Na sexta-feira, 18 de setembro, a Presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, do PP (Partido Popular), partido de direita, anunciou um “confinamento seletivo” de 37 zonas dos bairros do sul da cidade e de outras cidades da periferia da capital. Aqui ficam alguns dos bairros mais pobres e, também, dos mais atingidos pela pandemia da Covid-19. Essa medida discriminatória e ineficaz, implementada na segunda-feira, 21 de setembro, gerou indignação imediata entre os moradores desses bairros populares que se manifestaram em uma série de protestos.
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Madrid voltou a ser o epicentro do coronavírus na Espanha, com uma média de 598 casos por 100.000 residentes: o dobro da média nacional. A nova medida foi implementada em áreas de Madri onde a taxa de incidentes é agora de 1.000 casos por 100.000 residentes, na tentativa de conter a alarmante disseminação. A medida já está se mostrando insuficiente hoje (quarta-feira, 23 de setembro), visto que o “confinamento seletivo” foi estendido a outras 16 zonas que já ultrapassavam a taxa de incidentes de 1.000 casos na sexta-feira.
O principal objetivo da medida é restringir a entrada e saída dos distritos do sul, mas permite viagens por motivos de trabalho ou de força maior. Em uma capital na qual centenas de milhares de pessoas se deslocam em linhas de metrô lotadas, trens suburbanos e ônibus, as áreas mais atingidas, que estão sendo restringidas por esta medida, apresentam as maiores taxas de mobilidade total. Por exemplo, 57% dos residentes de Villa de Vallecas (com um renda médio de 39.800 euros por ano), viajam mais de três quilômetros para trabalhar todos os dias, em comparação com apenas 37% dos residentes mais ricos de Salamanca (aluguel médio de 57.000 euros por ano). Os residentes dos bairros centrais e mais ricos têm maior probabilidade de trabalhar em casa ou perto de casa, enquanto os do sul devem viajar para o centro para trabalhar em serviços que não podem ser realizados online. Além disso, apenas 7,2% dos residentes de Chamberí no centro (aluguel médio de 50.000 euros por ano) viajam em transporte público durante a hora do rush matinal entre 6-10h, enquanto a taxa de viagem é o dobro na hora do rush nos distritos do sul.
Ayuso disse que convocar um novo estado de alarme ou medidas de quarentena, como foi o caso no início do ano, deve ser evitado “a todo custo” para prevenir desastres econômicos. Com base nisso, Ayuso prefere arriscar a vida de milhares de trabalhadores para manter a economia funcionando com seu trabalho. Assim, os lucros capitalistas têm precedência sobre a vida das pessoas. O que realmente despertou a ira e a indignação entre os trabalhadores foi Ayuso atribuir a propagação do vírus “ao estilo de vida do nosso imigrante [população] em Madrid”. Em resposta a esta política discriminatória de confinamento seletivo, juntamente com os comentários abertamente racistas e preconceituosos de Ayuso, as associações de bairro das áreas operárias de Villaverde, Usera, Vallecas e Carabanchel manifestaram-se em um protesto espontâneo na Puerta del Sol (a principal praça no coração da capital) na noite de sexta-feira, 18 de setembro, e novamente protestos em massa ocorreram no domingo, 20 de setembro em todos esses bairros, com dezenas de milhares de pessoas tomando as ruas, gritando apoio das varandas ou juntando-se à marcha quando os manifestantes passavam por perto de seus apartamentos.
As mobilizações até agora não mostram sinais de abrandamento, uma vez que está previsto um novo protesto para o próximo domingo, 27 de setembro, apoiado por uma declaração assinada pela Federação Regional das Associações de Bairro (FRAVM), bem como pelos principais sindicatos e partidos de esquerda, denunciando o atual estado de coisas. As demandas mais radicais e militantes vêm das associações de bairros dos distritos confinados, que escreveram um “Manifesto pela Dignidade do Sul”, que rejeita completamente a política antioperária e racista de confinamento seletivo. O Manifesto pede métodos mais eficazes para combater a propagação do vírus, incluindo o investimento necessário nos distritos do sul em educação e saúde. O manifesto denuncia décadas de abandono da prefeitura, que é um dos principais fatores para que esses bairros sofram tanto com o vírus: “nosso estilo de vida é que a maioria está condenada por falta de investimento, não escolhemos isto”.
