As últimas notícias mostram que a economia está mais uma vez piorando. A zona do euro está em recessão. A China está desacelerando drasticamente. Os EUA estão à beira do abismo. Outra crise econômica está a caminho.
Milhões de trabalhadores se perguntam: por que o capitalismo parece estar em crise permanente?
Já se passaram 16 anos desde o início da crise financeira de 2007-2008 e, durante todo esse período, uma crise se seguiu à outra. Comentaristas e economistas até cunharam um novo termo, “permacrise”, para tentar descrever o constante estado de incerteza em que o mundo se encontra.
Esta é apenas outra maneira de descrever o que Trotsky identificou como uma crise orgânica do capitalismo há 90 anos: ou seja, um estado de crise prolongada, no qual o capitalismo não consegue encontrar um novo equilíbrio.
Para entender como chegamos a essa situação, vale a pena olhar para os últimos anos e para o que preparou o caminho para a crise em que nos encontramos hoje. Ao examinar esse período, podemos ver como todas as medidas tomadas pelos governos e bancos centrais para sair de crises passadas apenas prepararam o caminho para novas dificuldades ainda mais profundas.
A crise das hipotecas subprime
A chamada crise das hipotecas subprime começou em abril de 2007, quando o maior credor hipotecário subprime dos Estados Unidos, a New Century Financial, declarou falência, enquanto o mercado imobiliário vinha abaixo.
As hipotecas subprime e suas parceiras, as Obrigações de Débitos Colateralizada (CDOs em sua sigla em inglês) [algo como um seguro contra dívidas, que se transforma em um ativo financeiro], foram uma invenção maravilhosa dos especuladores financeiros. Eles haviam emprestado US$ 1,3 trilhão para clientes “subprime”, ou seja, para pessoas que não podiam pagar. Isso funcionou razoavelmente bem, sempre que os preços das casas subissem constantemente, porque os bancos sempre podiam recuperar o dinheiro que lhes era devido pela venda das casas por meio de execuções hipotecárias. No entanto, quando os preços das casas começaram a cair no início de 2007, isso rapidamente desmoronou, pois os bancos não conseguiam mais recuperar o dinheiro que lhes era devido.
Para piorar a situação, em um golpe de gênio, juntaram essas hipotecas a hipotecas regulares e as venderam na forma dos chamados CDOs. O objetivo era distribuir o risco, reduzindo assim a exposição das instituições específicas que estavam fazendo o empréstimo. Na realidade, simplesmente repartem suas perdas por todo o setor bancário de forma descontrolada e obscura.
Quando 2007 chegou, ninguém sabia realmente quem era o dono de qual dívida. Ninguém sabia quem estava exposto a essas hipotecas subprime. De repente, ninguém confiava mais em nenhum banco e nenhum banco confiava mais em nenhum outro. Todo o setor bancário ficou congelado à medida que as instituições começaram a entrar em colapso uma atrás da outra. Esse congelamento ficou conhecido como “Credit Crunch” [Colapso do Crédito], pois os bancos pararam de emprestar uns aos outros, às empresas e aos trabalhadores.
No final, somente algumas centenas de bilhões de dólares do Estado poderiam salvar os bancos. Todo o setor bancário foi salvo pelo Estado, e todos os bancos quebrados, com uma ou duas exceções, foram resgatados. O montante total emprestado pelo Estado chegou a dezenas de trilhões de dólares, embora grande parte desta quantia tenha sido devolvida à medida que os mercados se estabilizaram, deixou ainda uma fatura de “irrisórios” US$ 500 bilhões.
Na época, o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, preocupava-se particularmente com uma “reação populista” a essa política de resgate maciço. E, embora não tenha acontecido imediatamente, ela veio, tanto na forma do movimento reacionário do Tea Party quanto do movimento anticapitalista Occupy Wall Street.
Apesar do resgate, o Credit Crunch levou a uma queda acentuada no PIB mundial. Por exemplo, a economia dos EUA caiu um pouco mais de 4% em um ano, a economia alemã caiu quase 6% e a economia mundial como um todo um pouco mais de 1%.
Esta foi a primeira recessão mundial desde a década de 1930. Foi um choque, não apenas para os comentaristas econômicos, que acreditavam ter encerrado o ciclo econômico de booms e recessões, mas também para os trabalhadores, muitos dos quais viram sua primeira crise séria de suas vidas.
Esta foi a primeira crise econômica grave desde a década de 1970, sendo já, nesta fase, a pior desde a década de 1930. Transformou completamente a situação política e econômica do mundo. E, até hoje, não há sinal de recuperação significativa. Muito pelo contrário: as coisas parecem só piorar.
As raízes da crise
O sistema capitalista não é racionalmente planejado. É um sistema caótico, no qual o ser humano está totalmente exposto aos caprichos do mercado. É bem diferente das sociedades feudais, por exemplo, nas quais os desastres assumem principalmente a forma de doenças, mau tempo e guerras.
No Manifesto Comunista, Marx e Engels explicaram as crises capitalistas da seguinte forma:
“Basta mencionar as crises comerciais que pelo seu retorno periódico põem à prova a existência de toda a sociedade burguesa, e cada vez mais ameaçadoramente. Nessas crises, grande parte, não só dos produtos existentes, mas também das forças produtivas previamente criadas, são periodicamente destruídas. Nessas crises, irrompe uma epidemia que, em todas as épocas anteriores, teria parecido um absurdo: a epidemia da superprodução. A sociedade de repente se vê colocada de volta em um estado de barbárie momentânea; parece que uma fome, uma guerra universal de devastação, cortou o suprimento de todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem destruídos; e por quê? Porque há civilização demais, meios de subsistência demais, indústria demais, comércio demais”.
Esta é uma característica marcante do capitalismo: entrar em crise porque há produção demais, comércio demais, indústria demais e assim por diante. A crise de superprodução se repete constantemente sob o capitalismo. E, apesar de todo o desejo dos burgueses e seus apologistas da esquerda, realmente não há como escapar disso sob este sistema. Como Marx e Engels continuam a dizer:
“A sociedade burguesa moderna, com suas relações de produção, de troca e de propriedade, uma sociedade que conjurou meios de produção e de troca tão gigantescos, é como o feiticeiro que não é mais capaz de controlar os poderes do mundo inferior que ele convocou com seus feitiços.”
Essa é a natureza do capitalismo. É uma sociedade em que se criam notáveis forças produtivas, mas ninguém é capaz de controlá-las. A única força que seria capaz de controlar essas potências é a classe trabalhadora através de um plano racional. Mas enquanto os meios de produção permanecerem nas mãos dos capitalistas, isso nunca será feito.
Em vez disso, temos um sistema econômico em que a burguesia tenta controlar e regular os mercados. Eles tomam medidas para resolver os problemas, e essas medidas, por sua vez, acabam criando problemas muito maiores. Essa tem sido a trajetória desde a década de 1970.
A crise de 2007 a 2009 foi preparada pelos métodos utilizados pelos capitalistas para sair da crise dos anos 1970. Ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000, eles atacaram constantemente as condições de trabalho, inclusive minando salários e acelerando o ritmo de trabalho. O estado do bem-estar social foi golpeado. Tudo isso para aumentar os lucros às custas da classe trabalhadora.
Enquanto no pós-guerra a parcela do PIB que ia para o trabalho na forma de salário ou salário social (gastos com saúde, pensões, educação etc.) estava subindo, agora entrou em declínio. Assim, enquanto a produtividade dos trabalhadores aumentava como resultado de novos investimentos em maquinário e do aumento da pressão no trabalho, o dinheiro que os trabalhadores realmente recebiam estagnava.
