O Equador está entrando na terceira semana da greve nacional convocada pela CONAIE (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador) com base em 10 demandas para lidar com a crise do custo de vida. Está sendo alcançado um ponto crucial para o futuro do movimento. A questão de quem governa a sociedade foi levantada, mas não resolvida. O impasse pode causar cansaço e desmobilização. Inclusive com a utilização de armas letais, a polícia reprime violentamente as mobilizações, que são defendidas por jovens na linha de frente. Desde o início da greve nacional, já houve cinco mortes, oito desaparecimentos e pelo menos 127 detenções.
Na quinta-feira, 23 de junho, os manifestantes retomaram a Casa da Cultura, na capital Quito, onde novas assembleias de massa foram realizadas naquele mesmo dia. A assembleia popular de massas reafirmou o apoio à greve nacional, exigiu a suspensão do estado de emergência em curso e respostas concretas aos 10 pontos da agenda de mobilização. Após a reunião de massa, dezenas de milhares marcharam até a Assembleia Nacional onde houve uma tentativa de diálogo com o presidente da instituição. O banqueiro presidente Lasso, com a desculpa de que estava com COVID, não recebeu os manifestantes.
Temendo que o movimento tentasse tomar o prédio da Assembleia Nacional, como bravamente o fez com os governos das províncias de Tungurahua e Cotopaxi, houve uma mudança de tática por parte do aparelho estatal. Em pânico, intensificou a repressão com uma onda de violência estatal que resultou em mais duas mortes.
O ministro do Interior, Patricio Rosero, falou abertamente sobre o aumento da repressão e autorizou o uso de munição de chumbo granulado tipo espingarda. Na sexta-feira, 24 de junho, a polícia atacou a Casa da Cultura durante uma nova assembleia e assaltou repetidamente, durante a noite, a Universidade Central do Equador, onde estão hospedados idosos e crianças, usando grandes volumes de gás lacrimogêneo.
A brutal repressão tinha o objetivo de esmagar o movimento e foi combinada a uma campanha de desinformação na mídia afirmando falsamente que as colunas camponesas estavam começando a se retirar da capital.
Infelizmente, a bancada parlamentar do Pachakutik, o braço político da CONAIE, aderiu a esta campanha. Em uma coletiva de imprensa presidida por Marlon Santi, coordenador nacional do Pachakutik, eles pediram que os manifestantes “voltassem às zonas de paz” para que não morressem mais pessoas. A imprensa burguesa obviamente deu ampla publicidade a esta declaração na tentativa de desmobilizar o movimento.
Os dirigentes da CONAIE e das demais organizações convocadoras mantiveram-se firmes, reagruparam forças e explicaram que a greve continuava. A violência brutal das forças da “lei e ordem” na sexta-feira, que foi respondida por uma batalha campal e barricadas, foi seguida por uma marcha massiva liderada pelas mulheres do movimento no sábado, 25 de junho.
Assembleia Nacional discute moção de morte nos dois sentidos
Enquanto isso, na Assembleia Nacional, o partido de Correa, Unión por la Esperanza (UNES), com seus 47 deputados, apresentou uma moção de “muerte cruzada” (literalmente “morte de mão dupla”, pela qual o legislativo pode demitir o executivo) que exige a destituição do Presidente da República, levando a uma nova Assembleia Nacional e a eleições presidenciais. Esta foi uma tentativa de oferecer uma forma de remover o odiado Presidente Lasso por meio de um procedimento parlamentar.
Como esperado, os partidos de direita imediatamente declararam sua oposição à moção. Todos eles estão cientes de que seria muito difícil reeleger um presidente dos partidos burgueses em novas eleições, e quaisquer que sejam as diferenças que separam o Partido Social Cristão (PSC) de Lasso, eles estão unidos pela defesa comum da ordem burguesa.
Contudo, o mais escandaloso foi a posição do grupo parlamentar Pachakutik, que deveria ser o braço político da CONAIE no parlamento, e que inicialmente se pronunciou contra a moção, ou seja, em defesa do presidente Lasso! O argumento? Que a moção era uma manobra do Correismo, e que ambos (UNES e Presidente Lasso) são igualmente ruins e, portanto, não há escolha.