Raiva acumulada
Na verdade, o último plano de investimento para melhorar os distritos do sul foi em 1997-2003, e foi insuficiente e inacabado. A Associação de Moradores de Villaverde apresentou uma lista de 200 medidas para compatibilizar seu bairro com as demais áreas de Madri, que não foram implementadas. Os habitantes de Vallecas, Usera, Carabanchel e Villaverde se sentem demonizados por Ayuso e seu governo, e com razão. Ao longo dos anos, eles foram responsabilizados pelos altos índices de criminalidade, abuso de drogas e, agora, pela disseminação da pandemia. Moradores entrevistados em Puente de Vallecas destacaram que “as pessoas não estão fazendo o que querem e, como resultado, se contaminam, é porque vivemos juntos em pequenas casas”. Eles também afirmam que é um privilégio poder ficar em casa e, para muitas famílias da classe trabalhadora no sul de Madrid, “ou a Covid-19 nos mata ou a fome nos matará”. Se olharmos as estatísticas, bem como a situação internacional, podemos ver que as regiões mais pobres do mundo são as mais afetadas pelo coronavírus. Em Puente de Vallecas, o tamanho médio das casas é de 84 metros quadrados e 1.240 casos foram registrados nos 14 dias anteriores ao relatório. Em Chamartín, o tamanho médio das casas é de 135 metros quadrados e só foram registrados 483 casos no mesmo período.
Esses bairros da classe trabalhadora no sul têm famílias inteiras compartilhando quartos individuais e minúsculos apartamentos, e são compostos em sua maioria por trabalhadores precários que se deslocam frequentemente de transporte público para trabalhar. Ecoando involuntariamente a famosa citação de Ted Grant de que nenhuma lâmpada brilha sem a gentil permissão da classe trabalhadora, o Manifesto escrito por essas associações militantes de bairro orgulhosamente lembra ao governo que: “sem nós, não haveria cuidados para os idosos, nem limpeza de ruas ou espaços públicos, nem entregas de comida ou água purificada”. Esses bairros estão agindo e exigindo mais profissionais de saúde em seus centros médicos, metrô e trens subterrâneos mais frequentes para que os passageiros possam se espalhar e se distanciar socialmente em vez de serem embalados como sardinhas e respirando uns nos outros através de suas máscaras. Eles também precisam de rastreamento e testes abrangentes para determinar com precisão as taxas de infecção e conter a disseminação do vírus de maneira adequada.
Ontem [22 de setembro], com 3.682 casos novos e 39 mortes em Madrid, notificados nas 24 horas anteriores, Ayuso admitiu que é “incoerente aplicar medidas em algumas zonas e não em outras”. Com quase metade de todos os casos de Covid-19 na Espanha, são necessárias medidas mais drásticas do que toques de recolher às 22 horas e serviço de mesa em vez de serviço no bar.
Com isso em mente, os camaradas da seção espanhola da CMI elencaram uma série de demandas para enfrentar adequadamente o crescente número de casos de coronavírus e proteger os bairros operários da capital:
- Defender 100 por cento de saúde pública. Impedir qualquer tentativa de privatizar os serviços públicos, especialmente os do setor da saúde.
- Testes massivos de pelo menos dois membros por unidade familiar e máscaras gratuitas para a população.
- Nacionalização do sistema privado de saúde (que recebe generosos recursos públicos) para fazer frente à emergência sanitária e assim garantir seu uso por toda a sociedade. Esta medida foi promulgada pelo Governo Central no anterior confinamento, mas foi deixada nas mãos das Comunidades Autónomas, que pouco ou nada fizeram. Deve ser efetivado!
- Contratar os rastreadores necessários sem recorrer a empresas privadas (já que esta é apenas mais uma estratégia para desviar dinheiro público para empresas clientes do PP).
- Priorizar fundos públicos para o recrutamento do pessoal de saúde necessário, de modo a não sobrecarregar os departamentos de emergência e ambulatórios. É necessário reforçar o quadro de funcionários se quisermos evitar cenários piores.
- Dobrar a frequência do metrô, trens suburbanos e ônibus; contratação dos trabalhadores necessários. Essa será a única maneira de garantir um nível adequado de distanciamento social para uma viagem segura.
- Encerramento por 15 dias de toda a atividade econômica, exceto os serviços essenciais decididos pelos próprios trabalhadores, com os empregadores pagando os salários dos trabalhadores.
- Renúncia do governo de Ayuso e dissolução da Assembleia de Madrid. Convocação de eleições antecipadas na Comunidade de Madrid.
- Uma greve geral de 24 horas para exigir o cumprimento dessas e outras demandas e para forçar a renúncia do governo Ayuso.
- Constituição de comitês de bairro coordenados entre os próprios moradores, para organizar a greve e a luta dos bairros.
O grande número de participantes nas manifestações semi-espontâneas realizadas às pressas no fim de semana é um reflexo da raiva acumulada abaixo da superfície. Durante a maior parte da pandemia, foi a direita que tentou se mobilizar nas ruas, usando a Covid-19 como desculpa. Agora a classe trabalhadora se vinga, saindo em defesa do serviço de saúde, da educação do Estado e contra as políticas antioperárias de direita. Se as associações de bairro, os sindicatos e os partidos e organizações de esquerda dessem a essa raiva uma expressão organizada por meio de uma greve geral regional, os dias do governo de direita de Madri estariam contados.