Os Estados Unidos estão na beira de um precipício olhando para um abismo de proporções até agora inimagináveis. Desde março, mais de 56 milhões de trabalhadores entraram com pedidos de seguro-desemprego e, até o momento em que escrevemos este artigo, quase a metade deles está recebendo o seguro-desemprego.
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A economia se manteve flutuando até agora apenas devido a uma injeção monetária sem precedentes, com bilhões de dólares fazendo uma breve parada nas contas bancárias dos trabalhadores comuns antes de serem canalizados aos cofres dos capitalistas sob a forma de aluguéis, juros e lucro.
No entanto, mesmo esta limitada tentativa da classe dominante de se aproveitar das condições mais flagrantes da barbárie capitalista não será capaz de estabilizar o sistema por muito tempo, devido ao massivo deslocamento econômico desencadeado pela Covid-19. Esses benefícios – que não durarão para sempre – não são suficientes para cobrir as despesas mensais de muitos trabalhadores. De acordo com uma pesquisa nacional, um número surpreendente de 43% dos locatários em todo o país não conseguia pagar o aluguel até o final de julho. Em consequência, até mesmo comentaristas burgueses, como Robert Reich, alertaram a população para se preparar para uma onda de execuções hipotecárias, de despejos – e fome – diferente de tudo o que aconteceu desde a Grande Depressão.
Uma catástrofe iminente
Visto que o governo federal e a maioria dos governos estaduais não coletam dados de despejos, os números em escala nacional podem ser difíceis de rastrear. O Eviction Lab, um banco de dados que compilou os dados de despejos a partir dos registros judiciais em apenas 17 cidades desde o início da pandemia, registrou mais de 36.500 nessas cidades desde meados de março. Estimam que cerca de 28 milhões de locatários estarão em risco de despejo nos próximos meses – quase o triplo dos cerca de 10 milhões que perderam suas casas nos destroços da crise de 2008. Um estudo de dados do US Census Bureau, publicado pelo Aspen Institute eleva a estimativa significativamente, projetando que entre 30 e 40 milhões de locatários enfrentam o risco de despejo.
Só em Nova Iorque, mais de 200.000 casos de despejo estão pendentes, embora uma moratória estadual temporária sobre os despejos os tenha colocado na espera até o fim de outubro. Moratórias semelhantes de despejo foram promulgadas e expiraram em quase metade dos estados. Como resultado, estimou-se que até 23 milhões de locatários corriam o risco de serem expulsos de suas casas até o final de setembro.
Com a eleição se aproximando e com o tratamento inadequado da pandemia afetando as avaliações eleitorais de Trump, o presidente calculou que proporcionar abrigos para os desabrigados em todo o país, com milhões de famílias recém-despejadas, até novembro, não era uma estratégia vencedora. Atuando por meio do CDC [Centro de Controle e Prevenção de Doenças], o governo anunciou uma suspensão temporária dos despejos até depois da eleição. Esta medida não oferece alívio para as dezenas de milhões de locatários cujo dia de ajuste de contas foi simplesmente adiado por alguns meses.
Mesmo com a moratória temporária em vigor, os inquilinos ainda são obrigados a pagar o aluguel atrasado, com alguns estimando que pelo menos uma injeção monetária adicional de 100 bilhões de dólares será necessária para estabilizar a situação. Tudo isso acontece em um momento em que a insegurança habitacional, a gentrificação e a falta de moradia já estavam em níveis de crise. Em 2016, quando a taxa oficial de desemprego estava abaixo de 5%, houve 3,6 milhões de despejos nos EUA. E, como acontece com todos os aspectos da crise capitalista, que foi empurrada a níveis nunca vistos antes pela Covid-19, famílias latinas e negras sofreram o que um comentarista chamou de “desastre de equidade racial”.
A escala desse maremoto também não é, de forma alguma, reduzida pela moratória. No Missouri, mais de 40% dos inquilinos podem perder suas casas (mais de 200.000 inquilinos) quando a proibição temporária de despejos for suspensa. No Kansas, mais de um terço dos inquilinos podem enfrentar o despejo – 81.000 a mais.
De acordo com as pesquisas semanais conduzidas pelo US Census Bureau, quase um terço dos locatários em Dakota do Sul tinha pouca ou nenhuma confiança de poder pagar o aluguel em agosto. Milwaukee viu um aumento de 89% nos despejos nas semanas após a suspensão da moratória. E, graças à benevolência e compaixão de alguns proprietários, alguns inquilinos foram até despejados só por se infectarem com a Covid-19. Esses são os horrores que lhes estão reservados quando a proibição federal for suspensa.
