A derrota de Bolsonaro é uma vitória da classe trabalhadora e da juventude que abre uma nova situação política no país. O ódio popular ao governo reacionário superou o amplo e descarado uso da máquina estatal na disputa eleitoral, as fake news e, também, a política de conciliação de classes de Lula e do PT.
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No 1º turno, Lula teve 6 milhões de votos a mais que Bolsonaro. No 2º turno, essa diferença caiu para 2 milhões de votos, a menor diferença já vista em um 2º turno de disputa presidencial desde o fim da Ditadura Militar. Um governo que carrega a responsabilidade direta por quase 700 mil mortes na pandemia, isolado internacionalmente, rejeitado pela maioria da população, e que navega em meio a altas taxas de inflação e desemprego, poderia ter sido derrotado de maneira mais contundente, já no 1º turno, ao invés de conseguir 58 milhões de votos no 2º turno e a eleição de governadores e de parlamentares identificados com o bolsonarismo.
A campanha de Lula enterrou qualquer reivindicação popular com que tinha coqueteado no começo da trajetória. Na campanha do 2º turno, ampliaram-se as alianças com a burguesia. Ao invés da laicidade do Estado, Lula passou a citar “Deus” a todo momento, tentando parecer mais religioso que Bolsonaro. Colocou-se pessoalmente contra o aborto, sem explicar a necessidade de legalizar o direito das mulheres ao aborto. Lançou a “Carta ao Brasil do Amanhã” que, assim como a “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002, foi um compromisso com o capital financeiro de manutenção da “responsabilidade fiscal”, leia-se: pagar a dívida pública em primeiro lugar, mesmo que para isso tenha que cortar orçamento de qualquer área essencial. Só a partir da reta final do 1º turno, a campanha de Lula convocou comícios de massa. No geral, o que vimos foi uma campanha centrada na internet, com ataques despolitizados ao adversário, ao invés de uma campanha que impulsionasse a organização e mobilização a partir de comitês de base, nos bairros e cidades, dialogando com as necessidades concretas do proletariado.
A aliança com a burguesia, longe de ser a razão da vitória, é de maneira mais ampla a razão para o retrocesso da consciência de classe de parcelas do proletariado, propiciando o avanço do bolsonarismo. Nessas eleições, esta política conciliadora e a ausência de um programa de ruptura com o capital é a razão para Bolsonaro e o bolsonarismo não terem sido expulsos do poder com uma humilhante derrota que os fizesse voltar para a insignificância política. É verdade que Bolsonaro se vale do conservadorismo que há em diversos estratos da sociedade brasileira, mas uma campanha audaz, com propostas sociais de ruptura com o capital, com uma retórica combativa e classista, poderia ter relegado a um segundo plano todo o debate religioso e de caráter moral que os conservadores buscaram impor e teria demolido a demagogia de Bolsonaro. Além disso, Bolsonaro utiliza de maneira demagógica um discurso contra o sistema, conectando-se com uma parcela de eleitores fartos deste sistema, ou seja, fartos da podridão da democracia burguesa, e que não veem uma opção visível anti-sistema à esquerda. A candidatura de Lula, aliás, aliando-se a vários elementos da velha política, apareceu mais do que a candidatura de Bolsonaro como sendo a representante do velho sistema.
Bloqueio de rodovias, a farsa de um golpe
No domingo, após a confirmação da derrota eleitoral de Bolsonaro, manifestações de alegria explodiram no país inteiro. Lula, no discurso após a vitória, ao lado dos aliados burgueses, declara então que vai “governar para 215 milhões de brasileiros, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existem dois Brasis. Somo um único país, um único povo, uma grande nação”.
Só que não é possível apagar a divisão de classes na sociedade. Há uma polarização no Brasil e no mundo fruto da crise internacional do capitalismo e da agudização da luta de classes. Setores da pequena burguesia, atiçados por Bolsonaro, não concordaram que “não existem dois Brasis” e começaram, já na noite de domingo, a bloquear rodovias, sem reconhecer o resultado das eleições e clamando por uma intervenção militar. Mas estes bloqueios foram realizados por grupelhos e só foram possíveis pela conivência da Polícia Rodoviária Federal (a mesma que tentou dificultar a votação no domingo nas regiões com votos majoritários no PT) e o apoio de empresários bolsonaristas.
Estes bloqueios estão diminuindo, mas continuam ainda hoje (2 de novembro). O proletariado demonstrou seu descontentamento com estas ações dos radicais de direita de maneira dispersa, mas com alguns significativos exemplos. Em um vídeo podemos ver trabalhadores em um ônibus xingando os “manifestantes” bolsonaristas de burgueses e desocupados. Em outro vídeo, podemos ver moradores de um bairro proletário desfazendo os bloqueios, a mesma ação se repete em vídeos com a participação de operários fabris e de estaleiros. A torcida organizada dos times de futebol Atlético Mineiro e do Corinthians liberaram à força rodovias bloqueadas para poder assistir aos jogos de seus times. Isso tudo demonstra que um chamado da direção do PT, do PSOL, da CUT ou de qualquer grande organização proletária para uma ação de Frente Única teria varrido esta chusma de reacionários em pouquíssimo tempo, como a Esquerda Marxista defendeu ontem a partir do chamado da direção do MTST.
