Então, começou. As forças russas desencadearam um ataque maciço na Ucrânia. Nas primeiras horas da manhã, em um curto discurso televisionado, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou uma “operação militar especial” ao amanhecer. Minutos após a transmissão, por volta das 5h, horário ucraniano, explosões foram ouvidas nas proximidades das principais cidades ucranianas, incluindo a capital Kiev.
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Nas semanas anteriores, Putin reuniu cerca de 190 mil soldados perto das fronteiras da Ucrânia, enquanto líderes europeus se deslocavam entre Kiev e Moscou, buscando uma solução diplomática. Mas não se mobiliza um número tão grande de tropas, tanques e canhões apenas para dançar um minueto diplomático.
No nevoeiro imediato da guerra, com apenas fragmentos de informação à nossa disposição, é impossível fazer uma avaliação precisa da situação militar. Mas o alcance do ataque russo parece ser enorme.
O Ministério do Interior da Ucrânia informou que o país estava sob ataque de mísseis balísticos e de cruzeiro, com a Rússia parecendo mirar a infraestrutura perto de grandes cidades como Kiev, Carcóvia, Mariupol e Dnipro.
Explosões de foguetes de artilharia iluminaram o céu noturno quando os bombardeios começaram perto de Mariupol, como mostraram os vídeos. Um conselheiro sênior do Ministério do Interior da Ucrânia disse que parece que as tropas russas podem se deslocar em breve para Carcóvia, que fica a cerca de 32 quilômetros da fronteira. Moradores de Kiev buscaram segurança em abrigos antiaéreos quando foram ouvidas explosões nas proximidades da cidade.
Algumas das primeiras explosões depois que Putin anunciou a operação foram ouvidas perto de Kramatorsk, a sede do centro de operações do exército ucraniano nas proximidades dos territórios controlados pela Rússia, no sudeste da Ucrânia. Também houve relatos de explosões em quartéis e armazéns militares.
Também se relata um ataque anfíbio à principal cidade portuária de Mariupol e ataques de forças terrestres que se deslocam da Bielorrússia, da Crimeia e da Rússia. Os militares russos alegaram que não tinham como alvo os centros populacionais. “Armas de alta precisão estão desativando a infraestrutura militar, instalações de defesa aérea, aeródromos militares e a aviação do exército ucraniano”, disse o Ministério da Defesa russo em comunicado divulgado pela agência de notícias estatal Ria Novosti.
O discurso de Putin
O palco para a ofensiva foi montado na noite da quarta-feira, depois que os líderes dos dois territórios controlados pela Rússia no leste da Ucrânia enviaram um pedido oficial a Moscou de ajuda militar para “ajudar a repelir a agressão das forças armadas ucranianas, a fim de evitar baixas civis e uma catástrofe humanitária no Donbass”.
Um exame do discurso de Putin desta manhã nos diz algo sobre seus objetivos e intenções. Toda guerra deve ter alguma justificativa e, neste caso, Putin mencionou: “Uma anti-Rússia hostil está sendo criada em nossas terras históricas”.
Esta afirmação é constantemente rejeitada pelo Ocidente como mera propaganda. “Como a pobre e pequena Ucrânia pode representar uma ameaça para a Rússia?” eles bufam. Essa é, claro, uma pergunta que deve se responder por si só. Claramente a Ucrânia não representa uma grande ameaça. Mas, como parte de um bloco militar imperialista liderado pelos Estados Unidos, plantado na porta da Rússia, certamente seria.
No centro da presente disputa está, portanto, a futura adesão da Ucrânia à Otan. A garantia contra isso foi uma exigência central da Rússia, que foi repetidamente recusada por Washington – uma recusa que é ainda mais absurda porque o Ocidente reconhece que a Ucrânia não atende aos requisitos mínimos para a adesão à Otan neste momento. Não está muito claro se a aceitação dessa demanda teria, por si só, evitado uma invasão. Mas rejeitá-la continuamente a tornou inevitável.