Esta é a essência de uma crise de superprodução. Os trabalhadores não conseguem comprar de volta os bens que produzem.
Existem, no entanto, maneiras e meios de contornar esse problema, pelo menos por um tempo. O capitalista pode investir seus lucros; mas isso só tem o efeito de produzir ainda mais produtos e aumentar ainda mais a produtividade, intensificando assim a crise de superprodução no futuro.
A outra forma de contornar o problema é emprestar dinheiro aos trabalhadores, simplesmente ampliando artificialmente o poder de compra. O que os trabalhadores não conseguiam receber em salários, agora podiam pedir emprestado. Os bancos centrais durante todo um período histórico baixaram as taxas de juros para baratear os empréstimos. De um pico de 19% em 1981, a taxa do Federal Reserve atingiu um mínimo, de 30 anos, de 3% em 1993 e um novo mínimo de 1% em 2003.
Os governos desempenharam seu papel desregulamentando os mercados de crédito. Os bancos podiam ter menos dinheiro disponível para cada empréstimo concedido (ou seja, eles poderiam ser mais "alavancados", 1988-2004); as restrições contra a expansão dos bancos para bancos de investimento e seguros foram removidas (década de 1990); os regulamentos contra a usura foram removidos (década de 1970); e, crucialmente para a forma como as coisas aconteceram em 2007, os regulamentos de 1982 removeram as restrições a diferentes tipos de hipotecas, permitindo assim o mercado de hipotecas subprime. Detalhes sobre isso podem ser encontrados em “A Short History of Financial Deregulation in the United States” [Breve História da Desregulamentação Financeira nos Estados Unidos] do Center for Economic and Policy Research.
As dívidas das famílias como porcentagem da renda disponível aumentaram nos Estados Unidos de 65%, em 1983, para 90% em 2000 e depois para 130% em 2007. Isso era completamente insustentável, principalmente com taxas de juros de 5%, patamar a que haviam subido em 2007. Os pagamentos dos serviços da dívida familiar atingiram 13% do rendimento disponível. Tudo isso foi revelado no crash financeiro. A subida das taxas de juro no período 2004-2006 (de 1 para 5,25%), para conter a inflação, tornou insustentável a nova dívida que se acumulava.
Esta situação não se limitou aos EUA; foi um fenômeno global. Em todo o mundo, os mercados autorregulados e o crédito foram anunciados como o caminho a seguir. Como consequência, a dívida total global (de famílias, empresas e governos) como proporção do PIB mundial aumentou de 110%, em 1970, para 195% em 2007, quase dobrando, e em 2021 aumentou para 247%.
Toda essa dívida refletia uma contradição fundamental no sistema capitalista: os trabalhadores não podem comprar de volta todos os bens que produzem. Portanto, eles têm que receber dinheiro emprestado para poderem continuar consumindo. Mas os empréstimos, ao contrário dos pagamentos salariais, devem ser devolvidos e com juros. Então, você inevitavelmente acaba em uma situação em que o poder de compra da classe trabalhadora será corroído, não apenas pelos lucros indo para o patrão, mas também pelo pagamento de juros e pelo pagamento de todas as dívidas que já foram acumuladas.
Em essência: o acúmulo de dívidas não resolve o problema da superprodução, mas apenas adia o problema – e no processo o torna muito maior, como já se viu repetidas vezes.
Montanhas de dívida do estado
A solução que os burgueses encontraram em 2008-9 foi dupla. Em primeiro lugar, eles inundaram os bancos com dinheiro de governos e bancos centrais. Em segundo lugar, eles liberaram os comandos e alavancas dos orçamentos governamentais.
Os EUA gastaram mais de US$ 800 bilhões, o que era sem precedentes na época. A UE empenhou € 200 bilhões, o Japão US$ 153 bilhões e assim por diante. Isso, no entanto, não leva em conta o aumento dos gastos com seguros desemprego e outros auxílios para os mais pobres. O impacto combinado foram enormes déficits estatais que, em muitas das maiores economias, subiram para mais de 10% do PIB.
A China foi um exemplo particularmente ilustrativo. O estímulo do governo chinês totalizou US$ 586 bilhões, mas em uma economia muito menor do que a dos EUA. Para manter as rodas girando na economia chinesa, os governos central e local gastaram enormes quantias de dinheiro. Isso levou a uma explosão da dívida do Estado, mesmo enquanto a economia continuava crescendo rapidamente. Nos 11 anos seguintes a 2008, a dívida nacional mais do que dobrou em relação ao PIB, de 27,2%, em 2008, para 57,2% em 2019.
No geral, em todo o mundo, a dívida pública aumentou de 61,2%, em 2007, para 76,9% em 2010 (IMF Global Debt Monitor, 2022).
Os limites dessa política foram rapidamente atingidos. Na primavera de 2010, os títulos do governo grego foram rebaixados para o status de lixo e o governo foi forçado a pedir um resgate à Troika (Comissão Europeia, BCE e FMI). As rigorosas medidas de austeridade exigidas pela Troika devastaram a economia grega e a classe trabalhadora e deram origem a uma sequência prolongada de movimentos de massa.
Isso sinalizou o início de uma nova virada, com governos em toda a Europa, em particular, apertando as restrições ao gasto público para evitar um calote generalizado.
Mas a economia não se recuperou de forma alguma e os bancos centrais tiveram que tentar evitar que toda a montanha de dívidas desabasse: primeiro, baixando as taxas de juros para zero; e, depois, uma vez que as taxa de juros não podiam mais ser baixadas, injetando vastas somas de dinheiro nos mercados de títulos.
Essa política foi apelidada de “flexibilização quantitativa” e seu objetivo era reduzir os custos dos empréstimos para consumidores, empresas e, crucialmente, governos – embora a classe dominante não admitisse isso publicamente. Eles ainda alimentavam a ficção de que as políticas fiscal e monetária eram independentes e que o banco central não estava subscrevendo os enormes déficits remanescentes, principalmente nos EUA.
Então, naturalmente, em 2020 veio o COVID-19. Isso foi um grande choque para o sistema. Todas as mesmas medidas que haviam sido adotadas em 2009-2012 agora estavam de volta, mas com esteroides. Já não eram suficientes US$ 0,8 trilhão. Agora, o programa de estímulo dos EUA era de US$ 5 trilhões!
E a UE, anteriormente relutante em gastar grandes quantias de dinheiro, propôs um programa de € 750 bilhões. Além disso, o BCE agora financia metade da dívida dos governos da UE, em particular da Itália e da França.
Os bancos centrais criaram ainda mais dinheiro para emprestar a qualquer um que estivesse disposto a assumir a dívida, e as taxas de juros foram rapidamente reduzidas a zero.
Assim, a economia capitalista estava sendo mantida à tona por gastos maciços do governo, usando o crédito fornecido pelo banco central. Isso efetivamente significava que, como tantas vezes no passado, o banco central estava imprimindo dinheiro para financiar os gastos do governo; e no caso dos EUA, até colocou milhares de dólares nas contas bancárias dos trabalhadores. E como tantas vezes no passado, isso preparou o caminho para a inflação.
As taxas de juros ultrabaixas e os mercados de crédito inundados com crédito barato do banco central tornaram os empréstimos extremamente baratos. Mas agora os bancos centrais foram forçados a aumentar massivamente as taxas de juros para impedir que a inflação saísse do controle. Isso coloca a questão da dívida e dos déficits estatais sob uma luz inteiramente nova.
O Japão está pagando 8% de seu orçamento em juros sobre sua dívida de 263% do PIB – e isso sem o nível de aumento das taxas de juros que vimos em outros lugares. Cada aumento de um ponto percentual custará ao Japão US$ 27 bilhões até 2026 (e com o tempo, é claro, essa soma se acumulará).