O pronunciamento de Bolsonaro e a continuidade do bolsonarismo
Bolsonaro ficou calado por quase 45 horas após o resultado das eleições. A demora em se pronunciar possivelmente se deveu à tentativa de negociar algum tipo de anistia para não ser preso com a perda do foro privilegiado. Além disso, o silêncio prolongado de Bolsonaro indica que ele tinha alguma esperança de ter condições de não reconhecer o resultado das eleições. No entanto, um a um, seus aliados foram reconhecendo a vitória de Lula-Alckmin desde domingo, deixando Bolsonaro cada vez mais isolado. Setores da burguesia começaram a se pronunciar enfaticamente contra os bloqueios que, afinal, prejudicam seus negócios. A continuidade do silêncio de Bolsonaro poderia ser prova clara de que o presidente estava incentivando um golpe. Bolsonaro teve que falar, mesmo que por 2 minutos e 3 segundos, em um discurso dúbio.
No pronunciamento de terça-feira Bolsonaro não disse claramente que os bloqueios deveriam cessar, mas condenou-os, classificando-os como “cerceamento de ir e vir” e que estes eram os métodos da “esquerda” que a direita não poderia adotar. Em um vídeo divulgado na quarta-feira à noite em suas redes sociais, certamente pressionado pela burguesia, ele apela claramente pelo fim dos bloqueios de rodovias. No pronunciamento de terça ele disse que as manifestações “são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”, completando que as manifestações pacíficas são bem-vindas. Ou seja, insinua que houve irregularidades no processo eleitoral e encoraja que os protestos continuem de outras formas. No seu pronunciamento ele não reconheceu o resultado da eleição, no entanto, em seguida falou o ministro-chefe da Casa Civil, que declarou que o presidente o havia autorizado a iniciar o processo de transição. Portanto, um reconhecimento da derrota na prática.
Bolsonaro, no seu curto discurso, busca manter o ânimo da direita: “A direita surgiu, de verdade, em nosso país. Nossa robusta representação do Congresso mostra a força de nossos valores: Deus, pátria, família e liberdade”, repetindo assim o slogan baseado no que era utilizado pela Ação Integralista Brasileira, os fascistas brasileiros nos anos 1930. E finaliza o discurso: “é uma honra ser o líder de milhões de brasileiros que, como eu, defendem liberdade econômica, religiosa, de opinião, a honestidade e as cores verde e amarela da nossa bandeira”.
Apesar da derrota eleitoral e do isolamento, é certo que nem Bolsonaro sairá da cena política nem o bolsonarismo. A cada oportunidade convocarão atos contra o novo governo. Os bloqueios de estradas e os atos que estão realizando hoje em frente a edifícios militares em prol de uma intervenção militar são uma demonstração disso.
O governo Lula, a luta do proletariado e as tarefas dos revolucionários
A Esquerda Marxista analisou em diversos documentos e resoluções que a classe operária não estava derrotada, encontrava-se bloqueada e em compasso de espera por conta da política da direção dos aparatos. A vitória da candidatura de Lula é uma vitória arrancada pela classe trabalhadora e a juventude, que se manifestou massivamente nos últimos anos contra o governo e que só não conquistou a queda de Bolsonaro nas ruas por conta da linha das direções de canalizar o ódio popular para a via institucional, eleitoral.
No episódio do bloqueio de rodovias, temos visto fagulhas da disposição da classe em agir, apesar de todo o apelo da direção por paz, amor, unidade e confiança nas instituições burguesas. A tarefa dos marxistas neste momento é combater pela frente única do proletariado e explicar a atual situação e as perspectivas, evidenciando a responsabilidade das direções, organizando os militantes que alcançam a compreensão da necessidade da organização independente do proletariado na luta pela superação do regime da propriedade privada dos meios de produção, fundamentando este combate na teoria marxista.
O governo Lula, sabemos, será um governo de União Nacional, um governo de um partido operário com a maioria da burguesia. A indicação de Geraldo Alckmin como o coordenador da transição mostra quem vai mandar no governo – a burguesia. Nós sabemos, só com a ruptura com a burguesia poderá haver o atendimento das reivindicações da classe trabalhadora e da juventude.
O chamado “centrão” e, inclusive, o presidente do PL (partido de Bolsonaro) já estão abertos para “conversas” e “negociações” sobre o próximo orçamento. Todos sabemos o que isto quer dizer – por quanto eles vão vender o seu passe. Afinal, “rei morto, rei posto” e a imensa maioria dos deputados do podre Congresso Nacional colocam seus esquemas e privilégios em primeiro lugar.
Os trabalhadores, entretanto, na situação atual, foram vitoriosos. E vão cobrar esta vitória. Cobrarão o atendimento das reivindicações, o retorno de direitos retirados, utilizando seus métodos de luta: greves, manifestações e ocupações. Vale lembrar que a partir da campanha e da vitória de Lula em 2002, surgiu o Movimento das Fábricas Ocupadas em Joinville que, aliás, a Esquerda Marxista comemora agora com a campanha de 20 anos de ocupação das fábricas Cipla e Interfibra, tema da nova edição da revista teórica “América Socialista – Em Defesa do Marxismo” e com a atividade comemorativa que realizaremos em 3 de dezembro em Joinville, com transmissão online.
No próximo período teremos a intensificação da luta de classes com um governo de unidade nacional comprometido com os interesses da burguesia, uma extrema-direita que buscará a todo momento desestabilizar este governo para voltar ao poder, e a classe trabalhadora e a juventude disposta a lutar por empregos, direitos e melhores condições de vida. É preciso nos preparar, organizarmo-nos para esta situação, para estes combates. É preciso fortalecer a organização revolucionária, é preciso redobrar os esforços pela construção da Esquerda Marxista, seção brasileira da Corrente Marxista Internacional.
Por um governo dos trabalhadores, sem patrões nem generais! Viva o socialismo internacional!