O segundo requisito em qualquer guerra é ganhar o elemento surpresa e colocar a culpa no outro lado. Neste caso, foi o bombardeio da região de Donbass. Mas isso vem acontecendo sem interrupção por anos.
No entanto, a desculpa imediata é realmente uma consideração secundária, pois uma vez que a guerra se torna necessária, qualquer desculpa pode ser encontrada. E no que diz respeito ao elemento surpresa, isso foi alcançado de forma muito eficaz, com a assistência ativa dos senhores Biden e Johnson. Eles se comportaram como o garotinho que gritou “Lobo!” tantas vezes que, quando o lobo finalmente apareceu na porta, ninguém acreditou nele.
O discurso de Putin foi realmente uma declaração de guerra, mas ele evitou cuidadosamente mencioná-lo. Este homem, que é a coisa mais próxima que conheço de uma esfinge egípcia, gosta de deixar todo mundo adivinhando. “Tomamos a decisão de realizar uma operação militar especial”, disse ele, sem sequer dar a entender o quão especial seria.
E qual seria o objetivo dessa “operação militar especial”? Ele alegou que era para a “desmilitarização e desnazificação” da Ucrânia. “Não pretendemos ocupar a Ucrânia”, disse ele, mas, ao mesmo tempo, fez um alerta para outras nações que possam se sentir tentadas a se envolver:
“Para qualquer um que considere interferir de fora: se o fizer, enfrentará consequências maiores do que qualquer outra que já enfrentou na história. Todas as decisões relevantes foram tomadas. Espero que me ouçam”, disse ele.
Uma mensagem bastante clara, eu acho.
A Ucrânia pode resistir?
A reação imediata do governo de Kiev foram palavras de desafio:
“Putin acaba de lançar uma invasão em grande escala da Ucrânia“, disse o ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba. “As cidades ucranianas pacíficas estão sob ataques. Esta é uma guerra de agressão. A Ucrânia se defenderá e vencerá. O mundo pode e deve deter Putin. A hora de agir é agora.”
O presidente Volodymyr Zelensky usou um discurso em vídeo para pedir ajuda ao público russo depois que uma tentativa de falar com Putin não teve sucesso. “Os russos querem guerras? Gostaria muito de responder a esta pergunta. Mas a resposta é com vocês”, disse ele.
Ele também prometeu defender o país, dizendo: “Se alguém tentar tirar nossa terra, nossa liberdade, nossas vidas, as vidas de nossos filhos, nós nos defenderemos. Ao atacar, vocês verão nossos rostos, não nossas costas, mas nossos rostos.”
Ele anunciou que a lei marcial estava sendo imposta em toda a Ucrânia.
“Sem pânico. Somos fortes. Estamos prontos para qualquer coisa. Vamos derrotar todos, porque somos a Ucrânia”, disse o líder ucraniano. Antes do ataque da Rússia, ele fez uma última tentativa de evitar a guerra, alertando que a Rússia poderia iniciar “uma grande guerra na Europa” e instando os cidadãos russos a se oporem a ela.
Palavras corajosas! Mas são apenas uma bravata muita vazia. O exército ucraniano está em desordem, sendo apanhado irremediavelmente desprevenido pela rapidez do ataque. De qualquer forma, não estava em posição de resistir ao poder do exército russo. No momento em que o Ocidente anunciou que não pretendia enviar tropas para defender a Ucrânia, o assunto foi resolvido antecipadamente.
A afirmação de que não há pânico na capital é desmentida por imagens de televisão que mostram longas filas de carros fugindo de Kiev.
Desde o início, o governo de Kiev vem sendo uma imagem de desamparo. Ao insistir teimosamente no seu direito de aderir à OTAN – uma clara provocação a Moscou – lançou-se aos braços do Ocidente como a sua única esperança de sobrevivência. Isso foi um erro muito tolo.