A dívida pública total da China é superior a 120% do PIB e aumentará para quase 150% nos próximos quatro anos. Isso a coloca no território da França (118%) e da Itália (145%). E se não fosse pela enorme poupança doméstica da China, isso já teria levado a uma crise.
A dívida total na China (incluindo a das famílias e empresas, bem como a dívida do governo) atingiu agora 295%, em comparação aos 257% nos EUA. Este nível de dívida constantemente crescente reflete a posição insustentável em que a economia chinesa se encontra.
Os economistas agora estão olhando para taxas de crescimento na China de 2% a 3%, em vez dos 6, 7 ou 8% a que todos (incluindo os trabalhadores chineses) estão acostumados. Somam-se às dificuldades da China as políticas de guerra econômica dirigidas contra ela pelos EUA e pela Europa, bem como os problemas de envelhecimento da população.
O envelhecimento da população não é apenas um problema na China. Este é um problema crescente no Ocidente, assim como no Japão. Excesso de trabalho, salários baixos e custos crescentes com creches estão forçando milhões de jovens trabalhadores a adiar a constituição de uma família, enquanto a classe capitalista tenta sair dessa crise apertando ainda mais a população em idade ativa.
Em uma economia planificada, esta questão poderia ser facilmente resolvida, mas sob o capitalismo em época de decadência, ela apresenta ao burguês a sensação de um dia do juízo final iminente.
Até o final desta década, a conta anual de saúde e pensões nos países capitalistas avançados terá subido o equivalente a 3% do PIB, de acordo com The Economist. Este é sem dúvida o motivo da insistência de Macron em suas reformas previdenciárias, por exemplo. O capitalismo simplesmente não pode mais arcar com essas reformas.
The Economist produziu um artigo no início deste mês intitulado: “Os governos estão vivendo em uma terra de fantasia fiscal”, no qual descrevem como os déficits orçamentários atuais são insustentáveis. Mas nenhum governo parece preparado para lidar com eles. E apresentam a seguinte conclusão:
“Deixar a fantasia fiscal será doloroso e, sem dúvida, haverá pedidos para adiar a consolidação para outro dia. Mas é muito melhor fazer uma saída cuidadosa agora do que esperar que a ilusão desmorone.”
O problema é mais agudo fora dos países capitalistas avançados, como já tratamos em outro lugar. Mas, precisamente porque estes são os países imperialistas avançados, o que acontecer lá terá um impacto descomunal em todo o mundo.
A maior economia do mundo, a dos EUA, também tem um dos piores déficits orçamentários. O impasse entre Republicanos e Democratas sobre o teto da dívida é obviamente um drama político bem ensaiado, mas cada vez que ressurge, o faz de maneira mais séria. Por trás do drama está um problema genuinamente sério, para o qual não há solução simples.
Prevê-se que o déficit governamental nos Estados Unidos seja em média 6,1% do PIB na próxima década. Mas se eles mantiverem os cortes de impostos de Trump (que devem expirar) e mantiverem os subsídios industriais de Biden, chegará a 8%.
Para ser adicionado a todos os outros problemas, no momento a previdência social está sendo financiada por fundos fiduciários, mas espera-se que eles sejam insolventes no início da década de 2030. Como consequência da dívida maciça, os gastos com juros já são de US$ 396 bilhões e só aumentarão à medida que os antigos títulos do governo expirarem:
“Afinal, como observa Schwartz [presidente dos sócios do Guggenheim], a principal razão pela qual o governo dos EUA foi capaz de ignorar o crescente fardo da dívida na última década é que taxas ultrabaixas significavam que ‘fomos capazes de ter despesas com taxas de juros fixas por 17 anos enquanto triplicamos nosso déficit. Isso agora acabou’.”
No último ano fiscal, a taxa média paga pelo governo federal foi de 2,1%, e permaneceu em torno disso desde 2011. Hoje, os títulos do tesouro são vendidos entre 3,43% e 5,18%, o que significa que qualquer refinanciamento terá que ser feito em um taxa substancialmente mais elevada.
Os EUA só conseguem manter esse nível de dívida e déficit porque são o país imperialista mais poderoso do planeta. A posição do dólar como moeda mundial de reserva de fato, e como a principal moeda para liquidar a dívida e o comércio internacional, dá aos EUA o poder de usar o Federal Reserve para tributar efetivamente o mundo. Mas mesmo isso tem seus limites, e um deles é a crescente prevalência do uso de moedas alternativas como o Yuan.
Uma grande crise está sendo preparada e pouco está sendo feito para detê-la:
“Keith Hall, chefe desde o final do tempo de Obama até grande parte do tempo de Trump, acha que será necessária uma crise fiscal para forçar uma ação. ‘Mas então estamos olhando para cortes realmente draconianos que nos dão uma recessão ruim, simplesmente porque esperaram muito tempo’, disse ele. ‘Os formuladores de políticas, o Congresso e o presidente, eles simplesmente não levam isso a sério’.”
Dado que grande parte da economia desde a crise de 2008 foi mantida pelos gastos do governo, a tentativa de reduzir os déficits ameaça mergulhar a economia na recessão. Claro, se os governos tentarem continuar a adiar o dia do juízo, o acerto de contas, quando chegar, será ainda pior.
O papel do Banco Central
O banco central já desempenhou um papel fundamental na economia capitalista, e tornou-se ainda mais decisivo hoje. Os mercados mundiais estão atentos a cada palavra que é proferida pelo Federal Reserve, tentando determinar se as taxas vão subir 0, 0,25 ou 0,5 pontos percentuais em um determinado momento no futuro. A economia e milhões de empregos estão nas mãos de alguns economistas, de cujas palavras depende o futuro da humanidade.
Por muito tempo, a lição aprendida era que o banco central nunca deveria imprimir dinheiro além dos limites do potencial produtivo da economia. Que, se o banco central tentasse colocar a economia em marcha ou financiar os déficits do governo com a impressão de dinheiro, isso inevitavelmente levaria a economia à inflação, ou mesmo à hiperinflação. Isso foi até codificado nos tratados de Maastricht e Lisboa que governam o Banco Central Europeu, que explicitamente proibiram o BCE de comprar “diretamente” títulos do governo dos Estados membros.
Do ponto de vista da classe capitalista alemã, isso significava uma apólice de seguro contra a repetição da hiperinflação e os consequentes movimentos revolucionários ocorridos durante a República de Weimar.
Houve uma época em que todos os economistas insistiam que os bancos deveriam ser independentes e os governos não deveriam se intrometer em seu funcionamento, muito menos nacionalizá-los. Mas essa lição apreendida foi esquecida. E onde quer que barreiras legais tenham sido erguidas, elas agora estão sendo contornadas.
Os bancos centrais começaram baixando as taxas de juros para praticamente zero. Alguns até experimentaram estabelecer taxas de juros negativas. Então eles começaram a apoiar os mercados de títulos, comprando títulos corporativos para reduzir o custo de empréstimos para bancos e empresas. Esses títulos foram comprados por dinheiro digital recém-impresso.
Essencialmente, a flexibilização quantitativa significava que os bancos centrais estavam criando dinheiro novo, ou seja, imprimindo dinheiro e usando esse novo dinheiro para comprar títulos. Isso garantiu que houvesse um fluxo constante de dinheiro para os mercados de títulos, para onde corporações e governos se dirigem para pedir dinheiro emprestado (vendendo títulos, o que é efetivamente um IOU [I own you, semelhante a uma nota promissória]). Isso significava que os bancos centrais garantiriam que as empresas sempre tivessem acesso a crédito barato, porque o banco central estava lá para fornecê-lo, caso outros não fossem oferecidos a um preço suficientemente baixo.