Admitamos por um momento que isso seja verdade: se a moção da UNES obtivesse os votos necessários, o resultado seria novas eleições para a Assembleia e eleições presidenciais, nas quais os diferentes partidos, incluindo o Pachakutik, competiriam. Como podem ser contra isso? Além disso, a moção da UNES propunha a destituição do presidente Lasso por ter aprovado o estado de emergência e reprimido o movimento grevista nacional convocado pela CONAIE. Como pode Pachakutik justificar um voto contra tal moção?
Mais uma vez, vemos como o sectarismo extremo de algumas lideranças indígenas contra o Correismo os leva a se aliar ao banqueiro Lasso, como já aconteceu em 2015.
Esta decisão escandalosa rapidamente levou a uma divisão da convenção política de Pachakutik e 10 dos membros da assembleia se declararam publicamente a favor da moção contra Lasso. A pressão da base foi tanta que, no final, a bancada de Pachakutik emitiu um comunicado oficial convocando todos os membros da assembleia do partido a votar a favor da moção e contra Lasso. Apesar disso, alguns parlamentares da direita do movimento, como Salvador Quishpe, continuam insistindo em contestar essa decisão.
No final de sábado, 25 de junho, o governo Lasso revogou o decreto de estado de emergência. Isso nada mais é do que uma tentativa cínica de minar a legitimidade da moção contra o governo, que se baseia justamente na oposição ao estado de emergência. A repressão à greve nacional, com ou sem estado de emergência, continua. A única diferença é que legalmente o exército não pode ser usado, pelo menos por enquanto.
A moção contra Lasso na Assembleia Nacional, que está sendo discutida e deve ser votada na segunda ou terça-feira, dificilmente será aprovada. De acordo com os regulamentos, é necessária uma maioria qualificada de 91 votos. A UNES tem 47 deputados e o Pachakutik 25, pelo que, se este último votasse em conjunto, haveria um total de 72 votos. A Esquerda Democrática (15 votos) e o Partido Social Cristão (14 votos) já se manifestaram contra. Obviamente, a convenção política do Acordo Nacional do presidente Lasso (25 votos) votará contra, ficando por determinar o voto dos 11 independentes, o que de qualquer forma não somaria os 91 votos necessários.
O caminho para derrubar o odiado Lasso por meios parlamentares parece estar fechado por enquanto.
O Fundo Monetário Internacional
Como muitas vezes acontece, o FMI primeiro submete o povo de um país dominado pelo imperialismo a uma política brutal de austeridade para que eles paguem seus empréstimos, lançando o país em uma convulsão social. Mas quando o país entra em estado de insurreição, eles se apresentam como pessoas razoáveis e permitem que a dívida seja estendida e lhes oferecem um valor adicional para atender às demandas dos manifestantes.
O governo agora tem uma válvula de escape na forma de liberação do Fundo Monetário Internacional de um bilhão de dólares para fazer algumas concessões ao movimento. Na verdade, isso é lamentavelmente insuficiente para atender às necessidades do povo e é improvável que detenha a inflação. A crise do capitalismo continua inabalável, pressionando os trabalhadores e os pobres.
O que fazer?
O governo de Lasso combina repressão com concessões parciais para tentar esmagar ou desviar um movimento que adquiriu características insurrecionais. Revogou o estado de emergência, anunciou concessões no pagamento de dívidas ao Banco da Nação e na noite de domingo anunciou uma redução dos preços dos combustíveis de 10 cêntimos por galão. Com essas concessões parciais, ele tenta enfraquecer o movimento e minar sua legitimidade. Se ele conseguir acabar com o movimento por esses meios, voltará à ofensiva, exatamente como aconteceu depois dos acordos que puseram fim à insurreição de outubro de 2019.
Nestas duas semanas, as massas equatorianas (camponeses, indígenas, trabalhadores, mulheres, jovens, pessoas dos bairros operários de Quito etc.) mostraram grande coragem e vontade de lutar até o fim. Uma estratégia correta é necessária para levá-las à vitória.