Apesar de todas as suas exibições públicas de bravura, os imperialistas não têm o menor interesse no povo da Ucrânia. Eles são considerados meros peões em um jogo cínico da política das Grandes Potências.
Os militares russos alegaram que todas as bases de aviação da Ucrânia foram desativadas na barragem de mísseis que iniciou a invasão russa. Fumaça foi vista subindo perto de grandes aeródromos fora de Carcóvia e de outras cidades no Leste, e tão distantes quanto Ivano-Frankivsk, que fica mais perto da fronteira com a Polônia.
O ataque de quinta-feira foi precedido por um ataque cibernético maciço e contínuo que teve como alvo os ministérios e bancos da Ucrânia, uma forma de guerra híbrida para semear confusão.
Também houve relatos indicando que forças russas entraram na Ucrânia, afirmando que as forças de fronteira da Ucrânia “não estão oferecendo resistência às unidades russas”.
Em uma recente postagem no Facebook, Dmitri Kovalevich, um comentarista de Kiev, pinta um quadro das forças ucranianas em desordem:
“Mensagens não confirmadas na web ucraniana sugerem que cerca de 70% dos recentes suprimentos de armas ocidentais para a Ucrânia foram destruídos diretamente nos depósitos de armas. Nossos militares estão lamentando o fato de que os depósitos eram administrados por oficiais que eram agentes russos e simplesmente os explodiram.
“Atualização: todos os drones turcos Bayractar também foram destruídos nos campos aéreos.
“Os rebeldes de Donetsk tomaram a cidade de Mariupol. Quase não houve resistência do exército da Ucrânia – eles apenas entraram na cidade.
“Os mísseis que atingiram as bases militares da Ucrânia em Odessa foram lançados por submarinos imersos.
“Alegadamente, os postos de controle de fronteira da Ucrânia foram capturados na região de Sumy [nordeste da Ucrânia]. Fuzileiros navais russos desembarcaram na região de Odessa. A base antiaérea de Kiev foi atingida por mísseis balísticos – em uma hora a Ucrânia perdeu quase todos os seus sistemas antiaéreos.
“Fogo em massa de lançadores de foguetes ao longo de toda a linha de frente em Donbass. Uma coluna militar russa cruzou a fronteira na região de Carcóvia.
“Pessoas de várias regiões da Ucrânia relatam altas explosões, que aconteceram simultaneamente em Odessa, Kiev, Kramatorsk, Mariupol, Carcóvia e Dnipro. Parecem grandes explosivos cronometrados, detonados de uma só vez em todo o país.
“Os drones de inteligência dos EUA deixaram o espaço aéreo sobre a Ucrânia.
“Atualização: explosões atingindo depósitos de armas da Ucrânia.
“O espaço aéreo sobre a Ucrânia está completamente fechado. Alguns jatos que voavam para Kiev receberam ordens de voltar.”
É claro que esses relatos, baseados em informações confusas e parciais durante o calor dos combates, devem ser tratados com alguma cautela. Mas se apenas metade disso for verdade, mostra que os russos garantiram que as capacidades militares das defesas da Ucrânia fossem destruídas, ou pelo menos severamente prejudicadas, antes do início da invasão.
Também pinta um quadro de desmoralização e falta de motivação em pelo menos parte das forças ucranianas, o que contradiz o quadro que tem sido apresentado pela propaganda ocidental. A Rússia agora tem todos os incentivos para se mover o mais rápido possível para tomar a capital.
Analistas militares disseram esperar que Putin envie suas forças para capturar ou cercar Kiev. O senador norte-americano Marco Rubio, membro do seleto comitê de inteligência do Senado, afirma que “as forças aerotransportadas da Rússia estão tentando assumir o controle do aeroporto de Kiev para… ocupar a cidade”.
Houve relatos, na noite de quinta-feira, na mídia estatal russa de que tropas aéreas haviam capturado o aeroporto de Boryspil, perto de Kiev. Se esses relatos são verdadeiros ou falsos, é apenas uma questão de tempo até que a capital ucraniana esteja em mãos russas. A guerra então, para todos os efeitos, terminará.