Ainda assim, eles tentaram evitar a compra de títulos do governo. Em 2010-2012, esse limite havia desaparecido e eles começaram a comprar títulos do governo para garantir que os governos pudessem manter déficits e não precisassem recorrer a medidas de austeridade ainda mais severas. Claro, eles não os compraram “diretamente”, mas nos mercados secundários, o que significa que eles podem ter seguido a letra do Tratado de Lisboa, mas certamente não o espírito dele.
Mesmo assim, não foi suficiente, pois a economia e os níveis de inflação não responderam como desejavam, principalmente na Europa. E então eles começaram a discutir a possibilidade dos chamados “helicópteros”, o que significava colocar dinheiro diretamente nas contas bancárias das pessoas.
Como um adendo, o FMI recentemente fez um balanço de todo esse período desde 2010 e o crédito barato resultante. Em um documento de trabalho, eles chegaram à seguinte conclusão:
“O uso de políticas monetárias ultra fáceis por períodos prolongados facilita a sobrevivência de empresas zumbis, afetando adversamente as empresas não zumbis por meio de má alocação de recursos e participação de mercado reduzida, prejudicando assim o crescimento econômico. Essas descobertas implicam um trade-off [compensação] entre a condução de uma política monetária anticíclica e o uso de uma política monetária expansionista por longos períodos, o que pode levar a uma combinação de taxas de juros baixas, baixo crescimento e maior vulnerabilidade financeira”.
Ou seja, a forma como reinflaram a bolha não conseguiu resolver nenhuma das contradições que vinham se formando e, em vez disso, criou um estado extremamente frágil para a economia mundial.
Durante o período de 2013 a 2014, houve tentativas de interromper a compra de títulos, que falharam quando os mercados entraram em pânico. Somente em outubro de 2014 o Federal Reserve conseguiu interromper sua compra de títulos. Nesse ponto, o balanço patrimonial havia crescido de US$ 900 bilhões para US$ 4,5 trilhões. Cerca de 10% de toda a dívida do governo pertencia ao Federal Reserve.
Na zona do euro, o BCE detinha algo como 20% da dívida combinada dos vários governos. O BCE realmente não abandonou seu programa de compra de títulos até 2018 e o reiniciou novamente no final de 2019, quando a economia piorou.
Quando a pandemia surgiu repentinamente, todas essas medidas foram implementadas novamente – mas, desta vez, muito mais rapidamente e muito mais extensivamente. Ao constatarem uma baixa inflação após as novas impressões de dinheiro, provavelmente se sentiram mais confiantes – e complacentes – quanto a lançar ainda mais do mesmo.
Mas o mais importante: depois de 11 anos de crise, com um descontentamento massivo crescendo, e tendo visto movimentos revolucionários surgirem como resultado, eles estavam tentando desesperadamente evitar uma recessão severa e mostrar que podiam administrar a situação. Claro, eles fizeram exatamente o oposto.
O BCE lançou-se de cabeça em outro programa de compra de títulos, que aumentou seu balanço patrimonial de € 4,7 trilhões para € 8,6 trilhões em dois anos. O Federal Reserve, sempre um pouco mais rápido, conseguiu adicionar US$ 3 trilhões em ativos em três meses, atingindo o pico de US$ 8,9 trilhões em março de 2022. Nesse estágio, o BCE detinha ativos no valor de 64% do PIB da zona do euro, e o Federal Reserve 38% do PIB dos EUA. O BCE detinha cerca de 40% da dívida do governo da zona do euro e o Federal Reserve 21% da dívida do governo dos EUA.
Em outras palavras, os bancos centrais estavam agora subscrevendo uma grande proporção da economia e isso estava causando impacto. Nos EUA, a quantidade de dinheiro na economia (física e eletrônica) aumentou 28% entre abril de 2020 e maio de 2021, mas o PIB aumentou apenas 3%. Isso significa que a quantidade de dinheiro que entrou em circulação ultrapassou em muito a quantidade de valor adicional criado na economia.
Desta vez, a expansão dos balanços dos bancos centrais não foi acompanhada por uma redução do crédito nos bancos comerciais. E muitos dos fatores que anteriormente retinham a inflação não mais se aplicavam. Já tratamos detalhadamente do papel da inflação em artigo anterior, mas a consequência disso foi justamente alimentar a inflação que vimos nos últimos 18 meses.
Aliás, a ficção de um banco central independente foi abandonada sem cerimônia durante a pandemia. Em vez disso, os governos e os bancos centrais estavam agora “coordenando” seus esforços. No interesse de salvar o capitalismo, as sutilezas legais foram postas de lado.
Na última crise, os bancos centrais também foram levados a salvar os bancos falidos. Este é um truque, principalmente do governo Biden, para fazer parecer que o contribuinte não terá que pagar por esta última onda de resgates. Mas ninguém realmente acredita nisso.
O banco central foi pressionado a desempenhar um papel cada vez mais ativo por dois motivos. O primeiro é a profundidade da crise, que obriga os bancos a tomar medidas antes consideradas desagradáveis. A segunda é a crise política, ela mesma resultado da crise econômica.
Em um esforço desesperado para sustentar o sistema e os orçamentos do governo, a classe dominante exigiu que o banco central interviesse e reforçasse as finanças dos governos, permitindo-lhes adiar o acerto de contas final.
No entanto, eles estão sendo cada vez mais forçados a escolher entre várias opções igualmente ruins. Eles não podem salvar o sistema bancário e as finanças dos governos, assim como combater a inflação.
Se eles aumentarem as taxas de juros afundarão as finanças do governo e de toda uma cadeia de bancos altamente endividados, famílias e empresas “zumbis”. Se resgatarem os bancos, manterão girando as rodas do crédito, que estão tentando desacelerar elevando as taxas de juros. Assim, eles estão presos em um beco sem saída.
A inflação que simplesmente não vai embora
Em seu informe sobre a economia mundial após a Primeira Guerra Mundial, Trotsky explicou o papel que a impressão de dinheiro desempenhou no mergulho na inflação do pós-guerra:
“Simultaneamente, surgiu uma superestrutura de papel moeda, também chamada de capital. Porque essas notas e títulos do governo – tudo isso é chamado de capital. No entanto, esse capital representa, por um lado, uma memória do que foi destruído e, por outro, uma esperança do que pode ser conquistado – mas não representa um capital que realmente existe. Ele funciona como capital, porém, como dinheiro, e isso distorce a forma de toda a sociedade, de toda a economia. Quanto mais empobrece a sociedade, mais rica ela parece, olhando-se no espelho desse capital fictício.” (p.108-9, “World Economy – Report”, Trotsky, 3º Congresso do Comintern, Riddel, To the Masses)
Esta é uma situação muito semelhante ao que vemos agora. A enorme quantidade de dinheiro criada pelos bancos centrais durante a pandemia não representa valor real criado na produção. Além disso, a perturbação causada pela guerra na Ucrânia levou o mercado mundial ao limite.
Os números mais recentes mostram que a inflação continua teimosamente alta. Os EUA, que foram menos afetados pela crise energética do que a Europa, mas mais pelas medidas pandêmicas, têm hoje uma taxa de inflação básica de cerca de 5%. A inflação na zona do euro é ligeiramente maior, 7%, mas na Grã-Bretanha permanece em 9%.
O fato de as taxas de juros estarem agora quase de volta aos níveis vistos pela última vez em 2007 não parece ter sido suficiente para domar a inflação. Isso agora está causando sérias preocupações entre os capitalistas.