Lasso argumenta que o objetivo do movimento é “desestabilizar a democracia”, e que há intenções de “golpe”. Quão cínico! Seu governo entrou em colapso em todas as pesquisas de opinião e ele está tentando se agarrar ao poder recorrendo à força bruta por meio da polícia e do exército. Diante de um movimento de protesto pacífico, o banqueiro Lasso responde com estilhaços de granadas e assassinatos. Essa é a sua “democracia”!
A direção da CONAIE ainda se defende dessas acusações de tentativa de “golpe” ao insistir que não quer derrubar o governo, e que a luta é apenas pelos 10 pontos. Leonidas Iza, no domingo, 26 de junho, falou às várias províncias representadas no movimento em Quito, e a todas disse claramente:
“Não estamos aqui exclusivamente para jogar fora o Guillermo Lasso, para que não fiquem confusos, estamos aqui pela nossa luta, pelos nossos 10 pontos, pelas nossas reivindicações”.
Leonidas Iza argumenta que, se os 10 pontos forem alcançados, os camaradas poderão retornar às suas províncias tendo conquistado algo concreto. Mas, ele argumenta, se for apenas uma questão de “Fora Lasso”, uma vez que isso seja alcançado, as pessoas voltarão para as províncias sem nada alcançado.
Essa maneira de apresentar as coisas é incorreta. O problema é o seguinte: o governo não quer ceder os 10 pontos da agenda nacional de greves. Portanto, você só pode ganhar os 10 pontos derrubando o governo. Isso não seria “desestabilizar a democracia”, mas justamente o contrário. Trata-se da maioria, de trabalhadores e camponeses decidindo, e não de um presidente banqueiro que representa apenas um punhado de capitalistas a serviço do imperialismo e do FMI.
Os exemplos das províncias de Tungurahua e Cotopaxi, onde as massas tomaram o caminho da insurreição, devem ser seguidos. Na quarta-feira, o governo de Tungurahua caiu, com a tomada do prédio do governo pelos manifestantes, e na sexta-feira, 24 de junho, o governo de Cotopaxi também foi tomado pelas massas, que depuseram o governador e elegeram um “governador do povo”. Esse é o caminho a seguir. Essa é a verdadeira democracia. Não a democracia burguesa, mas a democracia dos explorados, dos trabalhadores e camponeses. A mesma estratégia deve ser utilizada em relação à Assembleia Nacional e à Presidência da República.
Apesar dos argumentos e protestos da direção da CONAIE, a base mobilizada continua insistindo: “Fora Lasso”. Eles levantam essa demanda nas ruas, nas assembleias. É o que está escrito nos escudos da Primera Linea (linha de frente) quando defendem as mobilizações contra a repressão estatal. Derrubar o governo não seria um golpe, pois é a vontade da maioria, que sofreu terrivelmente nestes dias de greve nacional, sob a violência do Estado, que deixou pelo menos cinco mortos.
O que está em jogo é a questão: quem manda no Equador? São os trabalhadores mobilizados ou o banqueiro Lasso que recebe instruções do FMI?
Para satisfazer as demandas dos trabalhadores e da juventude é necessário derrubar Lasso e com ele todo o sistema capitalista que ele representa. O Equador é um país rico, rico em recursos naturais e na capacidade produtiva de seus homens e mulheres, trabalhadores e camponeses. Mas essa riqueza está nas mãos de uma minoria privilegiada, de uma oligarquia capitalista submissa ao poder das multinacionais, que se apropria dela em benefício próprio, enquanto o povo sofre a miséria e a fome.
Expropriando essa minoria parasita, repudiando a dívida e nacionalizando os recursos naturais, toda essa riqueza poderia ser usada para satisfazer as necessidades da maioria, para resolver problemas de moradia, saúde, educação e fome. Para isso, a classe trabalhadora deve tomar o poder.
Um Equador nas mãos de trabalhadores e camponeses seria um farol poderoso que inspiraria as lutas dos irmãos e irmãs de classe no Peru, Colômbia, Chile, em todo o continente e além.
Fora Lasso! Que governe o povo trabalhador!
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.