Começa a reação
No entanto, milhões de pessoas não ficarão apenas esperando sentados enquanto são expulsas de suas casas sem cerimônia. Já podemos ver o início de uma luta contra o flagelo dos despejos, com os trabalhadores se organizando para defender suas casas. Em Crown Heights, no Brooklyn, pequenos grupos de manifestantes realizaram ações improvisadas de defesa contra as tentativas de despejo. Em Nova Orleans, os manifestantes bloquearam o processo de despejo em um tribunal. E Washington, D.C. e em Chicago, ocorreram várias greves de aluguel em pequena escala.
Esses desenvolvimentos positivos fornecem um pequeno vislumbre do crescente descontentamento na sociedade. Com tantos milhões de pessoas empurradas repentinamente para a precariedade extrema, o desejo de agir pode rapidamente assumir proporções sem precedentes. Mas que tipo de ação é necessária para impedir o tsunami de despejos que se aproxima?
Apelos improvisados por greves de aluguel – geralmente sem uma estratégia elaborada ou plano organizacional – são frequentemente derrotados. Isso deixa os ativistas desmoralizados e os inquilinos na rua. Claramente, serão necessárias mais do que ações de “guerrilha” em pequena escala e do que campanhas improvisadas de bairro para confrontar o poder combinado dos bancos, dos proprietários, dos incorporadores imobiliários e dos especuladores. Isso sem falar de todo o aparato do Estado – as leis, os tribunais e a aplicação da lei – que existe precisamente para defender os interesses dos proprietários.
Mesmo com os planos mais bem elaborados e com os esforços heroicos de uma rede crescente de ativistas locais, as iniciativas em pequena escala não podem impedir os despejos e as pequenas vitórias ocasionais não impedirão a maré que se aproxima. Afinal, a classe dominante e seu Estado têm imensos recursos à sua disposição e são mais do que capazes de “esperar” interrupções de curto prazo do fluxo de caixa. Do que se necessita é de uma resposta organizada, em grande escala, que possa se apoiar no poder da classe trabalhadora. Nos últimos meses, a experiência de dezenas de milhões de pessoas se mobilizando nas ruas contra a brutalidade policial confirmou as palavras de Malcolm X: “Não estamos em menor número – estamos desorganizados!”
A luta de classes é o único caminho
Os padrões de vida da classe trabalhadora como um todo estão em jogo, e a classe trabalhadora é a única força que pode evitar um colapso completo no deslocamento e na miséria que o sistema reservou para nós. Mas, se os esforços em pequena escala não são páreo para a enxurrada de despejos que se aproxima, como seria uma resposta bem organizada e em massa da classe trabalhadora?
O movimento operário tem um papel central a desempenhar nesta batalha. Isso não ocorre apenas porque um número significativamente maior de trabalhadores (incluindo mais trabalhadores sindicalizados) começou a pagar aluguéis a taxas muito mais altas após a crise de 2008. O trabalho organizado é a única força com recursos, infraestrutura organizacional e presença nacional que poderia dar a uma greve do aluguel o escopo e o suporte necessários para realmente enfrentarmos os proprietários de terra em todo o país.
Diante da catástrofe iminente, uma direção sindical combativa mobilizaria os 14,6 milhões de sindicalistas do país em uma campanha nacional contra os despejos. Isso começaria com a criação de sindicatos de inquilinos e de comitês de defesa em todos os bairros da classe trabalhadora de todas as grandes cidades. Esses comitês forneceriam uma estrutura municipal e nacional para coordenar e unificar as lutas de grupos de inquilinos contra vários proprietários. Mais importante ainda, generalizaria esta luta e daria a ela um claro caráter de classe trabalhadora ao mobilizar a solidariedade de massas sob o slogan “um dano a um é um dano a todos!” Tentativas de despejo seriam recebidas com mobilizações de massa de resposta rápida para bloquear fisicamente sua execução. Se necessário, os comitês organizariam a defesa coletiva contra qualquer repressão violenta do Estado.
Apenas a resistência organizada nesta escala – combinada com uma ação de greve industrial bem organizada – pode impedir com sucesso despejos em massa, forçar concessões dos proprietários de terras e combater a ameaça de repressão por parte das autoridades. Greves em massa adequadamente preparadas – de aluguel ou outras – podem afetar onde dói os grandes proprietários e os bancos, ao interromper a entrada dos aluguéis ou dos lucros.
Por meio desse tipo de tática militante, a classe trabalhadora pode se defender de um mergulho imediato na barbárie capitalista. Mas a luta nas ruas também deve ser acompanhada por uma luta pelo poder econômico e político contra os partidos dos patrões: os democratas e os republicanos.