O problema que eles enfrentam é que, para reduzir a inflação, eles precisam desacelerar o ritmo da economia. Eles têm que fazer o oposto do que fizeram no período anterior. Em vez de baixar as taxas de juros, eles precisam aumentá-las. Em vez de tornar as pessoas mais capazes de consumir, elas precisam torná-las mais pobres. Assim, eles estão forçando austeridade aos trabalhadores, governos e empresas.
Mas esta não é uma fórmula aritmética simples, onde uma taxa de juros de x por cento dá y por cento de inflação e z por cento de crescimento econômico. Em vez disso, toda a situação é extremamente imprevisível:
“Ajay Rajadhyaksha, presidente global de pesquisa do Barclays, disse que o Fed deixou claro que o processo para controlar a inflação não seria indolor. ‘Eles querem que alguns empregos sejam perdidos. Estão dispostos a quebrar alguns ovos. Eles não querem uma crise bancária generalizada porque então o colapso da demanda não é linear e mais longo. Mas uma contração de crédito? Sim.'"
É claro que o aumento das taxas de juros fará com que a economia desacelere e pressione a inflação para baixo – mas quanto e com que rapidez é uma incógnita completa. A verdadeira preocupação não são alguns trimestres de recessão; na verdade, isso já faz parte das previsões do Federal Reserve. Em vez disso, o medo é que provoquem uma crise no estilo de 2009, ou pior.
“‘Com qualquer novo aumento da taxa, o risco de algo quebrar aumenta’, disse Carsten Brzeski, economista do ING Bank.”
O banco central é forçado a olhar constantemente pelo espelho retrovisor para tentar descobrir para onde está indo. O efeito dos aumentos das taxas de juros é lento e leva muitos meses e anos para funcionar completamente no sistema. As hipotecas normalmente têm taxas de juros fixas por um determinado período de tempo, assim como os títulos governamentais e corporativos, e as pessoas pagam suas hipotecas com uma quantia finita de poupanças etc.
Sabemos que essas taxas terão um impacto devastador nos orçamentos governamentais, nas famílias e nas corporações. O que não sabemos é com que rapidez isso acontecerá ou quão devastador será. Quantas famílias perderão suas casas? Quantos trabalhadores perderão seus empregos? Até quanto os governos cortarão gastos? Ninguém sabe disso com antecedência. Mas descobriremos na prática nos próximos meses e anos.
A situação é agravada pelo fato de os bancos centrais terem apenas um instrumento demasiado contundente para combater a inflação. O Financial Times em um artigo no início deste ano estimou que 40% da inflação foi causada pela falta de oferta e 40% pelo “excesso” de demanda. Ou seja, o dinheiro extra circulando na economia é apenas parte da história, como explicamos. Se esse fosse o único problema, os bancos centrais teriam tido muito mais sucesso no combate à inflação agora – mas não é.
Os bancos centrais só podem influenciar o lado da demanda da equação. Ou seja, são capazes de empobrecer trabalhadores, empresas e governos, reduzindo assim a pressão inflacionária. Mas são incapazes de influenciar no abastecimento – ou seja, a produtividade, as cadeias de abastecimento etc.
Assim, quando o custo de produção continua aumentando – por causa do protecionismo, de problemas na cadeia de suprimentos, de guerras ou mudanças climáticas – tudo o que o banco central pode fazer é tentar reduzir a quantidade de dinheiro que os trabalhadores têm para consumir, eliminando assim os pobres de certos mercados, como consumo de carne ou habitação, forçando-os a viver de alternativas mais baratas, ou ficar sem. Tudo o que podem fazer é impor austeridade à classe trabalhadora, aos governos e às corporações.
Como o capital está nas mãos dos capitalistas, o banco central não pode aumentar o nível de investimento, o que reduziria os gargalos, aumentaria a produtividade e, assim, pressionaria a inflação para baixo. Pelo contrário, os custos do lado da oferta continuam a aumentar devido ao protecionismo, às guerras, às mudanças climáticas e ao aumento dos gastos militares.
Isso significa que os bancos centrais terão que pisar ainda mais no freio. E podem acabar recebendo o pior dos dois mundos: inflação e recessão ao mesmo tempo. A crise do setor bancário no mês de maio é precisamente o primeiro alerta do tipo de pressão que agora está sendo exercida sobre a economia.
A crise bancária
A recente crise bancária iniciada no Silicon Valley Bank (SVB) não é acidental. O setor de TI sofria as consequências da queda nas receitas de publicidade em decorrência do aumento das taxas de juros, e a maioria dos clientes do SVB era do setor de TI. Grande parte do impulso dado ao setor de TI durante a pandemia provou ser temporário e, à medida que a economia voltava a padrões mais normais, as receitas caíram. Isso teve um impacto direto nos depósitos do banco, que atendia principalmente a esse setor.
Para agravar seus problemas, o banco (como costuma acontecer nas falências bancárias) pediu emprestado nos curto e longo prazos. Ou seja, seus depositantes poderiam sacar seu dinheiro a qualquer momento, mas o banco havia emprestado esse dinheiro ao tesouro americano em prazos de 10 a 20 anos por meio de títulos do tesouro.
Isso não teria sido um problema há dois anos, quando o banco poderia simplesmente ter vendido esses títulos para cobrir os depósitos. Mas o forte aumento das taxas de juros pegou o banco desprevenido. Se eles vendessem esses títulos, teriam que reduzir o valor deles para refletir o fato de que seus títulos tinham uma taxa de juros muito mais baixa do que a disponível se você comprasse títulos do governo recém-emitidos. Para evitar esse problema, eles tentaram emitir novas ações, o que foi a gota d'água que causou pânico entre os depositantes.
Processo semelhante ocorreu no banco Signature, que tinha muitos clientes em propriedades comerciais. O First Republic, que foi o último banco a entrar em colapso, teve um problema semelhante, pois havia emprestado a clientes em prazos muito longos, a taxas de juros muito baixas. Mas agora, é claro, o mercado de hipotecas parece completamente diferente de antes. Portanto, se eles tentassem vender essas hipotecas, teriam que sofrer uma grande perda. Quando os depositantes começaram a sacar seu dinheiro, o banco não pôde mais manter a ficção de que essas hipotecas valiam o mesmo que antes da alta da taxa de juros.
Quatro acadêmicos em um artigo recente estimaram que, se os bancos dos EUA reajustassem seu balanço patrimonial para o valor presente de seus ativos, eles teriam que amortizar US$ 2,2 trilhões em ativos. Uma enorme quantidade de capital fictício equivalente a 1/10 da economia dos EUA. Claro, enquanto seus depositantes mantiverem seu dinheiro nos bancos, essa ficção pode continuar.
A Corporação Federal de Seguro de Depósitos (FDIC), criada após as corridas aos bancos da década de 1930, deveria mitigar riscos como esse, garantindo todos os depósitos de até US$ 250.000. No entanto, para os ricos e empresários, isso não é suficiente, pois eles têm quantias muito maiores nos bancos. As corridas aos bancos mostram como a classe capitalista está nervosa com a estabilidade de seu próprio sistema.
A forma como lidaram com a crise tem implicações importantes:
1. Monopolizou massivamente o setor bancário. Muitos depósitos fugiram dos bancos pequenos e médios para os maiores. Além disso, o governo e o FDIC imploraram aos grandes bancos que assumissem os clientes dos bancos menores e lhes ofereceram subsídios enormes para isso. A fusão do Credit Suisse e do UBS uniu os dois principais bancos da Suíça, o que significa que agora resta apenas um.
2. Claro, eles estão se enriquecendo ainda mais. Muitos bancos estão lucrando maciçamente com a nova situação. O HSBC, por exemplo, obteve um lucro recorde de US$ 12,9 bilhões e pode esperar outros US$ 1,5 bilhão em lucros com a aquisição da SVB UK por uma libra.
