A eleição presidencial de ontem (12/12) na Argélia foi marcada por uma enorme campanha de boicote convocada pelo movimento Hirak, que agora já dura 43 semanas. O boicote foi precedido por uma greve geral de quatro dias e foi particularmente forte na região de Kabylie. Dezenas de milhares saíram às ruas em todo o país desafiando a proibição policial de manifestações. Os generais podem até decidir quem será o presidente do país, mas esse governo não terá nenhuma legitimidade real.
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As eleições presidenciais foram convocadas como uma forma de dar ao governo dos generais certa legitimidade. O movimento Hirak contra o regime já havia forçado a renúncia do decrépito Bouteflika em abril, mas a insurreição revolucionária não havia sido concluída. Os generais, com Gaïd Sala à frente, substituíram o presidente doente. Uma tentativa de realizar eleições controladas pelo regime em julho teve que ser abandonada diante da oposição popular de massas.
Rejeição à gangue do general
O dia 12 de dezembro foi, portanto, um teste importante. Para a gangue do general, foi um teste de sua capacidade de pôr fim ao movimento por meio de uma transição controlada para alguma forma de “regime democrático”, em que todo o sistema de poder corrupto e tipo máfia que existiu durante décadas seria preservado. Para o Hirak, foi um teste do nível de apoio ao movimento após 10 meses seguidos de mobilização e de sua capacidade de efetivamente boicotar a eleição.
A convocação de um boicote e uma greve geral de quatro dias vieram da base, do próprio movimento, que permanece amplamente espontâneo e sem nenhuma liderança ou estrutura reconhecida. As grandes marchas no dia da revolução (1º de novembro) mostraram claramente que o movimento ainda era forte e desafiador e serviram para aumentar a confiança do povo em sua própria força.
A greve nacional de quatro dias começou no domingo, 8 de dezembro, e teve muitos seguidores nas principais cidades da Kabylie (região Amazigh). Tizi Ouzou, Bejaïa, Bouira e outros lugares ficaram completamente paralisados. Os locais de trabalho pararam e houve um fechamento geral do comércio.
Significativamente, em Bejaïa, a convocação de greve foi emitida pelo sindicato autônomo dos funcionários públicos, SNAPAP, e pelo sindicato dos professores autônomos, SATEF, mas também pelas estruturas locais do sindicato “oficial” da UGTA. A UGTA de Bejaïa emitiu uma declaração pedindo quatro dias de “greves e fúria no setor público e privado” contra as eleições e pela libertação de todos os presos políticos.
Desde o primeiro dia da greve, os principais postos de trabalho locais (porto, empresa de eletricidade e gás natural SONELGAZ, empresa de água ADE, empresa de petróleo NAFTAL, Soummam, a agroindustrial CEVITAL, empresa de leite Candia etc.) ficaram paralisados, assim como todas as lojas locais.
A situação era semelhante em toda a região de Kabylie, mas a greve não se limitou a ela. Também houve grandes manifestações em Oran, Constantine, Argel. Os estudantes da maioria das universidades e dos liceus também participaram.
Em algumas cidades, o movimento foi tão forte que a greve improvisada e os comitês de cidadãos estabeleceram “serviços mínimos” para fornecer alimentos à população. Por exemplo, haveria padarias que poderiam fazer pão com a permissão do comitê e depois vendê-lo depois das 17h.
Em Maatkas, uma cidade de Tizi Ouzou, no primeiro dia da greve, os manifestantes marcharam para os escritórios administrativos do distrito de Daïra carregando sacos de cimento e tijolos e começaram a construir um muro bloqueando a entrada, impedindo assim a distribuição de qualquer material eleitoral ou urnas:
O movimento estava se preparando para o boicote às eleições de 12 de dezembro. Os generais haviam apresentado cinco candidatos, todos ligados ao antigo regime, tendo sido ministros ou altos funcionários e todos com mais de 50 anos (alguns com mais de 70!). Um deles, Ali Benflis, foi o chefe do governo durante a sangrenta repressão da Primavera Negra de 2001. Eles representavam tudo o que o povo mais odiava no regime corrupto, capitalista e ladrão.
Como mencionado acima, o movimento Hirak ainda é amplamente espontâneo, baseando-se na tática do boca a boca e em líderes locais ad-hoc, em vez de se basear em qualquer organização formal. A Plataforma de Ação Democrática (PAD) – uma coalizão de partidos e organizações de esquerda, liberais e democráticos – fez um apelo em 8 de dezembro contra a “farsa eleitoral” e exortou todos os argelinos a “se unirem a todas as formas de ação pacífica propostas pelo movimento, incluindo a greve geral”. O PAD, que inclui os dois partidos trotskistas do país (PT e PST), claramente não está liderando o movimento, mas operando em sua retaguarda, e suas declarações são sempre formuladas em termos do “estado de direito”, da “independência do judiciário” e outras frases que soam democráticas, mas sem jamais colocar as questões sociais e de classe. É de fato uma frente popular.
A véspera da eleição foi marcada por enormes manifestações em todo o país. Na capital Argel, a multidão desafiou as fileiras da polícia com gritos de ”Dégage Gaïd Salah, teve el âme makache el vote!” (Gaïd Salah, este ano não haverá voto!), “Makache intikhabate maâ elissabate!” (Não há eleições com a gangue!).
