da candidatura de Lula em 2022.
Nada, todavia, de colocar-se um combate sério e encarniçado em torno de reivindicações e dos graves problemas que as massas exploradas têm por resolver. É como se tudo girasse, apenas, em torno de uma orientação política de espera passiva do desgaste da imagem de Bolsonaro e seu desgoverno, a ser substituído pacificamente em eleições como as outras no próximo ano. É, exatamente, nessa espera passiva que reside o nó górdio atual da política de conciliação de classes, mais que nunca uma política essencialmente oportunista.
Deve-se atentar em tal conjuntura para a importância decisiva de levantar-se, no seio da classe trabalhadora e da juventude, a palavra de ordem Abaixo Bolsonaro Já. Essa perspectiva hoje polariza o caminho imediato para lutar pelas reivindicações fundamentais dos trabalhadores e para garantir o respeito aos direitos democráticos de todos os segmentos explorados. Lutar pela derrubada imediata do governo, pelos métodos e pela iniciativa dos próprios trabalhadores, é o caminho para estimular a organização independente de cada luta particular, através de iniciativas de mobilização pela base, por local de trabalho e por local de moradia.
Nessa perspectiva, coloca-se a enorme responsabilidade política de todos os agrupamentos e organizações do campo da esquerda classista, no exercício de uma prática de frente única. Com tal diretriz, os militantes da Esquerda Marxista chamam a todos desse campo ao combate conjunto para a aplicação de uma política classista, contraposta à orientação reformista das lideranças sindicais, bem como das lideranças dos movimentos sociais que se guiam pela política de conciliação de classes. Esta é, precisamente, a marca registrada de todos os segmentos da esquerda oportunista que, com sua política vacilante, tímida e demagógica, soma com o bloco das classes burguesas. Mesmo que a contragosto, a “oposição” converge com aqueles setores que apoiam o bolsonarismo, no sentido de sustentar o governo até o fim de seu mandato e de buscar a manutenção do Estado burguês, com todas as suas instituições características!
Organização independente dos trabalhadores e greve geral
Retoma-se agora a referência ao conceito de organização independente dos trabalhadores para assinalar, conjuntamente, a sua importância e urgência específica em face da presente conjuntura política. Com efeito, para além de sua importância intrínseca na estratégia revolucionária dos trabalhadores, coloca-se hoje o desafio de perceber a oportunidade ímpar de tal diretriz política central.
Vive o mundo atualmente uma época revolucionária. Mas é uma época diferente da de outras de mesmo caráter, como aquela do início do século 20. A primeira revolução proletária vitoriosa, a Revolução Russa de 1917, trouxe muitos ensinamentos. O principal deles foi que, para se consolidar e construir-se a sociedade comunista, ela teria que se impor em escala mundial. O que distingue o atual momento histórico, nessas duas décadas iniciais do século 21, é justamente a escala mundial planetária das conjunturas revolucionárias. Nessa dinâmica, vemos a simultaneidade dos processos de revolução e contrarrevolução, o que torna frequente a mudança de velocidade dos eventos políticos.
Na conjuntura brasileira atual, marcada pela ausência de mobilização com consignas próprias dos trabalhadores, assume papel crítico decisivo o exercício de uma ação política que expresse as necessidades objetivas do conjunto da população trabalhadora. Uma ação que, necessariamente, tem escala nacional e se desenvolve com base na realidade específica de cada categoria e região. Mas que precisa, por outro lado, articular-se, politicamente, em escala internacional porque se combina com os processos internacionais de luta da classe trabalhadora, em seu combate sem tréguas contra o jugo do capitalismo.
Os eixos principais de uma plataforma de reivindicações estão fincados numa questão crucial que se encontra, como raiz pivotante, na assim chamada dívida pública. Esta, deve-se notar, não é sequer mencionada em nenhum dos diversos programas ou propostas dos partidos burgueses, e é abordada com viés reformista e pequeno-burguês nos partidos que se reivindicam da luta dos trabalhadores, como no caso do PT. Neste, em suas análises e propostas, não se tem qualquer referência ao que é essencial, isto é, a ILEGITIMIDADE da Dívida Pública!
No trabalho de agitação política é necessário que os militantes estudem em profundidade a questão da dívida pública, interna e externa, para se capacitarem a explicar, aos trabalhadores e à toda a cidadania, o seu verdadeiro significado, econômico e político, e com base nisto, possam denunciar o seu caráter essencialmente antissocial e antinacional. A vanguarda revolucionária precisa demonstrar aos trabalhadores que o endividamento público ocorre pelo pagamento de juros, a credores capitalistas, por conta de débitos não contraídos pelo conjunto da população trabalhadora. Urge denunciar o mecanismo das dívidas interna e externa como principal expediente de dominação imperialista sobre o país e de subordinação da classe trabalhadora aos ditames dos capitalistas imperialistas.
Por esta razão, a consigna de não pagamento da dívida pública deve ocupar lugar privilegiado na pauta política dos trabalhadores, e no correspondente trabalho de sua esquerda classista. A respeito da bandeira da Greve Geral, urge considerar o seu enorme potencial mobilizador, como instrumento por excelência da luta de classes. Mas para cumprir seu papel, de modo inequívoco, impõe-se convocá-la em função de objetivos claros e em relação direta com as lutas reivindicatórias dos segmentos avançados da população trabalhadora.