“Choque e horror”
Os líderes ocidentais tropeçaram nas próprias pernas em sua pressa de condenar a invasão, que, a acreditarmos neles, levará a algo próximo ao Armagedom, com milhões (sic!) de pessoas mortas e uma guerra sangrenta em toda a Europa ameaçando a própria existência da civilização humana como a conhecemos.
Joe Biden emitiu uma declaração escrita dizendo:
“As orações de todo o mundo estão com o povo da Ucrânia esta noite, que sofre um ataque não provocado e injustificado das forças militares russas”.
“O presidente Putin escolheu uma guerra premeditada que trará uma perda catastrófica de vidas e sofrimento humano”, disse Biden. “Somente a Rússia é responsável pela morte e destruição que este ataque trará, e os Estados Unidos e seus aliados e parceiros responderão de forma unida e decisiva. O mundo responsabilizará a Rússia.”
“Estou chocado com os eventos horríveis na Ucrânia e falei com o presidente Zelensky para discutir os próximos passos. O presidente Putin escolheu um caminho de derramamento de sangue e destruição ao lançar este ataque não provocado à Ucrânia”.
“Vamos responsabilizar o Kremlin”, escreveu Ursula von der Leyen, chefe da Comissão da União Europeia (EU), que anunciou novas sanções contra Moscou poucas horas antes do ataque.
Todas essas belas e desafiadoras palavras são contrastadas com o fato de que Biden e companhia nunca tiveram a menor intenção de fornecer apoio militar a Kiev. Sua única contribuição para a crise atual foi uma série interminável de declarações belicosas, acompanhadas de ameaças terríveis de consequências “graves” (mas não especificadas) que supostamente se seguiriam a um ataque russo. Essas observações, apoiadas por uma intransigência obstinada em até mesmo considerar as exigências da Rússia, ajudaram a tornar inevitável uma invasão.
Em suma, todas essas senhoras e senhores estavam bastante preparados para lutar até a última gota de sangue – no caso específico, do sangue dos ucranianos.
Ainda mais desprezível foi o discurso raivoso que saiu de Londres. Se discursos incendiários pudessem ganhar guerras, a retórica estúpida proferida no plenário da Câmara dos Comuns teria feito o exército russo correr de volta aos quartéis o mais rápido que suas botas pudessem levá-los.
“O Reino Unido e nossos aliados responderão decisivamente”, rosnou o primeiro-ministro Boris Johnson, mais para impressionar seus próprios conservadores, que o atacaram por sua resposta tímida ao homem no Kremlin.
Infelizmente, o registro histórico nos diz que as guerras nunca foram vencidas com palavras. Putin deve ter dado boas risadas desse circo de palhaços que se passa por Parlamento. Isto é, se ele prestou alguma atenção a isso, o que duvidamos muito.
E o que dizer do líder trabalhista, Sir Keir Starmer? O desejo mais sincero deste Blairista de direita é fazer o Partido Trabalhista parecer o máximo possível aos conservadores. Seu sonho é vê-lo ondeando a bandeira do Reino Unido e a das estrelas e listras, em vez da bandeira vermelha.
Portanto, não foi surpresa vê-lo competindo entusiasticamente com Boris Johnson para provar quem era o inimigo mais feroz da Rússia e o mais ardente defensor da Otan.
O sujo falando do mal lavado
Todas essas palavras cheiram a hipocrisia. Onde estava o coro de condenação quando os americanos e seus “aliados” (leia-se: lacaios) lançaram uma guerra criminosa e sangrenta contra o Iraque? E sua propaganda mentirosa sobre “armas de destruição em massa” inexistentes, que deveriam ser “provadas” por documentos falsos e serviram de cobertura cínica para um ato de flagrante agressão contra um Estado soberano?