Também houve manifestações noturnas nas principais cidades e vilas, e em Bejaïa a multidão se organizou para ficar acordada a noite toda para boicotar a eleição desde o amanhecer. Em Argel, a polícia reprimiu a multidão de manifestantes pacíficos. O palco estava montado para um confronto aberto.
Em 12 de dezembro, houve não apenas um boicote massivo à eleição, mas também enormes manifestações desafiando a proibição da polícia. As cenas em Tizi Ouzou foram elétricas. Uma multidão de milhares de pessoas se reuniu do lado de fora de uma das estações eleitorais, que teve de ser protegida por uma fileira de policiais. De fato, ninguém conseguiu votar.
Em Bejaïa, os manifestantes entraram em uma das estações eleitorais e encontraram urnas recheadas com boletins de voto, que eles destruíram.
Na cidade portuária de Jijel, no nordeste do país, as pessoas decidiram colocar seus boletins de voto na lixeira.
Depois de um tempo, a polícia, impotente para fazer qualquer coisa diante das grandes multidões, foi forçada a se retirar. Nos bastiões do movimento em Kabylie, não houve eleição, o movimento venceu. Constantine testemunhou uma das maiores manifestações desde o início do Hirak em fevereiro.
Um ponto crucial foi a capital Argel. Aqui, desde o início da manhã, os manifestantes começaram a se opor a uma decisão da Junta contra qualquer manifestação pública e contra o pano de fundo da crescente repressão e detenções de ativistas desde o verão. As multidões eram tão grandes que a polícia não pôde contê-las.
Essa situação continuou ao longo do dia, com centenas de milhares de pessoas ocupando as ruas principais e depois marchando até o edifício Grande Poste, enfrentando repressões policiais ocasionais. As pessoas do bairro militante de Bab el Oued conseguiram romper as linhas policiais para se juntar ao corpo principal de manifestantes.
Durante o dia, o regime usou truques diferentes para tentar apresentar uma imagem de normalidade. Havia atualizações regulares dos números de comparecimento e eles mobilizavam soldados à paisana fazendo fila nas assembleias de voto. A mídia controlada pelo estado também constantemente produzia a propaganda. Nada funcionou. A verdade é que o boicote foi um enorme sucesso e foi apoiado por dezenas de milhares nas ruas.
Até os números oficiais fornecidos pelo regime admitiram que a participação foi de apenas 39,93%: a mais baixa de sempre e mais de 10 pontos abaixo da das eleições anteriores de 2014, quando a participação já foi muito baixa. A participação real foi certamente muito menor que a cifra oficial.
Vitória do boicote: e agora?
O Hirak ganhou o dia. Derrotou a eleição do general. O vencedor proclamado, Abdelmadjid Tebboune, de 74 anos de idade, várias vezes ministro e primeiro-ministro sob Bouteflika, não tem legitimidade aos olhos das massas.
A manifestação da 43ª sexta-feira do Hirak hoje certamente será massiva e mais uma demonstração de força do levante popular. A questão do poder está agora fortemente colocada na Argélia. Quem governa o país? A gangue do general é incapaz de governar de maneira eficaz e não pode sequer organizar uma eleição presidencial, mas eles formalmente detêm as alavancas do poder do estado. O movimento Hirak tem o apoio da maioria e é capaz de impedir o estado de funcionar, mas ainda não derrubou completamente o regime nem assumiu o poder.
Embora o movimento seja amplamente espontâneo, é claro que, mesmo na última semana de mobilização, estão surgindo estruturas. Foram criados comitês em locais de trabalho, universidades, bairros, vilas e cidades. Surgiram líderes que, de uma maneira ou de outra, são reconhecidos pelo movimento.
O próximo passo do movimento deve ser organizar uma insurreição para derrubar o regime e expulsar os generais. Isso é perfeitamente possível, como a greve geral e o boicote provaram. Requer o fortalecimento dos comitês e sua coordenação nos níveis local, wilaya (província) e nacional por meio de representantes eleitos que podem ser revogados a qualquer momento. Isso, combinado com uma greve geral revolucionária, não apenas paralisaria os generais (como vimos ontem), mas também ofereceria uma forma alternativa de poder, baseada firmemente nos trabalhadores e nos pobres.
Nestas circunstâncias de um regime moribundo agora baseado no poder do exército, os slogans democráticos são importantes, incluindo o que foi levantado pelos partidos de esquerda e democráticos de convocação de uma assembleia constituinte, liberdade para todos os presos políticos, derrubada da junta atual, liberdade de expressão, de reunião e de greve, julgamento popular de todos os responsáveis pela repressão etc. Porém, essas demandas devem ser combinadas a palavras de ordem sociais e econômicas. Por um salário mínimo decente, pela expropriação dos ganhos ilícitos dos generais e de outros antigos funcionários do regime, pela expropriação das multinacionais, pela defesa da propriedade estatal dos recursos naturais etc.
Todos essas palavras de ordem devem ser combinadas na luta com outras como “generais para o lixo” e todo o poder para o povo revolucionário, através de seus próprios comitês democráticos. O Hirak deve confiar apenas em suas próprias forças e não nas vergonhosas eleições dos generais, nem nas palavras “democráticas” cobertas de açúcar dos políticos liberais.
Gaïd Salah e os generais: FORA!
Comitês em todos os lugares!
Por uma Assembléia Constituinte revolucionária!
Pelo governo dos trabalhadores!