3. Os resgates do FDIC aniquilaram os acionistas. Portanto, os acionistas, que antes pensavam que seus investimentos em bancos poderiam ser relativamente seguros, agora estão fugindo dos investimentos em bancos de médio porte. Claro, isso também aumenta a monopolização.
4. Para reabastecer o FDIC, eles aumentarão o prêmio para os grandes bancos, o que torna a crise dos pequenos bancos potencialmente também uma crise para os grandes bancos.
5. O Federal Reserve tornou-se mais uma vez o emprestador de último recurso. Agora está garantindo todos os depósitos em todos os bancos, e eles estão se oferecendo para receber os ativos por seu valor contábil em vez de seu valor de mercado. Isso significará que, à medida que a crise bancária continuar, as perdas se acumularão no Federal Reserve.
Em outras palavras, ao tentar mitigar esta crise bancária, a burguesia está preparando novos problemas para si.
O fim da globalização
Uma das questões mais decisivas que os burgueses têm de enfrentar é a do protecionismo e do livre comércio. Lenin explicou que as fronteiras estreitas e limitadas do mercado nacional engessavam as forças produtivas. Portanto, cada nação capitalista, onde as forças produtivas se desenvolveram em certo grau, foi forçada a tentar superar essa barreira. Enquanto as forças produtivas se desenvolviam durante o século 20, o comércio mundial se desenvolveu muito mais rapidamente.
Este foi particularmente o caso da segunda metade do século XX, quando o mercado mundial conseguiu penetrar em todos os cantos do planeta. As consequências foram tremendas, como apontamos em meados da década de 1990:
“A intensificação da divisão internacional do trabalho, a redução das barreiras tarifárias e o crescimento do comércio, particularmente entre os países capitalistas avançados, atuaram como um enorme estímulo para as economias dos Estados nacionais. Isso contrastava completamente com o desmembramento da economia mundial no período entre as guerras, quando o protecionismo e as desvalorizações competitivas ajudaram a transformar a recessão em uma depressão mundial.” (Uma Nova Etapa na Revolução Mundial)
A globalização manteve a inflação baixa por todo um período histórico. Computadores, telefones, televisões e outras coisas relativamente baratas faziam com que os trabalhadores se sentissem em uma situação melhor. Ao mesmo tempo, as baixas taxas de juros também possibilitavam a compra de casas e coisas semelhantes, ainda que cada vez mais caras em relação aos salários. Dessa forma, foi possível manter os salários baixos, os lucros altos e, ao mesmo tempo, ter alguma estabilidade política.
Mas agora esta situação está se transformando em seu oposto. O CEO da BlackRock declarou: “A invasão russa da Ucrânia pôs fim à globalização que experimentamos nas últimas três décadas”. Ele se referia à abertura do Leste Europeu e, em particular, da Rússia e da China ao mercado mundial. Agora, este novo mercado mundial está se fragmentando em diferentes blocos e esferas de influência, que é o verdadeiro conteúdo por trás dos termos “friendshoring” [procurar parceiros comerciais próximos] e “reshoring” [trazer de volta a produção para seu mercado]. São eufemismos para a palavra que não querem usar: protecionismo.
O resultado concreto disso não é difícil de se ver. O Mar da China Oriental foi construído, durante décadas, como o centro da manufatura mundial. China, Japão, Coreia do Sul e Taiwan desempenham um papel essencial nessas cadeias de abastecimento. É extremamente difícil separar a China, e cada vez mais também Taiwan, dessa malha de fornecedores. Nenhum país é capaz de substituir a China, então as empresas estão buscando construir capacidade produtiva em vários países diferentes. Como disse o Wall Street Journal: “A diversificação, que alguns especialistas chamam de “multishoring” [não depender de um só país para se proteger], também reflete uma nova realidade: o mundo é um lugar muito mais complicado para fazer negócios do que há uma década”.
Enquanto, há 20-30 anos, o imperialismo americano era o fiador do livre comércio e dos mercados abertos, hoje está na vanguarda de uma tendência protecionista: “America First”, como disse Trump. No entanto, Trump está apenas colocando de maneira mais grosseira um conjunto de políticas compartilhadas por ambos os partidos nos EUA.
Em um discurso recente, a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, explicou como a política de seu governo (ou seja, a de Biden) foi uma ruptura com o passado: “Por muito tempo, nossas políticas comerciais se concentraram na liberalização, na eficiência e na redução de custos”. Em outras palavras, por muito tempo os governos dos EUA pressionaram pelo livre comércio. Agora eles estão puxando na outra direção.
Biden manteve as sanções de Trump contra a China, mas também introduziu medidas adicionais, principalmente voltadas para a indústria de semicondutores. Biden também continuou a bloquear a nomeação de novos juízes para o tribunal superior da OMC, exigindo “reformas” na OMC, ou seja, mais espaço para os EUA introduzirem medidas protecionistas. Enquanto isso, o governo dos Estados Unidos apela para o mesmo tribunal de todas as decisões contrárias a ele. Isso paralisou completamente a OMC.
Além disso, Biden introduziu a Lei de Redução da Inflação, que fornece subsídios para empresas americanas. Estes visam parcialmente a China, mas também a Europa e o Japão. Isso levanta a questão: o que realmente significa “amigo” em “friendshoring”? Em meio a um período em que as indústrias da Europa estão em crise devido às sanções contra a Rússia, Biden está esfregando sal na ferida ao subsidiar produtos de fabricação americana às custas de seus “aliados” europeus. Os líderes europeus não ficaram felizes, e Macron, por exemplo, pediu um pacote de ajuda “Compre europeu” em resposta.
O FMI alertou em seu último relatório que o chamado “friendshoring”, ou a divisão da economia mundial em duas esferas, reduziria o crescimento anual da economia mundial em dois pontos percentuais. Ao mesmo tempo, eles estão prevendo que o crescimento mundial será de apenas 2,8% este ano.
Essencialmente, reverter a globalização será muito caro, e a economia mundial pagará o preço por meio de preços mais altos e menor crescimento. Os êxitos dos últimos 50-70 anos, durante os quais os capitalistas superaram parcialmente os limites do Estado-nação e do estreito mercado nacional, estão agora sendo revertidos.
Ainda temos a questão das mudanças climáticas
A todos os problemas econômicos, políticos e sociais que o capitalismo enfrenta, devemos acrescentar a questão do meio ambiente e do clima. Aqui temos uma crise que só piora à medida que eles esperam para lidar com ela – e eles vêm adiando isso há décadas.
A transição para energia renovável está em andamento em certa medida. Mas, do ponto de vista da mudança climática, a transição é muito lenta, enquanto do ponto de vista da economia capitalista, é muito rápida. Os investimentos que estão sendo feitos estão causando todo tipo de escassez de matéria-prima e aumentando os custos, provocando mais inflação.
O McKinsey Global Institute sugeriu que a economia precisaria de US$ 3,5 trilhões adicionais em investimentos em indústrias relacionadas, a cada ano, para atingir o objetivo de emissão líquida zero até 2050. Isso representa um aumento de 61%. Um adicional de US$ 1 trilhão teria que ser realocado do que eles chamam de investimento de “alta emissão” para investimento de “baixa emissão”.
Além disso, declaram que esses US$ 3,5 trilhões representariam apenas metade dos lucros corporativos globais. Se considerarmos esses números pelo valor de face, isso significaria que, se as corporações desistissem de apenas metade de seus lucros, poderíamos atingir o objetivo de emissões líquidas zero. Imagine-se, então, o que poderíamos fazer se todos os lucros fossem investidos.
Mas a coisa toda é um sonho impossível. As empresas não renunciarão a metade de seus lucros e certamente não em tempo hábil. É até duvidoso imaginar que eles realoquem US$ 1 trilhão de investimentos de alta emissão para investimentos de baixa emissão.