Esse ato repugnante – assim como a invasão igualmente criminosa do Afeganistão e o estupro imperialista da Síria – levou à morte de pelo menos um milhão de pessoas. Mas por que deixar os fatos arruinarem uma boa história?
Desfilando na TV para o mundo ver, em seus ternos feitos sob medida e sorrisos polidos, os líderes ocidentais aparecem como a voz da razão e do humanismo. Mas arranhe essa superfície e você não encontrará nada além de sujeira. Não há força na terra tão reacionária e encharcada de sangue quanto o imperialismo dos EUA e seus fantoches no ocidente.
As Nações Unidas
Como sempre, quando a guerra estoura, nossos ouvidos são subitamente invadidos por um barulho estranho. Assemelha-se fortemente ao balido de ovelhas assustadas, mas na verdade é a Voz da Sanidade, a Verdadeira Voz da Humanidade, ou assim somos levados a acreditar.
Refiro-me ao balido dos pacifistas: essas almas simpáticas e bem-intencionadas que nos informam que a paz é boa e a guerra é má. Mas as guerras nunca foram interrompidas por apelos sentimentais à decência e ao bom senso. Pelo contrário, o senso comum nos diz que, ao longo dos tempos, todos os assuntos sérios sempre foram resolvidos pela força das armas.
Uma das características mais notáveis dos pacifistas é sua capacidade aparentemente infinita de autoengano. Eles se agarram avidamente a todo e qualquer discurso de um líder declarando fervorosamente seu apego à paz. Ou a esta ou aquela resolução vazia aprovada por um governo ou instituição repetindo os mesmos sentimentos banais. Uma crença ingênua na eficácia de tais coisas torna os pacifistas vítimas úteis dos belicistas, uma vez que acalentam as pessoas com uma falsa sensação de segurança.
Tais discursos e resoluções servem apenas como uma cortina de fumaça conveniente para esconder as intenções reais e agressivas que estão por trás deles. E a maior fraude de todas é a comicamente mal nomeada Nações Unidas. Este órgão foi criado após a Segunda Guerra Mundial, supostamente para evitar novas guerras no futuro.
E cada vez que há perigo de guerra, os pacifistas e reformistas de esquerda pedem a intervenção da ONU. Isso é uma ilusão estúpida e um engano do povo.
Este não é o lugar para repetir a triste história dessa instituição. Basta dizer que a ONU nunca impediu nenhuma guerra e, de fato, esteve envolvida em mais de uma, como mostra o caso da Coréia.
Entre 1945 e 1989 houve mais de 300 guerras internacionais. Desde a II Guerra Mundial até hoje, só os Estados Unidos realizaram 30 grandes operações militares. As Nações Unidas não tiveram qualquer impacto em nenhum desses eventos.
E hoje não é diferente. No exato momento em que as palavras de Putin estavam sendo transmitidas, o conselho de segurança da ONU estava realizando uma sessão de emergência, presidida pela própria Rússia, que detém a presidência rotativa.
Foi iniciada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que fez um apelo direto: “Presidente Putin – impeça suas tropas de atacar a Ucrânia. Dê a paz uma chance. Muitas pessoas já morreram.”
Mas assim que essas palavras saíram de seus lábios, as primeiras detonações estavam sendo relatadas. O epitáfio final sobre o túmulo do pacifismo e das Nações Unidas pode ser deixado para a Bíblia: “gritando paz, paz, quando não há paz”. (Jeremias, 6: 14)
Lenin disse uma vez que o capitalismo é um horror sem fim. É um sistema com guerra e chauvinismo nacional reacionário embutido em suas bases, como parte da competição internacional por mercados e esferas de influência. Quantos milhões de trabalhadores e pobres foram levados aos campos de batalha e sacrificados em nome da “nação”, que é apenas outra palavra para os interesses da classe capitalista?
Enquanto o capitalismo permanecer, a guerra continuará sendo uma característica permanente, e não se pode falar de “nações unidas”, assim como não se pode falar de uma nação unida. A única unidade possível é a unidade internacional de classe.