Afinal, todo o aparato estatal está alinhado com os grandes latifundiários e capitalistas. Enquanto eles estiverem escrevendo e aplicando as leis, a luta contra os despejos, contra a austeridade e para impedir que a maioria caia na miséria geral deve encontrar um veículo político na forma de um partido socialista de massas da classe trabalhadora.
Para acabar com os despejos, devemos acabar com o capitalismo!
A ousada política de luta de classes delineada acima representaria uma virada de 180 graus em relação à atual camada de líderes trabalhistas pró-negócios dos EUA que, por décadas, responderam ao colapso dos padrões de vida da classe trabalhadora com vergonhosa passividade. Sua visão conservadora contrasta diretamente com a raiva sem precedentes e a disposição de revidar entre os trabalhadores, principalmente os jovens, que sofrerão o impacto desta crise.
A nova geração da classe trabalhadora está sendo moldada sob o impacto de catástrofes consecutivas – cada uma das quais teria sido descrita como um infortúnio “singular” no passado, antes de 2008. Assim como a última crise finalmente encontrou sua expressão política na orientação de uma geração inteira em direção às ideias socialistas, a crise de 2020 levará milhões inexoravelmente a abraçar uma perspectiva ainda mais revolucionária.
Se há uma conclusão a se tirar dos eventos devastadores dos últimos meses, é que o sistema capitalista exauriu totalmente seu potencial para atender às necessidades da humanidade como um todo. Se realmente queremos acabar com o flagelo dos despejos, devemos lutar contra sua fonte: o próprio capitalismo. Afinal, quando seguimos o rastro do dinheiro, vemos que a questão não se limita a este ou aquele proprietário individual – muitos dos quais estão sendo pressionados pelos grandes bancos, especuladores e magnatas do capital financeiro que realmente controlam a economia – mas sim ao próprio tecido econômico e político que dá origem a esses problemas.
De Nova York à Califórnia e a muitas cidades intermediárias, Socialist Revolution analisou a crise imobiliária nos Estados Unidos durante anos. Como já dissemos várias vezes, com base nos estoques existentes, mesmo sem a construção de novas moradias, poderíamos acabar com a falta de habitações virtualmente da noite para o dia, por uma razão simples: há mais casas vazias do que pessoas sem-teto.
É uma farsa que a chamada insegurança habitacional exista no país mais rico do mundo. Apesar de seu desperdício e de sua tirania burocrática, até mesmo os estados operários “comunistas” deformados e degenerados do passado foram capazes, no mínimo, de erradicar a falta de moradia. Imagine-se o que poderia ser feito com todos os recursos das forças produtivas dos EUA e do mundo hoje!
Mesmo antes da pandemia, quase metade das famílias de locatários nos EUA lutavam para cobrir os custos de moradia, com aproximadamente 11 milhões gastando mais de 50% de sua renda com o aluguel. O fato de o capitalismo não ter sido capaz de fornecer o que deveria ser um direito humano básico no século 21 é uma condenação total da podridão de todo o sistema.
Em contraste com o parasitismo e a anarquia do mercado imobiliário capitalista, a CMI luta por uma economia democraticamente planificada que proibiria imediatamente todos os despejos e execuções hipotecárias enquanto, ao mesmo tempo, procederia a nacionalização de todas as casas vazias nas mãos de especuladores imobiliários, para fornecer moradia para todos. Um governo dos trabalhadores erradicaria rapidamente a falta de moradia como parte de um plano voluntário de habitação socializada, começando por limitar os aluguéis a não mais que 10% dos salários.
Tal transformação poderia ser realizada virtualmente da noite para o dia – com a condição de que a classe trabalhadora se organizasse para tirar o poder econômico e político dos capitalistas. Ao contrário dos reformistas que querem mexer neste ou naquele aspecto do mercado ou propor soluções tecnocráticas opacas e abstratas, destacamos que o que é necessário é a luta de classes revolucionária.
Felizmente para a humanidade, a classe trabalhadora – a única classe verdadeiramente revolucionária do mundo – nunca foi antes tão forte. Os recentes protestos do BLM [Black Lives Matter] mostraram que, mesmo quando uma fração da classe se levanta, até mesmo o Comandante-em-Chefe da força repressiva mais poderosa do mundo pode ser obrigado a se refugiar em um abrigo.
Quando a classe trabalhadora se move seriamente – e acima de tudo, quando ela se organiza – nenhum poder na terra será capaz de detê-la. Mas a vitória depende do trabalho preparatório de construção de uma direção revolucionária que possa transmitir um programa socialista em grande escala no momento decisivo. Não há tempo a perder!