Os números fornecidos pelo McKinsey Global Institute não mostram tanto as oportunidades que existem sob o capitalismo, mas o fato de que o dinheiro para a transição verde está lá, mas que está sendo apropriado pelas grandes corporações como lucro privado. A propriedade privada dos meios de produção revela-se como a barreira decisiva para enfrentar as mudanças climáticas.
Ao mesmo tempo, o custo de lidar com desastres naturais e mudar para novas culturas, bem como outras adaptações, está aumentando o custo de tudo. Isso já está tendo um impacto. Os desastres climáticos na Nova Zelândia, por exemplo, influenciaram a recente decisão de seu banco central de aumentar as taxas, e isso é um sinal do que está por vir:
“'Os impactos dos desastres climáticos só tornarão o trabalho do Reserve Bank of New Zealand de conter a inflação mais desafiador', disse Nick Tuffley, economista-chefe da ASB.”
As companhias de água na Grã-Bretanha estão envenenando os rios e o mar, e agora estão alertando que a Grã-Bretanha enfrentará escassez aguda de água dentro de uma década devido à mudança nos padrões climáticos. No mês passado, o norte da Itália sofreu grandes inundações após um período de seca muito longo. É claro que isso causará danos e perturbações à economia.
O clima é um exemplo claro de como o capitalismo chegou a um beco sem saída. Não pode lidar com as questões mais importantes que a humanidade enfrenta. Os recursos estão aí, a ciência está aí, mas o capitalismo se coloca como uma barreira. É um caso de muito pouco, muito tarde.
Permacrise: a nova normalidade
Os economistas sempre inventam novas palavras de efeito. A palavra da moda do ano de 2022 foi “permacrise”, conforme reconhecido pelo dicionário Collins. Alex Beecroft, diretor administrativo da Collins Learning, comentou sobre a nova palavra:
“É compreensível que as pessoas sintam, depois de viverem as convulsões causadas pelo Brexit, a pandemia, o clima severo, a guerra na Ucrânia, a instabilidade política, o aperto de energia e a crise do custo de vida, que estamos vivendo em um contínuo estado de incerteza e preocupação”.
A nova palavra expressou o profundo sentimento de impotência e pessimismo que a classe capitalista sente diante da nova situação política e econômica.
A palavra foi encontrada em um artigo do European Policy Centre, em 2021, onde os autores, de forma bastante empírica, tiraram sobre o período atual as mesmas conclusões que os marxistas já haviam tirado há algum tempo. Eles escrevem: “O mundo em que vivemos continuará a ser caracterizado por altos níveis de incerteza, fragilidade e imprevisibilidade”. Argumentam que a União Europeia tem de mudar para se adaptar ao severo desafio desta “era da permacrise”.
Christine Lagarde ecoou esse sentimento em um discurso para líderes empresariais em abril do ano passado:
“Alguns dizem que vivemos em uma era de ‘permacrise’, onde passamos de uma emergência para outra. Em pouco mais de uma década, enfrentamos a maior crise financeira desde a década de 1930, a pior pandemia desde 1919 e agora a mais grave crise geopolítica na Europa desde o fim da Guerra Fria.”
Neil Turnbull, um acadêmico da Nottingham Trent University, resumiu o que a palavra implicava em um artigo em novembro passado:
“A permacrise sinaliza não apenas uma perda de fé no progresso, mas também um novo realismo em relação ao que as pessoas podem enfrentar e alcançar. Nossas crises tornaram-se tão complexas e profundas que podem transcender nossa capacidade de entendê-las. Qualquer decisão de enfrentá-las corre o risco de apenas piorar as coisas. Estamos, portanto, diante de uma conclusão preocupante. Nossas crises não são mais um problema. Eles são um fato teimoso.”
Para os capitalistas, cada nova crise aparece como algo único; algo novo e sem relação com todas as outras crises. Naturalmente, nenhum deles está preparado para tirar a conclusão óbvia: que o problema não é apenas esta ou aquela crise, mas uma crise do sistema como um todo. A burguesia e os comentaristas, acadêmicos e jornalistas que os servem não têm interesse em explorar ou expor a interconexão da crise.
Mas na realidade esta “permacrise”, ou “policrise” como também é chamada, é apenas outra forma de expressar, de forma mistificada, a crise do capitalismo. Sem explicar as razões, eles concluem, corretamente, que estamos vivendo um período de crise e convulsão permanentes.
Uma crise orgânica do capitalismo
Esta não é a primeira vez que a humanidade tem que passar por tal crise. Todo o período 1914-1945 foi um período de profunda crise, de revolução e contrarrevolução. Como essa crise se desenrolou nos primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial, ela provocou algumas discussões na Internacional Comunista, porque era um desenvolvimento novo.
Antes disso, Marx e Engels haviam descrito corretamente as crises constantemente recorrentes do capitalismo, como na seguinte passagem do Anti-Dühring:
“A estagnação dura anos, tanto as forças produtivas quanto os produtos são desperdiçados e destruídos em grande escala, até que a massas acumuladas de mercadorias são por fim lançadas em uma depreciação mais ou menos considerável, até que a produção e a troca comecem gradualmente a se mover novamente. Pouco a pouco, o ritmo se acelera; torna-se um trote; o trote industrial passa ao galope, e o galope, por sua vez, passa para um mergulho de cabeça em uma completa corrida de obstáculos industrial, comercial, de crédito e especulativa, só para aterrissar mais uma vez no final, depois dos mais vertiginosos saltos – na vala de uma queda. E assim por diante, uma e outra vez”. (Engels, Anti-Dühring)
Tirando todas as conclusões erradas desses escritos, quando a crise estourou nas décadas de 1920 e 1930, os social-democratas se consolaram com o fato de que, mesmo que houvesse uma crise, haveria uma recuperação e, portanto, havia pouca necessidade de derrubar o capitalismo. O ministro social-democrata alemão das Finanças, Rudolf Hilferding, levou isso ao extremo ao defender a austeridade, alegando que a crise deveria seguir seu curso.
Trotsky discordou dessa interpretação seca e mecânica do que Marx havia escrito, apontando que isso estava ligado a ideias reformistas. Ele escreveu:
“Esse conceito de desenvolvimento automático é a característica mais importante do reformismo. É claro que o equilíbrio capitalista seria restabelecido, se as expressões sociais da luta de classes não interviessem nesse jogo cruel.” (p.124, “World Economy – Report”’, Trotsky, 3rd Congress of Comintern, Riddel, To the Masses)
Essencialmente, as crises poderiam ser resolvidas com muito mais facilidade sob o capitalismo, se os trabalhadores simplesmente aceitassem silenciosamente seu destino de austeridade, cortes salariais, fome e miséria. John Maynard Keynes, famoso por defender exatamente o tipo de política a que Hilferding se opunha, entendeu isso. Ele ficou famoso por argumentar contra os economistas neoclássicos que “no longo prazo todos estaremos mortos” e que os salários não tendem a cair automaticamente, apenas porque isso se encaixa nas equações dos economistas. Basicamente, os seres humanos não são apenas números em uma folha de papel, e os trabalhadores não estão dispostos a aceitar a fome para preservar o sistema capitalista.
Crises normais, breves e cíclicas poderiam muito bem passar sem uma ruptura fundamental; com um breve aperto do cinto em nome dos trabalhadores, e depois um retorno ao normal. Mas Trotsky está se referindo a algo que foi além disso. A crise dos anos 1920 e 1930, assim como a crise atual, teve um caráter diferente.