É tarefa dos marxistas e socialistas expor a ilusão de que os interesses dos trabalhadores e dos pobres podem ser conciliados com os da classe dominante. A única maneira de combater a guerra é lutar contra o sistema que causa a guerra.
E agora?
Embora seja muito cedo para dizer que a guerra acabou, ninguém pode duvidar que os russos alcançarão todos os seus objetivos declarados em muito pouco tempo. Não é fácil determinar com precisão o humor do povo ucraniano. De qualquer forma, será diferente na região leste, onde há muitos russófonos; e na parte ocidental, que sempre foi mais inclinada ao nacionalismo.
Mas o clima predominante será de desespero, pessimismo e, acima de tudo, cansaço da guerra e um forte desejo de paz e de algum tipo de estabilidade. Isso pode fornecer a Putin a base para a criação de um governo pró-Rússia em Kiev.
Parece-me que um homem como Poroshenko pode se encaixar muito bem como substituto de Zelensky. É verdade que ele fez alguns discursos muito aguçados ultimamente, condenando Putin. Mas isso era de se esperar e, nos bastidores, estão ocorrendo negociações, cujo resultado ainda pode surpreender a todos. Mas isso é só meu palpite…
Obviamente, a questão da adesão da Ucrânia à Otan estará fora da agenda. Sob a bandeira declarada da desnazificação, haverá um expurgo das organizações de direita e ultranacionalistas.
É evidente que as forças de ocupação russas vão querer se livrar de inimigos reais ou potenciais, e isso certamente incluirá as milícias armadas fascistas e ultranacionalistas.
Quando Putin diz que não pretende ocupar a Ucrânia, não há razão para duvidar de sua palavra. Para ser mais preciso, ele não a ocupará por muito tempo. Isso seria muito difícil e muito caro.
Não. Ele se retirará, tendo ganho seu ponto. E isso é para mostrar, tanto aos ucranianos como ao resto do mundo, que não se deve brincar com a Rússia, que a expansão da Otan para o leste deve parar, que a Ucrânia e a Geórgia nunca devem se juntar a ela, e que a Otan não deve colocar grandes concentrações de forças perto das fronteiras da Rússia ou realizar manobras provocativas nas proximidades.
Ele continua repetindo que está aberto a negociar, e esse também é o caso. Mas agora ele negociará a partir de uma posição muito mais forte do que antes. Ele pressionará sua demanda pela remoção de armas nucleares de médio alcance da Europa Oriental e o restabelecimento efetivo do tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF), que, como podemos recordar, foi abandonado unilateralmente por Trump.
Antes de se retirar, apenas para deixar as coisas absolutamente claras, ele pode muito bem embolsar mais alguns pedaços do território ucraniano, nomeadamente expandindo as Repúblicas Populares recém-reconhecidas para incluir todas as regiões de Donetsk e Lugansk.
Isso, a propósito, seria um movimento puramente defensivo, projetado para criar uma zona tampão na fronteira sul da Rússia. Isso sublinharia a impotência da Ucrânia e a removeria completamente da lista de possíveis ameaças futuras à segurança da Rússia – que foi exatamente o que Putin fez no caso da Geórgia.
Aliás, ao reler o que escrevi na época, acho que se encaixa muito bem na situação atual, então vou citá-lo aqui:
“Sim, reconhecemos o direito do povo da Geórgia à autodeterminação, mas não incondicionalmente. Não defendemos seu direito de oprimir outras pequenas nações, como os ossétios e os abkhazianos. Defendemos o direito dos abkhazianos e dos ossétios à autodeterminação? Sim nós defendemos. Mas que tipo de autodeterminação é essa que depende inteiramente de subsídios de Moscou e se permite ser usada como uma pequena mudança nas intrigas diplomáticas deste último para subverter e oprimir os georgianos? De que forma isso promove a causa do socialismo e da classe trabalhadora? De maneira alguma! Esse tipo de “autodeterminação” é uma fraude e uma mentira. É apenas uma cortina de fumaça conveniente para disfarçar as ambições e a ganância de uma potência maior, a Rússia, que quer retomar suas antigas posses no Cáucaso. A absorção desses povos na Rússia lhes dará aproximadamente a mesma ‘autodeterminação’ de que gozam os chechenos – ou seja, nenhuma, assim como não há autodeterminação real na Ossétia do Norte, no Daguestão ou em qualquer outra região na Rússia.