Trotsky observou no 3º Congresso do Comintern:
“Ascensão, declínio e estagnação – ao longo dessa curva há flutuações, ou seja, melhoras da economia ou da crise, mas não nos dizem se o capitalismo está em desenvolvimento ou em declínio. Essas flutuações são como os batimentos cardíacos de uma pessoa viva. A pulsação mostra apenas que ela está viva. (p.121, “World Economy – Report”, Trotsky, 3rd Congress of Comintern, Riddel, To the Masses)
Ele insistiu que, embora houvesse altos e baixos, o caráter geral do período era de estagnação:
“A economia da Europa só pode encolher e murchar, a fim de atingir um grau de coordenação interna. A curva de desenvolvimento das forças produtivas diminuirá de suas atuais alturas fictícias. Em tais condições, uma alta só pode ser breve e principalmente de caráter especulativo. As crises serão longas e profundas.” (p. 905, “'Situação Mundial e Tarefas”', 3º Congresso do Comintern em Riddle, John, To the Masses)
Trotsky explica que, mesmo que a época geral tenha períodos de recessão e recuperação, altos e baixos, o caráter geral da época é de estagnação e crise. Trotsky voltou a esse tema na década de 1930, quando descreveu a situação como uma “crise orgânica”:
“O renascimento econômico do ano passado, é verdade, amorteceu um tanto as pesquisas teóricas e as críticas sociais. Surgiram esperanças de que o processo de crescimento econômico, interrompido pela crise, fosse novamente restabelecido. Mas, mais cedo do que se poderia esperar, chegou a hora de uma nova crise. Partiu de um nível inferior ao da crise de 1929 e está se desenvolvendo em um ritmo mais rápido. Isso demonstra que não é uma recessão acidental nem mesmo uma depressão conjuntural, mas uma crise orgânica de todo o sistema capitalista.” (Minha ênfase, “Trotsky Urges Backing for Pioneer Publishers”, 1937.)
Isso descreve perfeitamente a posição em que nos encontramos hoje, conforme tratado em detalhes por Rob Sewell em um artigo de 2015. Assim como os burgueses pensam que viraram a esquina, outra crise mostra sua cara feia. É o que temos visto desde 2008. O sistema capitalista não consegue encontrar um novo equilíbrio.
“Uma nova etapa deve começar, a fim de eliminar a contradição entre essa superestrutura de riqueza fictícia e a pobreza que a fundamenta. O corpo econômico continuará no futuro a ser assolado por espasmos desse tipo. Ao todo, como eu disse, isso nos oferece uma imagem de profunda depressão econômica”. (p.127, “World Economy – Report”, Trotsky, 3º Congresso do Comintern, Riddel, To the Masses)
A profundidade da crise reflete como o capitalismo sobreviveu ao seu papel histórico. As forças produtivas estão em revolta aberta contra as restrições que o sistema capitalista lhes impõe: o Estado-nação e a propriedade privada. O capitalismo não pode mais desenvolver as forças produtivas, não pode mais levar a humanidade adiante. No seu conjunto, tudo o que nos espera neste sistema é mais crise e mais miséria.
A recessão iminente
Os últimos dados econômicos mostram que uma nova recessão está a caminho:
1. Maio viu a sétima contração consecutiva na manufatura, de acordo com o Institute for Supply Management.
2. A demanda por empréstimos comerciais na zona do euro caiu no ritmo mais rápido desde 2008.
3. 45% dos economistas acreditam em uma recessão global este ano.
4. Os empréstimos em “inadimplência grave” nos EUA estão aumentando de uma forma que não acontecia desde 2007.
5. De acordo com os números mais recentes, a zona do euro entrou em recessão em outubro do ano passado.
6. Ao mesmo tempo, a inflação da zona do euro subiu pela primeira vez em seis meses para 7%.
Com o BCE elevando as taxas de juros esta semana para 3,5%, isso significa que agora teremos uma recessão cada vez mais profunda com inflação, ou seja, o pior dos dois mundos. Mas as coisas não estão muito melhores nos EUA:
“'Há uma certa tendência a se dar um suspiro de alívio em manhãs como esta', disse David Hunt, executivo-chefe da gestora de ativos de US$ 1,2 trilhão, a PGIM, aos participantes de Milken que dirigiram o resgate de First Republic. ‘Na verdade, estamos apenas começando a ver as implicações para a economia dos Estados Unidos’. ‘Antes de tudo, veremos um aumento real da regulamentação no sistema bancário, particularmente em muitos… credores regionais’, disse Hunt… 'O que isso vai fazer é... dificultar ainda mais a oferta de crédito que está entrando na economia. E acho que vamos ver agora uma desaceleração real que já começa a acontecer na demanda agregada.'”
O crédito está prestes a ficar muito mais apertado, o que significa menos dinheiro para os trabalhadores consumirem, cortes de empregos nas empresas e austeridade nas finanças governamentais:
“‘Essa é uma situação preparada para a decepção’", disse Karen Karniol-Tambour, co-diretora de investimentos da gigante dos fundos de hedge BridgeWater Associates ‘É hora de os mercados aceitarem completamente como os bancos centrais serão limitados em relação ao últimos 30, 40 anos, quando toda vez que havia o menor sussurro de um problema, você poderia simplesmente baixar as taxas [e] imprimir dinheiro’”.
Todas as contradições que se acumularam nas últimas décadas, todas as tentativas de reinflar a bolha, todas as tentativas de adiar o dia do juízo final – tudo isso está voltando para assombrar a classe burguesa. Uma após outra, a burguesia esgotou as ferramentas de que dispõe para adiar a crise e não pode mais adiar o inevitável.
Haverá uma crise permanente?
Diante da crise dos anos 1920 e 1930, questionou-se se esta seria a crise “final” do capitalismo. Trotsky respondeu que isso não existe, que o capitalismo não tem um número predeterminado de crises. Somente a classe trabalhadora pode acabar com o sistema:
“O capitalismo em sua agonia, como sabemos, também tem seus ciclos, mas esses ciclos estão em declínio e enfermos. Somente a revolução proletária pode pôr fim à crise do sistema capitalista”. (Mais uma vez, para onde vai a França?, Trotsky, 1935)
O profundo pessimismo, até o desespero, que afeta o mundo hoje, em tudo, desde os economistas até a cultura, é um sinal de que o sistema capitalista não encontra saída. Encontramo-nos suspensos no ar, entre o que pode ser e o que já foi, entre as tremendas possibilidades que se podem abrir com as forças produtivas que o capitalismo criou e a realidade de um sistema totalmente incapaz de aproveitá-las.
No entanto, isso não pode durar para sempre. A certa altura, tem de ser resolvido de uma forma ou de outra. Nas décadas de 1920 e 1930, foram necessárias duas guerras mundiais, e 20 anos de turbulência econômica entre elas, para que o capitalismo encontrasse uma saída. O custo humano foi tremendo, com mais de 100 milhões de mortos e um continente devastado. Que preço o capitalismo cobraria desta vez?
Rosa Luxemburgo no Panfleto Junius, escrito na prisão durante a Primeira Guerra Mundial, argumentou que enfrentamos uma escolha:
“[O]u o triunfo do imperialismo e o colapso de toda a civilização como na Roma antiga, despovoamento, desolação, degeneração – um grande cemitério. Ou a vitória do socialismo, que significa a luta ativa consciente do proletariado internacional contra o imperialismo e seu método de guerra.”
Hoje, com a destruição ambiental e a profundidade da crise econômica e política, é bem possível que a civilização não sobreviva a mais uma tentativa do capitalismo de restabelecer seu equilíbrio.
Corresponde à geração atual determinar que caminho seguiremos. É tarefa dos comunistas preparar o caminho para que a humanidade dê o próximo salto adiante.