“Com base no capitalismo, nenhuma solução duradoura pode ser encontrada para a questão nacional, seja no Cáucaso, nos Balcãs ou no Oriente Médio. Qualquer tentativa de ‘resolver’ a questão nacional com base no capitalismo só pode levar a novas guerras, terrorismo, à ‘limpeza étnica’ e a novas ondas de refugiados, em uma espiral viciosa de violência e opressão. A questão do direito de regresso de todos os refugiados nunca pode ser resolvida numa base capitalista. Inevitavelmente, isso significaria maior competição por recursos escassos, empregos, casas, assistência médica, educação e outros serviços. Se não houver empregos e casas suficientes para todos, isso inevitavelmente alimentaria os incêndios das tensões nacionais ou religiosas. Reformas parciais não resolverão o problema. Uma solução radical é necessária. Não se pode curar o câncer com uma aspirina!”
Se substituirmos a palavra Geórgia por Ucrânia, e as pessoas de língua russa das regiões de Donetsk e Lugansk por ossétios e abkhazianos, caberá como uma luva. Realmente não há mais nada a acrescentar.
Os EUA provavelmente anunciarão novas sanções contra a Rússia na segunda-feira, usando ferramentas para punir os bancos russos e seu sistema financeiro central, o que Washington até agora mantinha em reserva.
As sanções impostas pelo Ocidente não farão nada para alterar a posição da Rússia, já que Putin tomou medidas para reduzir drasticamente a dependência da Rússia em relação ao Ocidente. É verdade que, como reação imediata à invasão, o rublo russo caiu para um nível recorde desde 2016 e as negociações foram interrompidas no mercado de ações russo. Mas esses efeitos serão apenas temporários. Por outro lado, se as sanções levarem ao corte do fornecimento de gás russo para a Europa, isso teria efeitos catastróficos e esperaríamos um novo aumento nos preços dos alimentos e dos combustíveis.
Que atitude devemos adotar?
A situação atual foi inevitavelmente confrontada por uma enxurrada intensa de propaganda na imprensa vendida. O objetivo disso não é promover os interesses e o bem-estar do povo da Ucrânia. Pelo contrário, seus interesses foram cinicamente sacrificados no altar do imperialismo.
É imperativo que mantenhamos uma posição de classe firme e não nos deixemos arrastar pela mentirosa máquina de propaganda imperialista.
Apoiamos Vladimir Putin e a oligarquia russa cujos interesses ele apoia? Não, Putin não é amigo da classe trabalhadora, seja na Rússia, na Ucrânia ou em qualquer outro lugar. A invasão da Ucrânia é apenas uma continuação de sua própria agenda cínica e reacionária.
Mas essa não é a pergunta que devemos nos fazer neste momento. A questão é: podemos de alguma forma parecer estar no mesmo campo do imperialismo americano e britânico? Podemos nos associar, direta ou indiretamente, à Otan, essa quadrilha imperialista reacionária? Ou com Boris Johnson e a beligerante Liz Truss, ou aquele traidor Blairista Starmer?
É tarefa da classe trabalhadora russa lidar com Putin. Nossa luta é contra o imperialismo, a Otan e nosso próprio governo conservador reacionário e aqueles miseráveis chamados líderes trabalhistas que são seus parceiros de crime. Como Lenin sempre insistiu: o principal inimigo está em casa. Já é tempo de nos lembrarmos desse fato.
Londres, 24 de fevereiro de 2022
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM